Mateus 16.13-20

Auxílio Homilético

21/08/2011

Prédica: Mateus 16.13-20
Leituras: Isaías 51.1-6 e Romanos 12.1-8
Autor: Emilio Voigt
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 21/08/2011
Proclamar Libertação - Volume: XXXV 

1. Introdução

Em Isaías 51.1-2 e Mateus 16.18, encontramos a figura da pedra: Sara e Abraão como pedra da qual foi “esculpido” o povo de Israel; Pedro, a pedra sobre a qual será edificada a igreja. Observa-se que as personagens Sara, Abraão e Pedro são apenas instrumentos do agir divino (quando eu o chamei, o abençoei e o multipliquei / edificarei a minha igreja). A expectativa escatológica de Isaías 51.3-5 é outro ponto de referência com o texto da pregação. No judaísmo à época de Jesus, o Messias (= o Cristo) era considerado o precursor do novo tempo de alegria, justiça e salvação. A leitura de Romanos tem clara relação com o tema igreja, embora a palavra não seja citada. Romanos 12.4-8 é um exemplo clássico para ilustrar a compreensão das primeiras comunidades cristãs a respeito da essência do ser igreja. A igreja é um corpo em Cristo (cf. também 1Co 12.12-31). O início de Romanos 12.2 pode ser relacionado com a pergunta em Mateus 16.15: independente da opinião corrente, os discípulos são chamados a dar sua própria resposta. Portanto não se conformam com “este século”.

A unidade temática do culto e da pregação pode ser associada a dois termos: Cristo e igreja. A perícope já foi tratada nos volumes II, XXIII (16.13-19), XXIV e XXVII de Proclamar Libertação. Recomendo a leitura dessas contribuições para aprofundar questões exegéticas e obter mais estímulos para a prédica.

2. Exegese

V. 13 – A partir do livro de Daniel (ex.: Dn 7.13s), o termo “Filho do Homem” tornou-se símbolo fundamental do reinado de Deus. No período romanohelenístico, o termo era uma das formas apocalípticas mais importantes para se referir ao messias.

V. 14-15 – As respostas variadas mostram o reconhecimento de que Jesus desfrutava. Ser considerado um dos profetas é indicativo de reconhecimento. Elias e Jeremias eram figuras proféticas de destaque no Antigo Testamento. João Batista, por seu lado, exerceu grande influência sobre o povo na época de Jesus. A menção a Elias e a João Batista evoca expectativas escatológicas. De acordo com o Antigo Testamento, Elias voltaria no fim dos tempos (Ml 3.22-24). No Novo Testamento, João Batista é apresentado como precursor do Messias. A comparação entre Jesus e essas figuras ilustres demonstra que foi notada uma semelhança. Mas Jesus espera que seja percebida também a diferença. Por isso pergunta pela opinião dos discípulos.

V. 16 – Pedro apresenta-se como porta-voz do grupo para expressar a resposta esperada: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. A resposta de Pedro está em consonância com a pergunta inicial de Jesus, pois há sinonímia entre os termos “Filho do Homem” e “Messias”. A palavra grega Xristós tem seu equivalente no hebraico Masiah (Messias) e pode ser traduzida como “ungido”. Originalmente, a unção fazia parte do cerimonial de entronização de um rei e servia como legitimação para o exercício do poder. Em algumas tradições, o termo Messias (ungido) aparece também ligado ao sacerdote (Êx 29.1ss; 40.12ss; Zc 3.6,13). No período pós-exílico, e principalmente nos dois séculos antes do nascimento de Jesus, o termo Masiah firmou-se como designação para uma figura salvífica escatológica.

A atividade do Messias está ligada ao estabelecimento do domínio de Deus. E esse é o tema central do anúncio e da atividade de Jesus: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo” (Mc 1.15). Reino de Deus não significa um território específico, mas aponta para o fato de que Deus é senhor e governa sobre todas as coisas. Reino de Deus tem caráter dinâmico: indica que Deus está exercendo o domínio. Nesse sentido, poderíamos trocar a palavra “reino” por domínio ou governo de Deus.

Ao dizer “Tu és o Cristo”, Pedro reconhece que Jesus é o Messias, o ungido esperado. Convém lembrar que não havia uma compreensão única acerca do Messias, assim como não havia em Israel uma ideia uniforme acerca dos acontecimentos futuros. Em termos gerais, concordava-se que o Messias inauguraria o tempo da salvação. E esse tempo será incomparavelmente melhor do que o presente: será um tempo de paz integral, alegria e abundância. Deus colocará um fim à opressão e ao domínio estrangeiro e regerá seu povo com paz e justiça. O domínio de Deus sobre toda a criação será completo e infinito.

Há quem julgava poder apressar a vinda do reinado de Deus através da oração e do seguimento fiel dos mandamentos. E havia pessoas que estavam dispostas a pegar em armas e conduzir uma guerra santa para libertar Israel do domínio estrangeiro. Quando Pedro confessa Jesus como Cristo, ainda não está claro que tipo de Messias ele esperava. Os versículos que sucedem o texto da prédica (Mt 16.21ss) mostram que a expectativa de Pedro não era semelhante à compreensão de Jesus. Pedro não esperava por um Messias que pudesse sofrer.

A atividade de Jesus aponta para o início da concretização do reinado de Deus. Curas, exorcismos, perdão, acolhimento de pessoas marginalizadas e pecadoras são sinais da manifestação do poder de Deus. A partir da atividade de Jesus, o domínio de Deus espalha-se, cresce e envolve as pessoas. Como uma planta ou como a massa de pão (Mc 4.30-32; Mt 13.33), ele vai crescendo e tomando forma.

V. 17-19 – O tema aqui tratado está ausente em Marcos 9.27-30 e em Lucas 9.18-20. A maioria dos comentários exegéticos vê nesses versículos um acréscimo de Mateus. Mas há também quem defenda que Marcos omitiu a bem-aventurança para salientar a repreensão dirigida a Pedro logo mais tarde (Mc 8.33 / Mt 16.23). Em todo caso, há um elemento novo, que causa certa estranheza. A expectativa da vinda do Messias sempre esteve ligada ao estabelecimento do domínio (reino) de Deus e não ao surgimento da igreja. Qual seria a relação entre minha igreja (igreja de Cristo) e reino de Deus? Certamente não se trata de duas grandezas contraditórias, mas complementares. Afinal, a igreja entende-se como espaço privilegiado da concretização do reinado de Deus. A igreja é constituída por pessoas que reconhecem Jesus como Messias e que vivem, já agora, sob o domínio de Deus. Nesse sentido, o trecho pode ser tratado na prédica, independente de ser ou não acréscimo de Mateus.

A confissão de Pedro só foi possível porque foi revelada por Deus. Não veio dele, nem de outra pessoa (“carne e sangue” tem sentido de “ser humano” – cf. Gl 1.16). A igreja construída sobre a rocha terá estabilidade e durabilidade (cf. Mt 7.24s). Mas isso não acontece por causa de Pedro, e sim por ser igreja de Jesus Cristo. O termo “portas do inferno” significa provavelmente “poderes da morte”. Os poderes da morte não são mais fortes do que a igreja. A igreja persistirá, pois o Senhor estará com ela até o fim dos tempos (Mt 28.20). Pedro recebe uma incumbência especial: o ministério das chaves. Possivelmente se trata aqui de decisões no âmbito da doutrina. A tarefa do apóstolo seria abrir o reino dos céus através do anúncio e da interpretação da vontade de Deus. Esse ministério é ampliado em Mateus 18.18, a toda a comunidade de discípulos, mesmo que ali o acento esteja nas decisões envolvendo conflitos internos.

V. 20 – A proibição de anunciar Jesus como o Cristo provavelmente está ligada ao perigo de que a compreensão que os discípulos têm acerca do Messias ainda é equivocada. A fala de Pedro em 16.22 é amostra disso.

3. Meditação

A voz do povo não é a voz de Deus. Isso está bem claro nas diferentes respostas a respeito de quem seria Jesus. Mesmo assim, a opinião popular é necessária. Perguntar o que outros pensam a nosso respeito não implica necessariamente deixar-se orientar pelo julgamento alheio. A pergunta é necessária porque ela estimula a reflexão, traz clareza e provoca decisões. Ademais, ela ajuda a perceber se estamos conseguindo comunicar o que somos.

O texto mostra que havia diferentes ideias a respeito de Jesus entre o povo. Mas Pedro e os discípulos sabiam exatamente quem ele é: o Cristo (Messias). Foi essa certeza que os levou a uma decisão. Por isso abandonaram tudo e o seguiram. Todavia, faltava ainda clareza a respeito do que seria esse Messias. Às vezes, precisam ser repreendidos pela falta de entendimento. No seguimento, vão aprendendo a conhecer e a compreender. A igreja peregrina ainda conhece o Messias com a visão obscurecida, como em espelho (1Co 13.12).

A comparação entre Jesus e grandes personagens da religião judaica indicava reconhecimento. Mas Jesus representava mais. A diferença não foi percebida. Tratava-se de uma diferença tão tênue? Talvez. Mas o texto também dá pistas para outra explicação. O texto afirma que a confissão de Pedro não veio dele mesmo. Ela foi revelada por Deus. Não se chega à compreensão simplesmente por reflexão pessoal, ainda que essa seja necessária. Isso nos coloca no âmbito da graça e do dom de Deus. Naturalmente fica o questionamento: se Pedro recebeu tal revelação, por que outros não a receberam? Seria a graça algo destinado a poucos escolhidos? Certamente não! Para receber a graça, que permite perceber a diferença, é preciso também disposição para despojar-se dos próprios conceitos, anseios e expectativas. É necessária a renovação da mente (Rm 12.2).

A pergunta de Jesus – “Vós, quem dizeis que eu sou?” – permanece atual. Somos convidados a dar resposta pessoal, a ir além da opinião que ouvimos. Somos convidados a perceber a diferença. Quem é Cristo para nós hoje? Podemos confessar como Pedro: “Tu és o Cristo”? E que tipo de Cristo (Messias) nós confessamos? A resposta determina nossa motivação e também nossa forma de seguimento. E certamente a nós também cabe responder: Por que pertencemos e por que vamos à igreja? O que a igreja de Cristo representa para nós?

A falta de clareza a respeito de Cristo espelha-se na falta de clareza a respeito de sua igreja. A cada dia surgem novas igrejas disputando o “mercado religioso”. Em muitos casos, igrejas ditas cristãs aproveitam-se de fraquezas e necessidades para alcançar objetivos suspeitos. Como perceber a diferença? Afinal, o que caracteriza a igreja de Cristo? Quais os aspectos comuns que reúnem as pessoas como igreja? E o que marca a diferença entre participantes e não- participantes de uma igreja? A metáfora do corpo humano pode ser uma grande ajuda na busca por respostas. A igreja como corpo de Cristo possui três elementos essenciais: unidade, diversidade, serviço.

1) Unidade – Os membros do corpo humano formam uma unidade na medida em que estão interligados: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam” (1Co 12.26). Quando damos uma martelada no dedão, a boca, que nada sofreu, emite uma palavra ou grito de dor e os olhos podem demonstrar a dor com lágrimas. A interligação e a unidade em uma comunidade são dadas através de Cristo, que é a cabeça da igreja (Cl 2.18-19; Ef 4.15-16). Batizados em um só corpo (1 Co 12.13), os membros de uma comunidade manifestam a unidade através da fé no Trino Deus, do testemunho e da vivência do evangelho.

2) Diversidade – Assim como os membros do corpo são diferentes e possuem funções distintas, também uma comunidade cristã é constituída por pessoas com diferentes ideias e diferentes dons. A diferença não deve alimentar sentimentos de inferioridade ou de discriminação, mas apontar para a necessidade de complementação. Nenhum membro é autossuficiente. Cada pessoa tem algo a dar e a receber. Cada pessoa tem um dom, e cada dom é importante e necessário para o desenvolvimento da comunidade.

3) Serviço – Os membros não vivem para si, mas estão a serviço do corpo. Igreja não é prestadora de serviços, mas tem o serviço (diaconia) como essência. Por isso ela busca comunhão, solidariedade, partilha, paz, justiça. O serviço está em oposição à busca por grandeza, honra e vantagens de qualquer espécie. A chegada do domínio de Deus tem implicações nas relações de poder. No lugar do poder como dominação entra o poder como serviço. O texto de Marcos 10.42-44 expressa muito bem o contraste entre o poder exercido pelos “grandes” e o poder que pode ser exercido no seguimento de Jesus, ou seja, sob o domínio de Deus. Há uma inversão de valores e da ordem: poder significa serviço e não privilégio e dominação.

A igreja é o local da vivência do domínio de Deus. Aqui será colocada em prática uma nova forma de agir, que buscará contagiar toda a sociedade. Pois a igreja de Cristo é chamada para ser sal e luz do mundo (Mt 5.13s). É ela quem deve influenciar a sociedade, e não o contrário. A igreja fará bem em aplicar o método de Jesus e perguntar pela opinião popular. Mas a sociedade não determinará quem é o Cristo e o que é sua igreja. A igreja de Cristo, constituída por pessoas que aceitam o domínio de Deus, não se conforma com este século.

4. Imagens para a prédica

Explorar exemplos que indicam que palavras, gestos, atos ou coisas parecidas não são necessariamente iguais. Jesus poderia ser parecido com os profetas, mas havia uma diferença.

A metáfora do corpo é uma imagem bastante conhecida, que pode ser usa- da para destacar o que é a essência da igreja de Cristo.

5. Subsídios litúrgicos

Saudação:

Jesus diz a seus discípulos: “A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus” (Mc 4.11). Reunimo-nos neste dia como comunidade de
Cristo, para conhecer os mistérios do reino e para receber forças para viver sob o
domínio de Deus [segue invocação trinitária].

Confissão de pecados:

Bondoso e amado Deus: em humildade nos achegamos a ti para confessar nossos pecados e pedir tua misericórdia. Confessamos que é difícil perceber a
diferença entre a tua vontade e os nossos próprios anseios e expectativas. Nem sempre temos clareza sobre quem é Jesus e quais as consequências de confessar Jesus como o Cristo. Oramos para que o teu reino venha e para que seja feita a tua vontade, mas nem sempre aceitamos o teu domínio sobre nós. Por isso nossa comunhão deixa a desejar e não colocamos nossos dons a serviço da comunidade e do próximo. Não amamos nosso próximo como a nós mesmos e não nos dispomos a servir. Deixamo-nos guiar por valores que são impostos pela sociedade quando deveríamos transformar a sociedade a partir dos valores do teu reino. Por isso te suplicamos: perdoa nossa incompreensão e nossa fraqueza. Dá-nos disposição para renovar a nossa mente, para viver sob o teu domínio e ser sal e luz para o mundo.

Oração do dia:

Ó Deus, nós agradecemos por tua misericórdia e por teu amor. Agradecemos-te porque enviaste teu Filho para inaugurar o teu domínio sobre nós. O teu
domínio significa amor, cura, justiça, paz, alegria. Permita que vivamos sob o teu domínio, refletindo e vivendo de acordo com a tua vontade. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo nos congrega e nos anima a perceber os sinais do teu reino neste mundo.

Bibliografia

GORGULHO, Frei Gilberto; ANDERSON, Ana Maria. A justiça de Deus: Mateus. Círculos Bíblicos. São Paulo: Paulinas, 1981.
TASKER, R. V. G. Evangelho Segundo Mateus: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, Mundo Cristão, 1982.







 



 


Autor(a): Emilio Voigt
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 10º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 20
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2010 / Volume: 35
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25059
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