Mateus 25.14-30

Auxílio Homilético

13/11/2005

Prédica: Mateus 25.14-30
Leituras: Oseias 11.1-4,8-9 e 1 Tessalonicenses 5.1-11
Autor: Arteno Ilson Spellmeier
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 13/11/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX

1. Informações e reflexões

1 – J. Jeremias pressupõe que, originalmente, a parábola dos talentos tenha sido dirigida aos escribas, admoestando-os para que não privassem as pessoas das dádivas, promessas e mandamentos de Deus e do testemunho de vida inerentes a essas dádivas e mandamentos. Devemos perguntar-nos: a) Essa admoestação não vale também para nós hoje? b) De que forma estaremos nós hoje privando as pessoas das dádivas e mandamentos de Deus: pelo silêncio, pela omissão, pela incongruência entre o nosso discurso e a nossa prática?

2 – No contexto em que Mateus colocou a parábola, ela acaba tendo uma outra função e um outro sentido: a) O problema das primeiras comunidades não era, em primeiro lugar, a omissão e a incongruência no testemunho, mas com a protelação da volta definitiva de Cristo; b) Com a demora da parusia, da volta definitiva de Cristo para o juízo final, os membros da comunidade, a quem Mateus dirige o evangelho, estão correndo o risco de se “abancar”, em dois sentidos: uns, na medida em que vivem a vinda do reino antecipadamente, só na fantasia, abandonando a criação de Deus a seu destino; outros, na medida em que vivem como se não tivesse um reino por vir, como parasitas da primeira criação de Deus, pois não têm porque preservá-la.

Devemos perguntar-nos: Em que situações de nosso dia-a-dia na comunidade, na família, no trabalho, na sociedade, na política e na fé pessoal temos nós desistido de suportar a tensão entre o reino que está entre nós em meio às limitações, fragilidades e contradições e o reino definitivo e perfeito por chegar? De que forma temos nós fugido da tensão de crer e viver o amor trazido por Cristo em meio a uma realidade de falta de sensibilidade, ódio e opressão? De que forma temos nós vivido a tensão entre o amor de Deus por sua primeira criação, caída, traída, vilipendiada e a nova criação que não vai dar para entender sem a primeira?

3 – A palavra talento hoje em dia tem, a partir dessa parábola, o sentido de “aptidão invulgar (natural ou adquirida), habilidade, capacidade” (Larousse Cultural). Na Antigüidade, o talento era um peso e, posteriormente, transformou-se em moeda cujo valor unitário correspondia a 18 anos de trabalho ou, segundo outros autores, a 20kg de ouro. Os empregados, portanto, receberam, cada qual de acordo com a sua capacidade (v. 15), uma pequena fortuna para administrar, respectivamente, 5.000, 2.000 e 1.000 moedas, o correspondente a 5, 2 e 1 talentos. Como cada um deles recebeu um montante correspondente à sua capacidade, não podemos puxar um paralelo entre o termo no sentido do evangelho e no sentido de hoje, pois o evangelho pressupõe que cada um dos empregados já possuía “talentos” (capacidades) no sentido de hoje. O que, no entanto, não significa que não teremos que usar os nossos “talentos” naturais para administrar os talentos de Deus, pois, afinal, também aqueles recebemos de suas mãos.

Devemos perguntar-nos: Quais serão os talentos que nós recebemos de Deus para administrar e multiplicar? a) Corresponderão os talentos à palavra de Deus e aos sacramentos? b) Corresponderão à fé, à graça, ao amor e à fidelidade a Deus? c) Corresponderão aos mandamentos de Deus? d) Corresponderão à tarefa de colocar sinais do reino dos céus?

Independente da interpretação pela qual optamos, os talentos recebidos devem ser vistos como um todo, a serviço da primeira criação e da promessa da nova criação (Ap 21.1ss). Não tem atalho. Quem sonhar com a nova criação sem incluir nesse sonho o estar voltado de Deus à primeira criação só está sonhando. Quem se contentar com a primeira criação está abrindo mão das promessas de Deus de que haverá “novos céus e novas terras” e sempre se frustará com o fato de que a primeira criação está repleta de limitações, contradições e maldades e, mais cedo ou mais tarde, negará a realidade desse mundo e se refugiará em ideologias feitas à sua feição, entregando-a a seu próprio destino. Quem quiser viver o amor que Jesus viveu a favor da primeira criação, da qual fazemos parte, precisa ter uma motivação muito forte: saber-se amado e aceito por Deus e saber-se incumbido da tarefa (talentos) de já agora exercitar dimensões da nova criação.

Se falarmos dos talentos, como sendo somente dinheiro e capital, restringindo seu sentido ao mundo econômico, sem nenhuma relação com a vida espiritual e comunitária, sem nenhuma relação com Deus e nossa fé, com nossas angústias e medos, não vamos entender a parábola.

Se falarmos dos talentos como sendo a palavra de Deus e os sacramentos, no entanto, essa palavra e esses sacramentos não são restritos ao foro íntimo de cada pessoa, não são propriedade de pequenos grupos de iluminados, mas têm dimensões comunitárias, sociais, econômicas, psíquicas, políticas, éticas, étnicas, familiares, culturais, espirituais, humanas e escatológicas. Essas dimensões são intrínsecas à palavra e aos sacramentos, que são a ponta de lança da nova criação para dentro da primeira criação. A parábola que compara, segundo J. Jeremias, possivelmente, o reino dos céus com a ausência de um “comerciante ganancioso e inescrupuloso” deixa transparecer essa relação das coisas de Deus com as “coisas deste mundo”. Quem restringir Deus à sacristia, quem o expulsar de sua vida familiar, espiritual, econômica, financeira... e se admirar de que ele não está presente em sua vida é, no mínimo, pouco inteligente. Um deus feito por nós, modelado por nossos interesses e paranóias, nada pode fazer por nós, pois não tem poder nenhum e está ocupando o espaço do Deus verdadeiro, que não se deixa modelar e prender em sacristias, em almas piedosas, em pensamentos, ideologias e sistemas humanos.

4 – Como toda parábola, também a dos talentos não permite que se procurem paralelos para todos os elementos nela contidos: a) Deus não é comparado a um “comerciante ganancioso e inescrupuloso”, mas o “reino dos céus” é comparado à ausência de um homem rico que, ao viajar, entrega os seus bens à responsabilidade de três empregados. Assim como o homem rico entregou talentos a seus empregados para que eles, durante a sua ausência, os multiplicassem, assim são entregues a todos nós, como responsáveis pela colocação de sinais desse reino, talentos para que os multipliquemos. b) Os paralelos não se completam, pois enquanto o homem rico esteve ausente por longo tempo e não deu nenhum apoio aos empregados, Deus e seu reino estão entre nós, apoiando-nos, quando não sabemos como continuar, levantando-nos, quando caímos, admoestando-nos e animando-nos, quando ficamos com medo e enterramos os talentos recebidos. c) Se não é possível procurar paralelos para todos os elementos da parábola, sem forçar a situação, muito menos é possível fazer uma relação direta entre o que é dito no v. 28 (“Tirem o dinheiro dele e o dêem ao que tem dez mil moedas”) e o sistema capitalista, justificando este a partir daquele.

5 – Afirmações centrais da parábola são: a) Na espera da plenitude do reino é preciso lutar e multiplicar os talentos de Deus. b) Ninguém recebe maior responsabilidade do que a que pode carregar; ela sempre corresponderá às suas capacidades. c) A compensação não é dada de acordo com o valor multiplicado, pois os dois primeiros empregados que se engajaram recebem a mesma promessa: “Muito bem, empregado bom e fiel, disse o patrão. Você foi fiel negociando com pouco dinheiro; por isso vou pôr você para negociar com muito. Venha festejar comigo!” (v. 21 e 23). d) A compensação tem como critério principal a obediência e a fidelidade, que têm como pressupostos o trabalho, a coragem e a disposição de assumir riscos, pois também os dois primeiros empregados sabiam que o patrão era rigoroso (e, talvez, justamente por isso se puseram a trabalhar). e) O que diferencia os dois primeiros do terceiro empregado não é o discurso, mas a prática: enquanto aqueles arriscam e agem, este tem medo e se “abanca”. f) O tempo à espera da parusia e da nova criação é tempo de muita luta, muito trabalho e muitos riscos, porque sinais da nova criação já se encontram em nosso meio e exigem multiplicação: palavra de Deus e sacramentos celebrados e vividos; sinais do reino como paz, justiça, perdão, amor vividos e anunciados; fé e graça recebidas e correspondidas... g) Como outras parábolas, a dos talentos quer fazer um alerta aos que, por causa da demora da parusia, estão correndo o risco de se abancar: o “abancamento” tem como preço que, em lugar do Deus bondoso que ama as pessoas mais fracas, encontrarão um Deus severo, exigente, ameaçador. h) O castigo anunciado ao terceiro empregado (v. 30), assim como a atitude em geral do patrão deixam transparecer um senhor severo, impiedoso e rigoroso, nada simpático. Será que Deus é assim tão impiedoso e insensível? Ou será que era essa a imagem que Mateus ou as primeiras comunidades tinham de Deus? Ou, ainda pior, era essa, por acaso, a imagem que o próprio Jesus tinha de seu Pai? Como entender, então, as passagens que falam de Deus como Pai piedoso, bondoso, amoroso? i) Se esta imagem do Deus severo nos ajudar a entender que Deus em seu amor por nós não abriu mão do seu senhorio, então ela terá cumprido a sua missão: quem achar que pode manipular a seu belprazer a Deus por causa de seu amor não está entendendo bem a coisa. j) O anúncio primeiro dessa parábola e mensagem central do evangelho, no entanto, é outro: Vocês estão na situação dos empregados que estão recebendo os talentos, que ainda podem trabalhar com eles e, quando tiverem medo ou se enganarem, terão a seu lado este Deus que não se ausentou e não os deixou com os seus medos e suas angústias.

2. Pistas para a prédica

1 – Assim como o homem rico entrega a seus empregados os seus bens para que estes os administrem, assim como o evangelista Mateus tem em vista as primeiras comunidades cristãs, assim os primeiros endereçados da parábola dos talentos não são os outros, mas nós, não um grupo qualquer, mas a nossa comunidade.

2 – Não é uma boa pedagogia fazer uso do último versículo, em que é anunciado o castigo do empregado medroso e inativo, pois, nos dias de hoje, as pessoas se sentem ameaçadas e têm medo de tantas coisas concretas (da violência, da doença, do desemprego, da falta de dinheiro, do abandono...), que essa ameaça lhes parecerá muito distante e, principalmente, porque esse versículo não traz a mensagem central da parábola dos talentos.

3 – Como haverá da parte de muitos membros, possivelmente, uma identificação bem forte com o terceiro empregado, porque constantemente vivem situações parecidas, em que sentem medo, em que, em consideração à família, esquivam-se de riscos, em que precisam adivinhar o humor do patrão... é necessário falar sobre a relação entre a situação do terceiro empregado e a deles, é preciso falar sobre o medo.

Do que nós temos medo? Da vida, do futuro, da violência, do desemprego? Estará nos levando esse medo a enterrar “o talento” recebido? De que forma “enterramos” os talentos hoje: procurando somente assegurar o que já temos, pensando somente em nós mesmos, seja como família, seja como comunidade, preocupando-nos exclusivamente com a nossa própria salvação, seja a física ou a eterna?

Nós não precisamos ser iguais ao terceiro empregado: a) Quando erramos por ter medo, podemos levantar os olhos, pois Deus está do nosso lado; b) Quando tivermos medo de assumir riscos em favor do reino de Deus, em favor de sua primeira criação e de sua nova criação, a ele podemos pedir coragem, pois ele não é um senhor ausente.

4 – Qual a diferença entre a situação do terceiro empregado e a nossa situação? Será que também não estamos ainda na situação dos dois primeiros empregados, pois ainda podemos agir diferente, multiplicando os talentos que Deus nos deu de acordo com a nossa capacidade? Quais serão esses talentos? Que meios possuímos para multiplicá-los? Será que só os estará multiplicando aquela pessoa que tiver um bom discurso? Há muitas pessoas que, de forma silenciosa, simplesmente vão dando testemunho do amor de Deus por toda a sua criação – é esta aqui, a atual, a caída –, cuidando de crianças, protegendo animais, protestando contra a destruição da natureza, visitando doentes e idosos, animando os abancados, consolando os entristecidos, clareando a visão do reino e da nova criação, engajando-se politicamente, colocando sinais da força e persistência da fé...

Estas fazem, muitas vezes até meio sem ter tanta consciência, o que os dois primeiros empregados fizeram: puseram mãos à obra, sendo, assim, fiéis a seu senhor.

5 – Em nossas comunidades certamente há muitos talentos “enterrados”, ou melhor, muitas capacidades para multiplicar os talentos recebidos de Deus. Como podemos “des-cobri-los”? Como podemos, em conjunto, mobilizá-los?

6 – Além da promessa de que seremos convidados a festejar com o Senhor, o texto contém outras promessas: a) Ao contrário do senhor da parábola, o Senhor que a nós entrega talentos continua presente, do nosso lado, ajudando-nos a levantar quando caímos, dando uns safanões quando nos abancamos, animando-nos quando ficamos com medo; b) Ele não nos entrega talentos além da nossa capacidade; recebemos somente a quantia que somos capazes de multiplicar; c) Ao contrário dos empregados da parábola, não precisamos nos virar sozinhos para multiplicar os talentos, mas podemos e devemos fazê-lo em comunidade, em companhia de muitos irmãos e irmãs e de pessoas que estão multiplicando fielmente talentos sem saber de quem os receberam.

3. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados: Senhor, sabemos que és severo e rigoroso e que a morte de teu filho não invalidou os mandamentos. Pelo contrário, por não nivelares certo e errado, para sustentar a tua justiça, teu filho teve que morrer.
Perdoa-nos, se oportunamente confundimos a tua bondade com frouxidão e somos tentados a te manipular de acordo com as nossas idéias e interesses.
Perdoa-nos, se não mais sabemos ver os fortes elos que ligam a tua primeira criação à nova criação e que esta se reflete naquela.
Perdoa-nos, se não mais sabemos diferenciar entre o que promove as tuas criações, a primeira e a definitiva, e o que as acaba destruindo.
Perdoa-nos, se temos, muitas vezes, medo em trabalhar com os teus talentos, se os enterramos, se não queremos assumir riscos para não nos expor diante de ti e das outras pessoas.
Pedimos a tua presença em nosso meio para que possamos assumir os riscos necessários na multiplicação dos teus talentos. Amém!

Oração de coleta: Agradecemos-te, Senhor, por nos entregares a quantia certa de talentos, de acordo com a nossa capacidade. Agradecemos-te também que não precisamos trabalhar sozinhos com os talentos que nos deste, mas que podemos fazê-lo em comunidade, na comunhão de outras pessoas. Amém!

Oração de intercessão: Bondoso Deus, agradecemos-te por nos convocares para trabalhar com os teus talentos, multiplicando o amor, a justiça, a bondade, a graça e fidelidade tuas através do anúncio de tuas promessas, da vivência do teu evangelho e sacramentos. Auxilia-nos a viver como irmãos e irmãs, a cuidar de crianças, a proteger animais, a protestar contra a destruição da natureza, a visitar doentes e idosos, a animar os abancados, a consolar os entristecidos, a clarear a visão do reino e da nova criação, a nos engajar politicamente, a colocar sinais da força e persistência da fé. Abençoe os nossos lares, as pessoas idosas, as crianças, os jovens, os casais, porque não está fácil para sobreviver e manter a família unida. Queremos reconciliar-nos, quando diferenças e brigas nos separam na família. Queremos incluir as pessoas amadas por ti, independente de cor, religião, sexo e idade, orientando-nos somente pela necessidade que elas têm.
Abençoe as nossas comunidades, os seus membros, os presbíteros e presbíteras, dirigentes e animadoras de grupos, para que elas sejam um local em que encontramos a nossa identidade, não para excluir as pessoas que são diferentes, mas aceitá-las com sua história e tradição e em seu jeito de ser. Dá-nos uma identidade aberta.
Abençoe a nossa sociedade, os grupos que a compõem, os líderes na economia e na política, para que ela seja um local em que haja trabalho para todas as pessoas e reinem a paz e a justiça. A sociedade é a nossa família e comunidade ampliadas, por isso temos co-responsabilidade por ela.
Cremos que tu tens o poder de renovar o que se desgastou, de reconciliar o que está rompido, de achar o que está perdido, de perdoar o que está errado, de criar justiça onde há injustiça, de dar nova vida ao que está morto. Por isso te pedimos. Atenda a nossa oração! Amém.

Bênção: Tu, que estás acima, abençoe-nos!
Tu, que estás abaixo de nós, carregue-nos!
Tu, que estás ao nosso lado, fortifique-nos!
Tu, que estás à nossa frente, guie-nos!

Bibliografia

GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Matthäus, in: Theol. Handkommentar zum Neuen Testament, 6. ed., Berlin, 1986.
KLIEWER, Gerd Uwe. Meditação sobre Mt 25.14-30. In: VAN KAICK, Baldur (Coord.). Proclamar Libertação, v. II, p. 233-240. São Leopoldo, 1977.
FERREIRA, Edson Saes. Meditação sobre Mt 25.14-30. In: KIRST, Nelson, MALSCHITZKY, Harald e SCHWANTES, Milton (Coord.). Proclamar Libertação, v. X, pp. 395-400, São Leopoldo, 1984.
KILPP, Nelson. Meditação sobre Mt 25.14-30. In: STRECK, E. Edson e KILPP, Nelson (Coord.). Proclamar Libertação, v. XVIII, pp. 272-274, São Leopoldo, 1992.


 


Autor(a): Arteno Irno Spellmeier
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 25 / Versículo Inicial: 14 / Versículo Final: 30
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23605
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