Meditação sobre Oração

28/11/2006

Meditação sobre a oração

 

Roberto Ervino Zwetsch

Amigos e amigas, irmãos e irmãs de fé:

Lutero considerava três práticas como essenciais para o trabalho teológico e, eu diria, para que alguém aspire ao ministério na igreja. Estas práticas são tão importantes quanto o ar que respiramos, o alimento que nos mantém saudáveis e a alegria que nos motiva para o trabalho e a vivência do amor. São elas:

- oratio, a oração;
- meditatio, a meditação;
- tentatio, a tentação.

Permitam-me, brevemente, dizer algumas palavras sobre cada uma, destacando especialmente a oração.

Meditação – Ela é a convivência com a Palavra de Deus. É a experiência cotidiana de saber ouvi-la e permitir que ela entre no nosso espírito e realize em nós sua obra divina e consoladora. Sem a meditação paciente, atenta e curiosa, é difícil servir a Deus neste mundo. A meditação nos mantém vigilantes e nos prepara para os embates da caminhada da fé para a qual precisamos estar sempre preparados.

Tentação – Lutero dizia que sem a tentação nada aprendemos. Pois não aprendemos nada com facilidade e de repente. É preciso meditar assiduamente na palavra de Deus e até lutar com ela para fortalecer-nos e termos acesso ao conhecimento da fé. Na perspectiva da leitura bíblica que fazemos na América Latina, é a partir da experiência da vida, dos sucessos e fracasso que nos acompanham sempre, que alcançamos algum conhecimento verdadeiro. No meio disso tudo, porém, somos tentados. Lutero dizia mais: “a pior tentação é não ser tentado”. Não há, pois, vida cristã sem a tentação. E mais, é só na tentação e na tribulação que se percebe Deus e sua Palavra. Só aí que aprendemos o que é viver da graça e do amor infinito e incondicional de Deus. É na tentação que aprendemos a orar: “e não nos deixes cair em tentação”. Lutero acrescentava em sua explicação dessa prece: “Deus nos dá vigor e poder para resistir, contudo sem que a tentação seja tirada ou anulada... o que pedimos é que não caiamos e não nos afoguemos nela. Sentir tentação, por conseguinte, é coisa bem diversa de consentir nela ou dar-lhe o nosso sim” (Catecismo Maior).

Oração – Esta é a experiência maior, mais difícil, mais exigente. O apóstolo Paulo ensinou: “Orai sem cessar” (1 Ts 5.17). Nós podemos orar de diferentes maneiras. Há uma certa disciplina da oração, como orar no amanhecer e no entardecer ou tarde da noite, por exemplo. Outras pessoas oram ao dirigir o carro (evidentemente, cuidando para não infringir as leis de trânsito e causar acidentes!), ou ao viajarem no metrô, ou nos ônibus que percorrem as vilas da cidade, ou até mesmo enquanto preparam uma refeição ou caminham no parque. Todo lugar pode ser lugar de oração. O próprio Jesus orava nas refeições, em lugares ermos, montes, jardins, no meio da multidão ou no fundo de um barco de pesca. Importante é perceber que a oração é para cada dia, para toda hora.

Mas voltando a Paulo, ele sabia por experiência que é o Espírito Santo quem nos auxilia e assiste em nossa fraqueza (Rm 8.26). Pois, “não sabemos orar como convém”. É duro reconhecer, mas, de fato, não sabemos. Somos repetitivos, temos fórmulas fixas e raramente saímos desse padrão. A famosa oração espontânea é, salvo engano meu, repetição de frases feitas, que de espontâneas pouco apresentam. Pior é quando alguém, apesar de sua boa fé, repete insistentemente a cada três ou quatro palavras o indefectível Senhor, oh Senhor! Por vezes, é difícil ouvir tais orações. Por isto também é duro ouvir estas palavras do apóstolo Paulo: “não sabemos orar como convém”.

Mas, graças a Deus, podemos aprender a orar. Como? É Paulo quem nos diz: “mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira com gemi- dos inexprimíveis”. É o Espírito que ora em nós! É preciso reconhecer e aprender do e com o Espírito Santo. Às vezes, penso que são justamente as pessoas mais simples e mais sofridas do nosso povo que – com seus gritos e gemidos – podem nos ensinar verdadeiramente a orar. Aqui percebemos: até na oração dependemos da ação de Deus por nós. E isto nos torna pessoas verdadeiramente humildes e confiantes. Humildade e confiança nós aprendemos não numa vida exteriormente correta e piedosa, mas antes na oração e no encontro com o Deus de toda misericórdia e toda justiça. O Magnificat de Maria é uma verdadeira escola da oração (cf. Martinho LUTERO. O louvor de Maria. São Leopoldo: Sinodal, 1999). Por isto, a oração é também manifestação da graça e da liberdade cristã. Quem ora a Deus experimenta uma maravilhosa liberdade para viver e lutar pela transformação deste mundo (Rm 12.1s).

Grandes personagens da história cristã foram pessoas de muita oração. Lutero é um destes, Dietrich Bonhoeffer é outro. De Bonhoeffer guardo uma imagem que aparece no filme dedicado à sua vida (Bonhoeffer – o agente da graça) que me parece uma das mais belas e emocionantes. Ele está em sua cela e um companheiro de prisão na cela ao lado chora desesperada- mente, temendo a morte. Bonhoeffer então pede que ele coloque suas mãos na parede da cela, enquanto ele faz o mesmo. E então, Bonhoeffer ora por seu colega de infortúnio. Esta cena, sem dúvida, é algo que nos faz pensar no poder da oração da fé.

Martim Luther King Jr, o pastor batista líder do Movimento dos Direitos Civis dos negros nos EUA (anos 1960) é outro cristão que tinha uma profunda experiência de oração. Uma de suas biografias conta que antes de tomar decisão ou participar de algum ato público importante da luta do movimento, ele pedia para ficar só, onde estivesse, e se punha a orar pedindo a orientação de Deus.

E assim poderíamos citar tantas outras pessoas (por exemplo, Sor Juana de La Cruz, Chiara Lubich do Movimento Focollari, Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Thomas Merton, Ernesto Cardenal, Johnson Gnanabaranam).

Mas como orar? Aqui novamente temos de olhar e aprender de Jesus, a nossa referência primeira. Leiamos o que ele nos diz em Mt 6.5-8.

Que distância das grandes manifestações de oração que vemos em muitos templos cristãos hoje em dia. Talvez esteja na hora de voltarmos a Jesus e aprender dele que é manso e humilde de coração e nele achamos descanso para nossas almas. É dele que aprendemos a orar e a meditar( Mt 6.9-13).

É muito estranho que existam colegas na IECLB que ultimamente suprimiram esta oração dos cultos dizendo que é tradicionalismo vazio. Não posso entender tal atitude. Espero que, pelo menos, estas pessoas não tirem esta página de suas bíblias, pois então não sei mais o que significa ser cristão.

Esta oração precisa ser proferida e meditada com toda a calma, com paciência e quase soletrando palavra por palavra (o P. Dr. Lindolfo Weingärtner tem um lindo livro sobre a oração do Pai Nosso publicado pela Editora Encontro, de Curitiba!). Façam este exercício uma vez e vocês vão descobrir algo da vivência espiritual da pessoa cristã que só o Espírito Santo nos pode ensinar.

Portanto, “orai sem cessar!”. É o que desejo a vocês e a nós todos neste dia para que o nosso ministério seja luz e fermento a serviço do reino de Deus neste mundo conturbado em que vivemos. Amém.

Referências bibliográficas

Albérico BAESKE. Como se estuda Teologia conforme Lutero. In: Lothar HOCH (ed.). Formação teológica em terra brasileira. Faculdade de Teologia da IECLB. 1946-1986. São Leopoldo: Sinodal, 1986, p. 74-87.
Dietrich BONHOEFFER. Resistência e submissão. Trad. Ernesto J. Bernhoeft. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
Johnson GNANABARANAM. Senhor, renova-me. Reflexões. Trad. Lindolfo Weingärtner. São Leopoldo: Sinodal, 1993.
Roberto E. ZWETSCH. Vigília – salmos para tempos de incerteza. São Leopoldo: Sinodal, 1994.


Autor(a): Roberto Ervino Zwetsch
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 23677
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