Nível de leitura é indicador de desenvolvimento

HÁBITO DE LEITURA

01/08/1988

Nível de leitura é indicador de desenvolvimento

Antônio Hohlfeld

Segundo a psicologia, o hábito é uma forma motora da memória, que se manifesta nas atividades facilitadas por sua repetição: os atos complexos, constantemente repetidos, tendem a ter execução automática e precisa, uma vez provocados, e provocam-se cada vez mais facilmente. Pode-se acrescentar que um hábito vira necessidade, especialmente quando pensarmos no tema deste artigo: o hábito de leitura.

O escritor Marcel Proust, um dos grandes nomes literários do atual século, recomendava que, para uma boa leitura, dever-se-ia adotar uma boa postura e, segundo ele, dentre os vários elementos que compõem essa postura, estão a boa iluminação, o sentar-se em uma cadeira e colocar o livro apoiado sobre a mesa, o uso de um lápis para grifar as partes que mais nos interessam e outros tantos detalhes. No Brasil, discute-se muito o hábito de leitura e, ainda na última década, criou-se uma associação de leitura, reunindo professores, escritores e especialistas na área, visando desenvolver-se esta atividade tão importante para o ser humano. Ao mesmo tempo, porém, constata-se claramente que o brasileiro continua afastado deste hábito, bastando comparar-se a população em relação com as tiragens de jornais e de livros, mínimas em relação a países mais desenvolvidos, de onde se pode afirmar, sem perigo de errar, que o nível de hábito de leitura é um indicador de desenvolvimento.

MARGINALIZAÇÃO DO LIVRO

Mas como formar um hábito, e no nosso caso, como formar especialmente o hábito de leitura? Se ouvirmos um brasileiro médio falar, imaginaremos que ele valoriza muito a cultura, aí compreendida a leitura. Ao mesmo tempo, na prática cotidiana, constatamos o evidente, que aquilo que valorizamos no discurso não praticamos de fato no nosso dia-a-dia. É isso se deve a um significativo índice de preconceitos que envolvem a leitura e os livros, preconceitos que se escondem, exatamente, na errônea valorização e simultânea marginalização do livro.

Observemos, por exemplo, que os pais, tios, avós, enfim, todos os parentes adultos — em relação a uma criança, pois hábitos se criam evidentemente desde a infância — que costumam dar presentes aos pequenos fazem-no geralmente através de brinquedos. Aliás, a associação dos fabricantes de brinquedos do Brasil ao que parece ainda não está satisfeita com tais índices e sem desenvolvendo, através da televisão, campanha institucional para aumentar o uso do brinquedo como presente. Mas, como dizíamos, dá-se à criança brinquedo, mas não se dá livro. Na verdade, mistura-se e se confunde o conceito do objeto livro com o seu conteúdo, que é a literatura.

CURIOSIDADE CRIATIVA

E se, eventualmente, alguém quebra a prática comum e presenteia a criança com um livro, os pais apressam-se em cuidar para que a criança não o estrague, guardando-o na cristaleira, em um armário qualquer, com o célebre aviso: Filhinho, cuida bem o livro, vamos guardá-lo, e quando você ficar grande, então vai poder lê-lo. Ou seja, afasta-se o livro da criança, preservando o objeto em detrimento do hábito e da relação com o seu conteúdo.

O pior é que, hoje em dia, não se tem sequer a desculpa do material com que livros são feitos. Temo-los de plástico, de pano, de cartonado grossíssimo, enfim, de vários tipos, tamanhos, coloridos ou não... para usos variados, que aguentam o repuxo, sem se arrebentarem facilmente e, em todo o caso, jamais pondo a perder seu conteúdo, pois basta comprar um novo exemplar e lá está o seu texto integral e verdadeiro.

Mas não, continuamos com nossos preconceitos. Se a pobre criança, em sua curiosidade criativa, risca o livro (que amor de risquinhos interessantes são as letras, por que eu não posso fazê-las também, deve ela pensar), a mãe reclama e recolhe o livro: vai estragar. Se a criança, na sua investigação cientifica, rasga a folha para ver o outro lado da figura (será que ficou lá dentro da página?), o pai xinga e bate porque a criança é destruidora, rasgou um livro, ora vejam...

Só haverá leitor adulto se incentivada a criança

Os pais querem que seus filhos leiam, mas eles próprios não lêem. Eventualmente, como já registrou Ecléa Bosi, compram-se alguns metros de livros, de capa dura em determinada cor, para decorar a sala ou aquela estante nova... leitura, no entanto, fica para a escola. Na família, adulto não lê porque não tem tempo ou, mais recentemente, talvez até com certa dose de razão, deixa de ler até jornal por causa do preço (o problema é não deixar de comprar aquela bijuteria que agradou a mãe ou beber aquele chopinho que faz feliz ao pai...)

FECHAR BIBLIOTECAS

Com tudo isso, como vamos criar hábitos de leitura? Qual a família, hoje, em que pai, mãe, tio ou avó se dispõem a contar história para a criança, inventando-as ou lendo-as a partir de algum livro? Qual o adulto, hoje, que dispõe de tempo para, em determinada hora do dia, provocar a criança e ouvi-la em suas diversas fases de introjeção de estruturas narrativas; primeiro repetindo o que ouviu, depois compondo diversas histórias numa única, por ela inventada e, enfim, criando ela própria a sua narrativa? Muitas vezes, a criança que se desenvolve bem nesta área acaba sendo acusada ainda de mentirosão! E vira preocupação para pais e professores...

Mais recentemente, esta situação absurda provocada pelo titular da Secretaria de Educação do estado, professor (?) Bernardo de Souza, que, implantando o chamado QPE (Quadro de Pessoal por Escola), fechou as bibliotecas escolares, provocou um caos ainda maior: as bibliotecas escolares, que já não tinham grandes acervos e muito bem preparado pessoal, fechadas, impediram praticamente toda e qualquer iniciativa de professores bem intencionados: nem hora de conto, nem hora de leitura, nem hábito de conversar sobre o que se leu, etc. Aliado a isso tudo, os absurdos programas de literatura continuam sendo aplicados pelas Secretarias de Educação, de onde se pode concluir que é simples milagre um jovem, ao entrar para a universidade, ou ao deixá-la, ainda seja capaz de manter ou ter criado o hábito de leitura! Poder-se-ia dizer: apesar dos pais e da escola, ainda se lê neste país.

SERES FANTÁSTICOS

Eis porque, em síntese, nos anos mais recentes, ganha importância no Brasil a chamada literatura para crianças e jovens. Embora integrante da chamada indústria cultural — o que faz com que as editoras incentivem setores que lhes dêem maior lucro — a verdade é que só a partir do desenvolvimento do hábito de leitura na criança é que teremos o hábito de leitura no adulto. E isso passa, obrigatoriamente, pelo despertar do prazer que a leitura possa provocar no leitor. E então entra esta bela fase que vive a nossa chamada literatura para crianças e jovens: textos alegres, inteligentes, despreconceituosos, capazes de provocar prazer, atenção, vontade de ler outro e outro, mais e mais, por simples curiosidade, sem preconceitos, sem obrigações... ler, como se brinca. Ler, como se estivéssemos em viagens maravilhosas, descobrindo coisas e seres diferentes e fantásticos, sem sairmos de casa, sem gastarmos muito, sem nos envolvermos em grandes trabalhos... Ler, com humor.

Eis como, em síntese, vejo a questão do hábito de leitura. E você, eventual leitor dessas linhas... o que acha do problema?

Antonio Hohlfeld é escritor, Jornalista, professor e vereador de Porto Alegre, pelo PT.
 


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Autor(a): Antônio Hohlfeld
Âmbito: IECLB
ID: 32214
HISTÓRIA
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Eu anunciarei a tua fidelidade e te louvarei o dia inteiro.
Salmo 35.28
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