O Lecionário Ecumênico

Artigo

13/12/1989

Em sua última reunião de 1988, o Conselho Diretor da IECLB, acatando sugestão de seu Conselho de Liturgia, adotou uma nova ordem de perícopes bíblicas para o uso de suas Comunidades. Trata-se do assim chamado LECIONÁRIO ECUMÊNICO ou Série Trienal, porque suas leituras (do Antigo Testamento, das Epístolas e dos Evangelhos) distribuem-se, dentro do Ano Litúrgico da Igreja, pelo período de três anos.

O uso de leituras fixas na Igreja (indiferentemente se lectio continua ou lectio selecta) foi herdado da sinagoga, onde sempre havia duas leituras, a da Lei e a dos Profetas. Seguindo este sistema, a Igreja adotou o esquema pericópico.

Diversas ordens de perícopes coexistiam, tanto no Oriente como no Ocidente. Lentamente, porém, sobrepujou o velho espírito romano da unidade. E assim, aos poucos acabou preponderando no Ocidente o lecionário desenvolvido em Roma entre o governo dos papas Dâmaso (366-384) e Gregório Magno (540-604). Esta ordem, chamada de Série Histórica, incluía três leituras, das quais a veterotestamentária acabou quase eliminada, devido ao inchamento ritual dos séculos posteriores. Distribuída em um ano, nem sempre possuía nexo vertical (semelhança de tema entre epístola e evangelho) tampouco nexo horizontal (progressão de um domingo para outro).

Este é o lecionário que os Reformadores do séc. XVI vão encontrar. Enquanto Calvino o eliminou, Lutero o preservou. Embora vissem a Série Histórica de modo não muito simpático — em sua Formula Missae Lutero afirmou que certas leituras pareciam terem sido escolhidas por um insigne iletrado — Lutero e os Pais Luteranos a conservaram porque viam nela a confirmação de que o Movimento Reformatório era um fato intra muros da Igreja Católica (Apologia XXXIV,1,6).

Mais tarde, em consonância com o espírito iluminista, surge a Série Hannoveriana de 1769 que se caracterizava por haver perdido totalmente a dimensão cristológica. Esse lecionário também aboliu o Ano Litúrgico da Igreja.

No séc. XIX, Kliefoth e Löhe, os pais da renascença luterana, reintroduzem tanto o Ano Litúrgico como o Lecionário Histórico. Paralelamente, porém, surgem neste período séries particulares como as de Thomasius (Baviera) e Niemann (Hannover), e eclesiásticas como as de Eisenach, Württemberg e Saxônia, dificultando cada vez mais o caminho da unidade pericópica.

Somente a experiência dramática do Kirchenkampf alemão (luta da Igreja contra o totalitarismo político-clerical do Estado nacional-socialista) iria acordar a Igreja Evangélica para a importância do elemento lecionário. Assim, após 1945, o Lecionário Histórico foi adotado por todos, com a ressalva de que agora havia uma série de textos para a pregação dominical. Embora incluísse esporadicamente textos do Antigo Testamento, o problema é que, na verdade, passaram a viver lado a lado duas séries de perícopes que raramente se completavam.

Surge então, com o Concílio Vaticano II, uma nova proposta pericópica: um lecionário com três leituras (AT, Epístola, Evangelho), interrelacionadas internamente e distribuindo-se pelo período de três anos. Uma análise mais detalhada demonstrará que os textos se reforçam mutuamente, criando uma relativa harmonia temática, propondo leituras tiradas de um maior número de livros, superando o marcionitismo da Igreja e procurando refletir todo o desígnio de Deus (At 20.27). As palavras de Lutero, expressas na sua Formula Missae, caso no futuro a língua nacional vier a ser usada na missa, então se deveria fazer o possível para que fossem lidas na missa epístolas e evangelhos tirados das melhores partes desses livros, tornam-se aqui um verdadeiro vaticinium ex eventu.

Para concluir, indico algumas das teses apresentadas ao Conselho Diretor da IECLB como elementos esclarecedores da importância do presente Lecionário:

a. a IECLB está comprometida com a ecumene (luta em favor da una saneia no sentido de Jo 17.11), em termos confessionais (CA VII) e constitucionais (Const. IECLB I.I. 2ª.);

d. o novo lecionário ecumênico vem sendo adotado pelas Igrejas ecumênicas do mundo inteiro, em especial do continente latino-americano;

e. todas as Igrejas-membro do CONIC (romanos, episcopais e metodistas) adotaram o novo lecionário ecumênico;

f. também foi adotado pela IELB;

g. o Lecionário Histórico, não obstante algumas revisões, só inclui esporadicamente leituras proféticas do AT;

h. com isso, o horizonte profético da fé cristã perdeu-se em grande parte das Comunidades cristãs (ex. o Kirchenkampf na Alemanha), dando assim lugar a uma compreensão individualista do testemunho evangélico;

i. a IECLB vem assumindo desde o Documento de Curitiba seu ministério profético no país, é preciso, porém, que suas Comunidades entendam que essa atuação tem fundo profético, e não político;

j. a Igreja Evangélica da Alemanha, não obstante o aconselhamento da Federação Luterana Mundial, resolveu encetar um caminho individual, não aceitando o novo lecionário ecuménico;

l. no espectro eclesial brasileiro não seria salutar insistirmos numa trajetória individualista, pensando-se também na questão da literatura homilética.

Não por último, ressalto que uma pequena comissão delegada pela IECLB revisou todas as perícopes ou delimitações sobre as quais pairavam dúvidas confessionais. Além disso, o presente lecionário pres-supõe uma nova ordem litúrgica mais dinâmica e libertada do clericalismo das tradicionais.

VENI, CREATOR SPIRITUS, MENTES TUORUM VISITA.


Autor(a): Sílvio Tesche
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1989 / Volume: 15
Natureza do Texto: Artigo
ID: 13529
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