Operação Impacto - Nova forma de trabalho com jovens

01/11/1975

Estes dias alguém me perguntou: Quem inventou esta Operação Impacto? Este trabalho foi 'copiado' de um outro país ou é um trabalho tipicamente nosso? Gozado, eu não tinha condições em dizer: Foi Fulano o pai da ideia. Mas uma coisa é certa, não é um trabalho copiado, também não do Projeto Rondon. A Operação Impacto é um tipo de trabalho que surgiu de uma certa necessidade no trabalho da Juventude Evangélica.

Como surgiu a ideia?

Aconteceu em outubro de 1970 numa reunião dos Conselhos Distritais da Juventude Evangélica da IV Região Eclesiástica no Rio Grande do Sul, quando alguém perguntou: O que faremos no sentido de irmos diretamente ao encontro dos nossos jovens agricultores? Depois de uma troca de ideias surgiu este plano: Reunir um grupo de jovens de diversos lugares da Região numa colônia, os quais deveriam chegar a conclusões através de um contato direto com a vida diária do próprio agricultor, procurando captar suas aflições e suas alegrias: suas vantagens e desvantagens e, sobretudo, aceitá-lo como ser humano com seus direitos e deveres. Desta forma estaríamos atingindo não só o jovem, mas a família toda. Um dos objetivos seria conseguir, através de um levantamento, elementos concretos para agirmos em prol do agricultor, bem como motivar forças atuantes a fazê-lo.

Foi assim que surgiu o Acampamento de Trabalho da Juventude Evangélica, ou como foi abreviado: o ACATRAJE. Cá entre nós, ACATRAJESs já existiam antes na Juventude Evangélica: por exemplo quando grupos foram trabalhar nos Asilos Pela Betânia em Taquari, também se chamaram ACATRAJE.

O pequeno mundo de Fazenda Padre Eterno

No dia 28 de janeiro de 1972 começamos a montar as nossas barracas no interior do município de Dois Irmãos/RS, onde ficamos até o dia 11 de fevereiro. O lugar foi ideal para um acampamento. Perto, havia um riacho junto a um matinho, e logo ali a Escolinha onde realizamos as nossas reuniões, instalamos a j secretaria, refeitório e cozinha. Os nossos cozinheiros eram um grupo de Escoteiros, que prontamente aceitou o nosso convite.

Já naquela vez sentimos a necessidade de sabermos o que pensam os manda-chuvas daquela região sobre a situação do povo, ou sejam, us pessoas que de uma ou de outra maneira tinham uma atuação direta com os agricultores. E assim ouvimos nos primeiros dias as opiniões do Prefeito, do Sindicato, do professor local, da parteira, do comerciante, do vereador, do médico, do pastor, do padre, do presidente da comunidade local, além de mais duas palestras com temas gerais como: Marginalização do colono que se transfere para as grandes cidades e Migração de colonos para a Transamazônica.

Já durante as palestras aconteceram também alguns fatos curiosos. Sempre havia alguns agricultores que assistiram às palestras, com isto já ouviam certas críticas por parte dos palestrantes em relação a sua maneira de viver, especialmente quando se tocou na Higiene e Natalidade. Uma palestrante, quando sentiu que certas expressões não foram entendidas pelos colonos em português, traduziu parte de sua palestra para o dialeto alemão falado naquela região.
Agora, sim, as palestras criaram entre os 15 participantes uma curiosidade: Será que é mesmo assim como disseram? Dividimos a turma em pequenos grupos e começamos a elaborar um questionário, o qual seria preenchido durante os dias seguintes quando os participantes, morando em casas de agricultores, visitariam outras famílias. Quando a turma voltou depois de três dias, tinha tanta coisa a contar...!

Durante a nossa estada em Fazenda Padre Eterno aconteceu que se festejou o Kerb (festa tradicional nestas colônias de origem alemã, que significa a comemoração da inauguração da igreja local). A nossa turma participou ativamente no culto festivo, onde tivemos a possibilidade de ouvir uma prédica no dialeto do pessoal.

Na última etapa do nosso trabalho elaboramos um relatório final sobre a situação das famílias baseado nos dados colhidos pelos participantes. Esse relatório junto com alguns gráficos expostos para ilustrar certos aspectos, foi apresentado e discutido numa reunião de encerramento. Nessa reunião participaram também representantes de outras instituições, como da Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (a qual mais tarde até publicou o nosso relatório gratuitamente), da Legião Brasileira de Assistência, do Conselho Regional da IECLB e outros amigos que nos prestigiaram com a sua visita.

Operação Impacto — trabalho em âmbito nacional

Baseada no resultado positivo do Acampamento de Trabalho em Fazenda Padre Eterno, surgiu a ideia de ampliar este trabalho para o âmbito da Igreja toda.

Essa questão foi discutida durante o II Congresso Nacional da Juventude Evangélica no mês de julho 72 em Ivoti. E assim surgiu a Operação Impacto. Basicamente tinha as mesmas etapas do ACATRAJE (I — Informação, entrosamento, elaboração do questionário. II — Levanta mento, visitar famílias. III — Computação de dados, conclusões), acrescentando mais uma quarta etapa de 5 a 6 dias para uma atuação direta com as famílias. A expectativa entre os jovens era grande e muita gente queria participar. Por isso resolvemos realizar inicialmente uni trabalho com duas turmas de 50 participantes, no interior do Estado do Espírito Santo, durante os meses de janeiro e fevereiro de 1973.

Na roça — a verdade do homem capixaba

O meu irmão mora na rua e nós moramos na roça. Para muitos dos nossos jovens e adultos que vieram para Córrego Bley, no município de São Gabriel da Palha, ou para Vila Pavão, no município de Nova Venécia, essa frase era estranha. Mas com o tempo descobriram que na rua ou no patrimônio significava na cidade ou na vila, e na roça era simplesmente no interior. Poderíamos citar uma série de exemplos deste tipo, mas em lugar disso vão aqui as observações que fez um capixaba. Pude que os gaúchos e capixabas são bem trocados. Por exemplo: O que os capixabas chamam de cacimba, os gaúchos chamam de poço. A fruta que os capixabas chamam de mexirica, os gaúchos chamam de bergamota. Na língua dos gaúchos, mexerica quer dizer a mulher do mexirico, que para os capixabas é a pessoa que faz fuchicas.

De qualquer maneira notamos logo como é importante a comunicação, a compreensão mútua entre participantes e o povo. E neste sentido o canto foi algo muito importante. Cantar em conjunto cria união. E desde o início pudemos observar que o pessoal aprendeu nossas canções. Como aconteceu num dia, quando alguns jovens, passando na estrada ouviram uma turma na roça cantando: A melhor oração é o amor...”.

Mas também para os próprios participantes as canções eram algo significativo. E cada turma tinha uma ou duas canções favoritas. No ACATRAJE foi Se uma boa amizade você tem..., no Espírito Santo: Vou cantando na alegria de viver..., e em Santa Catarina: Vamos cantar uma canção que diga amor....

Mas uma canção assumiu um lugar todo especial: Nosso lema é servir. ... Música e letra desta canção foram feitas por uma moça do Rio que participou no Espírito Santo e em Santa Catarina. Esta canção transmite o sentido do lema da Operação Impacto Queremos servir, o qual também estava escrito nas camisetas dos participantes junto com o símbolo da Juventude Evangélica — a cruz sobre o globo.

Nosso lema é servir, nosso lema é,
Nosso lema é agir, nosso lema,
Nosso lema é ajudar, nosso lema é,
Nosso lema é amar.
Queremos transmitir aos outros,
o que um dia aprendemos
e dar também de nós um pouco,
é o que pretendemos.
Pois cada um dando um pouquinho,
para o bem da comunidade,
o que no fim acaba sendo
a base da cristandade.

O impacto é mútuo

A realização da Operação Impacto em Alfredo Wagner no mês de janeiro de 1974 confirmou que também para os próprios participantes este trabalho representa um impacto. Conheço jovens em diversos lugares do nosso país para os quais existe um antes e depois da Operação Impacto. Este convívio numa turma com o mesmo objetivo, numa situação desconhecida, mudou a vida deles. Isto pode chegar ao ponto de alguém escrever: Graças à turma da Operação Impacto estou certo que é isso que eu quero: estudar teologia.... Ou um outro escreve: Além do trabalho que a gente realizou entre os agricultores, aprendi muita coisa, cresci, e aprendi a abrir os olhos para certas realidades. Para mim, para o meu futuro trabalho (está na Faculdade de Teologia) foi vital conhecer melhor o agricultor, sua mentalidade, suas aspirações, seu parecer frente à política e igreja. Conseguimos conversar sobre o assunto 'contribuições eclesiásticas' e fiquei sabendo o que o agricultor pensa disto. Na maioria dos casos ele é obrigado a pagar sem realmente saber por quê. Por isso ele reage e protesta. Sempre é o mais desinformado. No trabalho da Operação Impacto a gente se realiza, pois consegue fazer algo de bom, saudável, cristão, ou seja, levar ao próximo algo de si mesmo, ajudar os necessitados; e quando, dentro de um grupo como o nosso, a gente nota que consegue transmitir algo, a felicidade é maior.

A importância da Operação Impacto não se resume apenas aos agricultores que foram visitados e informados. Os participantes da Operação Impacto que realmente estavam interessados no trabalho, de agora em diante terão olhos e braços abertos para os problemas que afetam o homem do campo. Terão alguma base e alguma experiência de como se relacionar com o mesmo.

Ou como escreveu uma participan¬te aos grupos da Juventude Evangélica:

Queremos servir.

Oi, pessoal!

Com esperança e entusiasmo participamos da Operação Impacto e queremos deixar um pequeno recado a vocês sobre o que aconteceu. Poderíamos escrever palavras pensadas, analisadas, daquelas que se procura no dicionário, mas não é esta nossa intenção, principalmente quando se trata de algo que nos atingiu tão profundamente.

Antes da Operação Impacto acreditávamos no amor, na fé, e durante os vinte dias que passamos em Alfredo Wagner, lá no interior de Santa Catarina, pudemos constatar, sentir aquilo que acreditávamos, e com muito mais intensidade. Se nos fosse solicitado apontar defeitos notados naquele período, seria-nos difícil, talvez impossível, pois se algo aconteceu contrário a nossa perspectiva, isso não se tornou um defeito, mas! sim contribuiu para nosso engrandecimento no sentido de compreensão do que acontece muitas vezes em nossas vidas sem o percebermos ou simplesmente porque não queremos perceber. Muitas pessoas poderiam; dizer que a Operação Impacto não está de acordo com realizações da Juventude Evangélica; pois nós apenas responderíamos que durante a estada em Santa Catarina houve vivência de fé cristã, naquilo que ela tem de mais certo, mais positivo, ou seja, servir humanamente, aceitando nosso companheiro como irmão, deixando de lado preconceitos, superstições, que constituem essencialmente a barreira para a comunicação.

Passamos vários dias em casa de agricultores e nos integramos de tal maneira na vida dos mesmos que passávamos a chamá-los de “pais”, sentindo correspondência neste sentimento.

E agora achamos o mais importante de tudo para transmitir a vocês: Após a Operação Impacto nós nos sentimos abertos a realizações desta natureza, pois somente através de tais trabalhos unimos nossa fé à nossa vida prática. Confiamos em vocês nesse sentido, pois temos certeza de que continuaremos agindo, seja em nossa casa, cidade, nossa região, ensinando aquilo que aprendemos, sempre enquanto existir alguém para quem possamos SERVIR.

Num baile de bixuru

Quem não conhece os problemas que às vezes surgem em bailes do interior. Nem raras vezes, numa hora desta, velhas rixas entre famílias terminam em briga com resultados mais ou menos trágicos. Este fato levou um padre, numa das localidades onde estivemos com a turma da Operação Impacto, a advertir os seus fiéis: Quem morre em briga será não será enterrado pelo Padre! (Parece até que esta advertência surtiu efeito — pois dizem que já houve mulher puxando o marido no casaco, dizendo: Não briga, homem, o Padre não vai te enterrar!)

Mas voltando ao baile, um baile bem especial. Era baile de bixuru. Um baile que se realiza após um puxirão (popular bixuru em Santa Catarina). Este puxirão é a reunião de grande número de agricultores para auxiliarem um vizinho num trabalh na roça. Em recompensa recebem as refeições do dia e à noite realiza-se um baile, onde participam todos os que trabalharam. Diga-se de passagem que os próprios participantes do puxirão não permitem que outros que não trabalharam possam dançar.

Além de ser baile de puxirão, a picada tinha fama de brigar baile. Por isso já foi incumbido resguardar a ordem um praça do policiamento do município. Mas sabe-se como é, na hora do pega-pega, o que um sozinho vai fazer? E aí aconteceu. O baile já tinha começado, a música tocando e a turma dançando. Um dos nossos participantes que também trabalhou no puxirão recebeu um bilhete com o pedido de avisar o pessoal para entregar as armas no balcão. E agora, José?! O fato foi mais curioso ainda sabendo que inicialmente o pessoal, famílias daquela picada, eram desconfiadas em relação à nossa turma. Não podiam entender que alguém durante 20 dias ficasse num lugar estranho sem segundas intenções, sem ganhar nada. Por isso cogitaram: Ou são comunistas, ou agentes do governo, ou querem aumentar a contribuição para a Igreja. Alguém até espalhou que iriam cobrar as visitas conforme a distância a percorrer.

E o nosso homem? Que fez? Pediu para a orquestra parar de tocar e transmitiu o recado, e para exemplificar a mensagem puxou o canivete e o entregou no balcão. E o pessoal? Todos seguiram o exemplo entregando as suas armas e o baile continuou sem briga na santa paz e harmonia.

Pastor Martin Hiltel

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Autor(a): Martin Hiltel
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 1975 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974
Natureza do Texto: Artigo
ID: 24727
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