Pelados X Peludos - Centenário da Guerra do Contestado

01/12/2011

Pelados x Peludos Centenário da Guerra do Contestado

P. em. Meinrad Piske

O LOCAL E OS ENVOLVIDOS 

O Contestado é uma área de terra de aproximadamente 28.000 km', localizada entre Canoinhas e Porto União no norte, Lages, Curitibanos e Campos Novos no sul, Itaiópolis, Papanduva e a Serra do Mirador no leste e no oeste a estrada de ferro São Paulo — Rio Grande. Este foi o palco de lutas e combates que iniciaram há 100 anos, no dia 22 de outubro de 1912, e somente quatro anos depois chegaram ao seu final.

Viviam na região cerca de 20.000 pessoas, conhecidas como caboclos. Eram descendentes de indígenas, desertores das tropas e refugiados da Revolução Farroupilha. A firma americana Brazilian Railway Company construiu o trecho catarinense da Estada de Ferro São Paulo — Rio Grande (entre Porto União e Marcelino Ramos) concluída em 1910. Em troca ela recebeu por contrato do governo brasileiro as áreas de ambos os lados da ferrovia. Concluídas as obras, cerca de 8.000 empregados, oriundos de muitas partes do Brasil, foram demitidos, aumentando assim a crise social. Em 1911 esta companhia começou a assentar colonos na faixa de terra de 15 km de cada lado da ferrovia. Este contrato com o governo brasileiro foi contestado. Os caboclos que por muitas gerações viviam ali não tinham documentos de posse. Eram posseiros, que agora foram sendo expulsos do que era seu.

Simultaneamente uma empresa associa-da, a Southern Brazil Lumber and Colonization Company — cujos donos eram os mesmos da Brazilian Railway Company — começou a explorar (leia-se: devastar!) as imensas reservas florestais, derrubando a madeira nobre, principalmente os pinheiros e as imbuias. Dentro deste contexto estourou a Guerra do Contestado.

Historiadores afirmam que a Guerra do Contestado foi um fenômeno idêntico aos movimentos dos Mucker no Rio Grande do Sul e de Canudos na Bahia. Em todos eles a religiosidade foi um dos aspectos bem presentes, caracterizando o movimento. Em todos eles também a miséria e a política estiveram presentes entre as causas dos movimentos. Na Bahia foi Antonio Conselheiro o líder de Canudos e no Contestado eram os monges que peregrinavam de uma localidade à outra, aconselhando, rezando, ensinando e curando doenças com chás caseiros. Diversas curas foram descritas como verdadeiros milagres. A pregação destes monges, entre os quais se destaca João Maria, anunciava um novo tempo em que viria um exército encantado que iria estabelecer a justiça e o bem estar de todos.

AS CAUSAS

O pesquisador BENEVAL DE OLIVEIRA enumera quatro motivos para a guerra: 1) o primitivismo religioso dos caboclos; 2) o sentimento monárquico dos monges, avessos à República; 3) a questão dos limites entre Santa Catarina e Paraná e 4) a desapropriação das terras ao longo do leito da estrada de ferro São Paulo — Rio Grande.

Já o pesquisador NILSON TOMÉ apontou cinco causas para este conflito bélico: 1) o movimento messiânico de grandes proporções, 2) a luta pelos direitos humanos, 3) a disputa pela posse da terra e a desapropriação, 4) a questão de limites interestaduais, 5) a competição econômica pela exploração das riquezas naturais.

A meu ver a Guerra do Contestado teve duas vertentes principais: 1) o litígio sobre a divisa entre o Paraná e Santa Catarina; 2) situação social deprimente dos expulsos da terra que ocupavam e dos desempregados pela conclusão da ferrovia.

A referida guerra começou nos campos do Irani, quando um contingente da Força Pública do Paraná atacou o grupo de caboclos liderado pelo monge José Maria. Neste combate morreram o monge José Maria e o Coronel João Gualberto, comandante do contingente de soldados. A Força Pública foi derrotada. Os sobreviventes fugiram e abandonaram as armas no local. Estas armas caíram nas mãos dos sertanejos — como eram chamados por alguns, ou fanáticos, ou ainda bandidos por outros. A derrota da Força Pública repercutiu em todo o país e fez crescer a convicção de que nova Canudos estava surgindo ali.

Durante muitos anos Brasil e Argentina tinham disputado desta área de terras. O Brasil venceu a disputa depois que os dois países concordaram em submeter a questão ao Presidente Cleveland dos Estados Unidos. Este, depois de ouvir os argumentos dos dois países, aceitou as ponderações do Barão do Rio Branco que defendeu a causa do Brasil. Com isto foram definitivamente incorporados ao território brasileiro 30.000 km'.

Depois desta decisão a disputa entre paranaenses e catarinenses pela posse desta terra, que já teve seu início quando a Província do Paraná foi oficializada, chegou ao seu auge. Como por ocasião da criação da Província do Paraná em 1853 não foram fixados os limites interestaduais, isto foi permanente motivo de litígio. Este foi o estopim para a luta armada entre as forças públicas e os desalojados de suas terras, os caboclos.

O DESFECHO

Foi a guerra dos pelados contra os peludos. Pelados eram os caboclos pobres que lutavam por sua terra e peludos os soldados que os combatiam em nome do governo federal e dos governos estaduais do Paraná e de Santa Catarina. Os pelados foram cruelmente dizimados. Não foram só ignorados em seus direitos, mas expulsos de suas terras.

No dia 26 de setembro e 1914 o governo federal nomeou o General Setembrino de Carvalho para assumir o comando geral das operações. Como na guerra de Canudos, o governo suspeitava tratar-se de um movimento que visava reinstalar a Monarquia, ameaçando a República. Cerca de 6.000 soldados estiveram envolvidos nesta guerra. Com equipamento bélico superior e tropas treinadas e a ajuda de aviões — pela primeira vez foram utilizados em guerra — os fanáticos ou bandidos como eram denominados os caboclos foram derrotados.

Diferente dos Mucker, sediados no Ferrabraz e dos sertanejos em Canudos, no Contestado os caboclos usaram a mobilidade como tática. Estavam organizados em redutos. Foram necessárias treze batalhas em treze lugares diferentes para derrotá-los. Nomes como Taquaruçu, Caraguatá, Santa Maria e a cidade santa de São Pedro contam a história dos redutos.

Em fins de 1916 esta guerra terminou. Morreram mais de 6.000 pessoas. E o problema dos expulsos de sua terra não foi resolvido.

Foi resolvida a questão da divisa dos dois estados com a assinatura do Acordo assignado entre os Estados do Paraná e Santa Catarina para solução da questão de limites acontecido no dia 20 de outubro de 1916 no Rio de Janeiro. Esta é a data do final da Guerra do Contestado.

O autor é Pastor emérito da IECLB e reside em Brusque/SC


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Autor(a): Meinrad Piske
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2012 / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 2011
Natureza do Texto: Artigo
ID: 31853
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