João 6.60-69

Auxilio Homilético

28/08/1994

Prédica: João 6.60-69
Leituras: Josué 24.1-2,13-18 e Efésios 5.21 (22-25) 26-31
Autor: Antônio R. Monteiro de Oliveira
Data Litúrgica: 14º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28/08/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX


1. Reflexões preliminares

Também em torno da religião existe hoje um mercado. Nesse mercado atuam muitos concorrentes, oferecendo todo tipo de mercadoria religiosa, de interesse dos muitos consumidores de religião. É fácil para os consumidores romperem com um tipo de comunhão religiosa e aderirem a outro. Está cada vez mais distante aquele tempo em que, no casamento, trabalho, esporte, política e religião, havia um princípio de fidelidade e até compromisso. Hoje, a tendência é seguir a corrente, ir aonde o vento sopra, onde é mais interessante. Como testemunhar o evangelho nessa situação? Será tornando-o mais popular, flexível, tolerante, para não dizer complacente?

2. Exegese

2.1. A delimitação é discutível. No calendário litúrgico, esse texto já foi previsto para o domingo Cantate1, sendo delimitado de 6.64b-69; para o domingo Laetare2, com a delimitação em 6.55-65. Para um culto de confirmação3, ele foi delimitado em 6.66-69. Portanto, a delimitação não tem sido objetiva, mas praticada em função de determinado interesse.

A delimitação proposta pelo Lecionário Ecumênico, 6.60-69, parece mais coerente, pois, além de estar na continuidade de textos e temas abordados nos domingos anteriores, ela considerou, nesse caso, também a lógica do texto. A observação no v. 59 de que o discurso sobre o pão da vida, iniciado no v. 22, aconteceu na sinagoga de Cafarnaum, marca o final desse bloco. A reação dos discípulos a esse discurso é o tema a partir do v. 60 e marca o fim da atividade de Jesus na Galiléia. 6.70s., em contraste à confissão de Pedro, retoma o tema da traição de Judas, que, em si, é o ponto máximo da rejeição dos discípulos à proposta de Jesus. 7.1-10 relata a decisão de Jesus de partir para a Judéia para participar da festa das tendas.

2.2. Na moldura maior, o texto insere-se no primeiro bloco4 principal do Evangelho, que vai dos capítulos 2-12, onde Jesus revela a sua glória perante o mundo. A partir do capítulo 5 seguem narrações do confronto de Jesus com o cosmo descrente. Jo 6.1-12, a alimentação dos 5 mil, forma o ponto alto da atuação de Jesus na Galiléia, culminando na observação de que Jesus foge daqueles que queriam fazê-lo rei pelo milagre acontecido. A multidão segue-o até Cafarnaum, conforme 6.24s., na sinagoga, conforme 6.59. Lá, Jesus tem um confronto com ela, o qual culmina no discurso eucarístico do pão da vida, conforme 6.32-59. Esse discurso provoca escândalo e ira entre os judeus, conforme 6.41s.,52s., e também um mal-estar entre os próprios discípulos, que murmuram: Duro é esse discurso, quem aguenta ouvi-lo?

2.3. Em grande parte, o evangelista retoma aqui a tradição sinótica, particularmente a tradição de Marcos5, ligando-a a tradições doutrinárias próprias. O ponto alto na narração de João é o afastamento dos discípulos e a confissão de Pedro, a qual corresponde a Mc 8.27-33. Marcos não fala de um afastamento em massa de discípulos, mas de sua permanente incompreensão diante da atuação de Jesus.

Formalmente, o texto consiste em duas unidades independentes: 1) vv. 60-65, que apresentam a murmuração do grupo maior dos discípulos e a resposta de Jesus; c 2) vv. 66-69, que narram a ruptura no grupo dos discípulos e a confissão de Pedro como sinal da fidelidade do grupo dos doze.
3. Palavra

V. 60: Muitos dos seus discípulos... João destaca mais o fato de que o grupo dos discípulos era bem maior do que o grupo dos doze. A murmuração entre os discípulos reflete os conflitos entre os diferentes grupos de seguidores de Jesus das comunidades joaninas.6 O discurso de Jesus sobre o pão da vida, correspondente à doutrina da Santa Ceia, provocou divisões no meio da comunidade. Murmurações do tipo: Duro é este discurso, quem aguenta ouvi-lo? Por que será? Será que foi D medo de muitos cristãos diante da rejeição categórica dos judeus?7 Será que foi má compreensão da mensagem de Jesus, que ficou conhecida como a interpretação cafarnaítica da ceia, isto é, Jesus exigindo canibalismo?

Parece-me que não. A mensagem do pão da vida parece antes exigir disposição para seguir o mesmo caminho de Jesus, ou seja, perseguição, sofrimento e cruz, o caminho da humilhação.8 Participar da Santa Ceia compromete a seguir esse caminho.

V. 62: O conhecimento que Jesus tem de pensamentos estranhos e hostis e as previsões da paixão são apresentados com frequência em João como sinal do poder sobrenatural de Jesus. Ele revela a glória celestial da sua comunhão com o Pai. Por isso Jesus pode conhecer os pensamentos mais secretos dos discípulos e está consciente do poder da descrença, que pode irromper mesmo no círculo mais íntimo dos discípulos. Para João, essa descrença, que encontra expressão máxima na traição de Judas, é um mistério maior que a queda de Jerusalém.9 O motivo maior para a descrença está no mistério da escolha divina, conforme 6.65 e 70.

Jesus responde à murmuração dos discípulos com a pergunta: Isso vos escandaliza? Muito mais motivo de escândalo haverá quando o Filho do homem subir para onde primeiro estava, isto é, na glória celestial. Para João, quando Jesus foi erguido na cruz, ele foi ao mesmo tempo glorificado. Que a glória celestial de Jesus se manifesta justamente na cruz será ainda mais escandaloso.

V. 66: Essas palavras que são espírito e vida escandalizam ainda mais e provocam uma divisão entre os discípulos. Muitos o abandonam e já não andavam com ele... Houve uma ruptura. A expressão semítica voltar as costas é muito forte, indica um rompimento radical da comunhão. Houve um racha na comunidade. Provavelmente, os judeus cristãos romperam de vez com ela.

V. 67: Jesus lança, então, aos doze uma pergunta bem provocativa, dando-lhes a liberdade de uma decisão a favor ou contra ele. Ele não faz qualquer tentativa de segurá-los ou de reverter a situação. A resposta do grupo dos doze, os cristãos apostólicos, como quer Brown, é uma confissão de fé.10 Pedro fala em nome dos doze em favor da palavra vivificadora de Jesus, considerada dura de aguentar para tantos outros. Para onde iremos? Significa que nenhuma outra palavra, nenhum ensino humano tem a força vivificadora que pode superar até mesmo a morte e a escuridão. Zoé, vida, é para João um conceito teológico central. Descreve a esfera de salvação de Deus, na qual o crente é colocado pela aceitação da mensagem de Jesus. Essa vida é inseparável das palavras de Jesus. Ele próprio é a Palavra criadora de vida de Deus.

V. 69: E nós temos crido e reconhecido que tu és o Santo de Deus. Crer e reconhecer são como que sinônimos. Compare com 8.31s.; 10.38; 17.8. Essas atitudes designam a adesão incondicional, porém consciente a Jesus. O título de grandeza o Santo de Deus aponta para o papel de sumo sacerdote, cuja função cúltica exigia uma santidade ritual especial. Jesus, no entanto, é o santo de. Deus não somente por sua participação no ambiente divino, mas também como aquele que santifica os seus pelo seu sacrifício (veja 17.9).

4. Meditação

A palavra da cruz, levada às últimas consequências, escandaliza e provoca divisão no meio dos seguidores de Jesus. No momento em que descobrem que participar na ceia do Senhor implica compromisso com o mesmo caminho e luta de Jesus em favor dos pequenos e fracos, muitos discípulos pulam fora do barco em busca de ofertas religiosas mais cômodas e convenientes. Jesus não tenta pôr panos quentes, mas dá liberdade para uma decisão consciente a favor ou contra ele. Da mesma forma, a missão da Igreja não é, em primeiro lugar, aumentar numericamente o número dos seguidores de Jesus, procurando adaptar-se e tornar-se mais competitiva para disputar o mercado religioso, mas sua missão consiste em tornar claro esse escândalo que exige decisão.

A Igreja precisa optar pela palavra vivificadora de Jesus, que santifica e reconcilia verdadeiramente o pecador arrependido com Deus, ou optar pelo sucesso das estatísticas e balanços. Ou anuncia claramente que a Ceia do Senhor implica o compromisso com a luta em favor da vida, pela comunhão também fora do culto, pela partilha do pão, ou opta por amaciar as duras palavras de Jesus.

Em nossas comunidades, muitos membros afastam-se da Igreja quando lhes é cobrada uma participação mais ativa nas tarefas e na vida da comunidade, quando lhes é pedida uma contribuição financeira que represente um pouco mais de sacrifício. Há alternativas, argumentam. Será que devemos reter a todo custo esses discípulos que não querem saber da dureza da palavra de Jesus? Por outro lado, há inúmeras confissões abnegadas e conscientes, como as de Pedro e dos doze, que se revelam em serviço e testemunho desinteressado e comprometido. Essas pequenas confissões precisam sei conhecidas. Sugestão de Hino (HPD): 150, 159.

 

5. Notas bibliográficas

1. Calver Predigthilfen, vol. 7, Série 3, pp. 179s.
2. Voigt, G., Homiletische Auslegung der Predigttexte, Série III, die Geliebte Welt, pp. 162-169.
3. Ehlert, H., in: Proclamar Libertação XII, pp. 293-299.
4. Conforme classificação de Lohse, Introdução ao NT., p. 175.
5. Compare 6.1-15 com Marcos 6.32-44.
6. Veja a tese de Brown, R. E., A Comunidade do Discípulo Amado, de que nas comunidades joaninas havia, em quatro fases distintas, vários grupos com tendências diferentes. O primeiro eram os cristãos joaninos, depois os cristãos judeus, depois os cristãos apostólicos.
7. Veja Ehlert, PL XII, p. 293.
8. Veja mais uma vez Ehlert, PL XII, p. 293.
9. Veja Hengel, M., in Calwer Predigthilfen, p. 181.
10. Bultmann destaca o caráter de confissão dessa resposta, por surgir de uma situação concreta, como ato de decisão e, portanto, não ser simplesmente a adesão a um sistema doutrinal. Apud Hengel, in Calwer Predigthilfen, p. 182.

6. Bibliografia

BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado, trad. Euclides Carneiro da Silva, Edições Paulinas, 1983.
EHLERT, Heinz. João 6.66-69, in: Proclamar Libertação XII, pp. 293-299, Ed. Sinodal, São Leopoldo, 1986.
HENGEL, M. Joh 6, 64b-69, in: Calwer Predigthilfen, Vol. 7, Neutestamentliche Texte der dritten Reihe, editor L. Goppelt, Calwer Verlag, Stuttgart, 1968.
LOHSE, Eduard, Introdução ao Novo Testamento, Ed. Sinodal, São Leopoldo, 1978.


Autor(a): Antônio R. Monteiro de Oliveira
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 14º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 60 / Versículo Final: 69
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 16168
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