João 10.11-18

Auxilio Homilético

24/04/1994

Prédica: João 10.11-18
Leituras: Atos 4.23-33 (34-35) e I Pedro 3.1-2
Autor: Paulo A. Daenecke
Data Litúrgica: 4º Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 24/04/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX


1. Rondando o texto

O texto bíblico Jo 10.11-18 já tem considerações expostas nos vol. IV e vol. X do PL. Trago aqui aspectos que completam ou renovam a reflexão.

Jo 10 é uma palavra de Jesus, colocada no ponto fundamental da polémica sobre quem tem autoridade no meio do povo. O conflito ocorre na Festa dos Tabernáculos entre Jesus, o templo e a sinagoga. Especialmente no conjunto dos capítulos 7-10, aparece a problemática do poder das autoridades que são interesseiras e mercenárias e que deixam o povo na mais sombria e radical escravidão.

Nesse contexto, torna-se evidente que Jesus está sendo procurado pelas autoridades para ser morto (Jo 7.1,25,30). Jesus é sinal de contradição no meio do povo (7.40-43), provocando a reação de fariseus e sacerdotes. O desafio pela autoridade vem com a pergunta: Por acaso alguém dos chefes ou fariseus acreditou nele? (Jo 7.48).

O conflito acontece no templo, justamente no lugar do tesouro, onde estavam os cofres das esmolas, símbolo da riqueza dos sacerdotes às custas da exploração do povo (Jo 8.20). Esse é o pano de fundo nesse processo conflitivo, que vai se aprofundando até o ponto crítico do confronto entre o pastor e os ladrões e mercenários (Jo 10.10).

E nesse conflito violento, cheio de ameaças de morte, que precisa ser lido o capítulo do Bom Pastor; ele é o fecho dessas desavenças quanto à autoridade e ao poder. Jesus é uma autoridade e poder diferente. Por isso Jesus entra aqui na polémica falando em pastor, melhor ainda, no bom pastor (Jo 10.11-14), contraposto aos chefes, mestres e autoridades. Sua entrada ocorre pelas veias de Jeremias (Jr 23.1-4) e de Ezequiel (Ez 34.1-31).

A parábola do bom pastor precisa ser lida e compreendida na perspectiva da profecia contra os falsos pastores, os chefes do templo e da sinagoga, que são guias cegos.

2. Aprofundamento

O texto motiva a reflexão em torno do conhecer e dar a vida em favor de. No caso, o bom pastor se dá em favor do seu rebanho, evidenciando uma crítica à forma de usar a autoridade da qual está revestido; e no compromisso de cuidar e proteger, na relação das autoridades autoritárias e opressores na época. Jesus enfrentou a hipocrisia religiosa e política de saduceus e herodianos, aflorando assim uma rivalidade de liderança: os fariseus queriam libertar e salvar o povo pela lei; Jesus, pela prática da verdade, da justiça e do amor misericordioso. A contraposição se dá pela prática de uma postura. O chefe faz a lei e manda obedecer; o pastor conduz a uma pastagem farta. O dominador impõe: obedece-me; o pastor propõe: siga-me.

O conhecimento é recíproco. Há um vaivém de convívio e relacionamento, que se aperfeiçoa no tempo de estar junto. A relação que se cria não quer ser de autoritarismo, e sim de autoridade em parceria com o rebanho. O conhecimento é tão profundo, que as ovelhas percebem o pastor pela voz; por isso há seguimento (Jo 10.4).

O texto aponta também para a dimensão do compromisso com a vida. Jesus, o bom pastor, dá a vida pelas ovelhas, o povo de Deus; é ele que a entrega. Ninguém a tira de mim, porque ele tem autoridade também para reavê-la (v. 18). À sua missão não é apenas para com o rebanho próprio, conhecido, mas também transpõe as divisas para a condução de outras ovelhas que não pertencem a seu rebanho, mas que são ou podem ser atingidas por sua obra. Isso mostra a universalidade de sua missão em favor da vida no mundo. O bom pastor (Ez 34.26-31) dá uma terra farta; uma habitação segura, uma sociedade sem opressão, um povo alimentado; isto identifica um lugar onde está claramente manifesto que Javé é o nosso Deus e nós, o seu rebanho.

A relação de conhecer e identificar a voz cria um elo que interliga quem ouve com quem fala e produz o efeito do seguimento, que só acontece por causa da estreita intimidade entre pastor e ovelhas. Acontece chamado, condução e conversão na caminhada.

Todo cristão e toda cristã são permanentemente chamados ao dinamismo da fé, cujo engajamento não é necessariamente automático, mas pode acontecer na dinâmica da crise. A crise do seguimento é importante, à medida que contribui para o preparo e conduz a uma conversão — engajamento mais maduro, consciente e decisivo.

Jesus de Nazaré é a única porta, o único caminho que temos para conhecer a Deus, suas palavras, seus feitos, seus ideais = proposta de vida e suas exigências. Em Jesus de Nazaré Javé se revela o Deus verdadeiro; que tem autoridade, mas não é autoritário; que escora o seu povo contra os valores da morte; é todo-poderoso, mas também pobre e sofrido por amor. Jesus é a raiz dos valores da vida; quem nele permanece brota, floresce e frutifica.

Seguir Jesus não se dá apenas por intuição, mas vem pelo conhecimento de sua humanidade, personalidade e atuação, bem como da proposta em favor da vida. Segui-lo, pois, é sinal de identificação, na fé e no amor que ele pratica. Por outro lado, só podemos conhecê-lo à medida que procuramos segui-lo e que haja uma relação de convivência mais profunda com ele próprio e com sua proposta de vida plena. O seguimento a Jesus requer, além da fé, também oração, reflexão, contemplação como alimentos que vivificam as forças para que quem segue atenha-se firme às suas exigências libertadoras. A qualidade do seguimento e do compromisso é clareada e fortalecida na experiência da oração e do engajamento, que anima na opção pela vida (At 4.23-35).

3. Desafios

Jesus Cristo é o bom pastor, que dá a vida pelas ovelhas. Ele as conhece, e elas o conhecem. Ele chama. Elas ouvem a sua voz. Ele as encaminha para a pastagem que dá vida. Ele enfrenta ameaças e perigos e as defende. O confronto clareia e dá firmeza a esta missão. Há pastores que não têm essa dignidade e que, na hora do perigo, fogem. São os falsos, os mercenários.

Jesus age na perspectiva do Reino de Deus, até que haja um rebanho e um pastor.

Jesus viveu em época de muitos conflitos, num mundo dividido. A estrutura do mundo ainda impõe hoje um ritmo de divisão, de fracionamento da unidade. Continuam os sinais de autoritarismo, que perpassam a família, a comunidade-igreja e a sociedade como um todo sócio-político e econômico.

As classes sociais, as relações opressoras internas homem-mulher, adultos crianças, sãos-doentes e brancos-negros e também as relações opressoras internacionais demonstram uma condução unilateral de vida.

As ovelhas do rebanho são o povo que já tem uma identificação comum de fé; as outras ovelhas são as que ainda estão fora desse círculo; pastores são os líderes que conduzem o povo. Há líderes bons, que conhecem a realidade do povo, defendem-no e até dão por ele sua vida. Há os que não têm interesse na defesa, antes se aproveitam do rebanho e fogem da causa quando deveriam dar seu testemunho e agir pela vida dos seus.

Religiosa ou teologicamente falando, há uma efervescência de caminhos, de propostas de fé, de conceitos, de teologias, de filosofias, novos movimentos religiosos, também de desvios. Há pastores e mercenários. É preciso identificá-los.

Política ou ideologicamente falando, a realidade não é diferente. Há os que se identificam com as lutas do povo por vida digna e se colocam nesse caminho; há os que se aproveitam do rebanho político enquanto o sufocam e o deixam desgarrado, roubado e massacrado. Em ambos os casos, a identificação entre bons e maus se dá na defesa, em dar a vida para que o rebanho (povo) tenha vida.

Somos cristãos e cristãs e nos aceitamos como parte do rebanho de Jesus Cristo. Somos constantemente chamados a viver o Batismo, que nos identifica como povo de Deus. Deus nos chama no Batismo, ele nos conhece. Nós ouvimos o seu chamado? A sua voz para nós é conhecida? Nós a reconhecemos?

Estamos vivendo a celebração pós-pascal. Mais uma vez a Páscoa nos fez ouvir a vontade de Deus para com o seu povo. Celebramos o seu amor, em que a dádiva da vida de Jesus Cristo pode ser relembrada. O seu amor permanece. O caminho para a pastagem (Reino de Deus) ainda está aberto; o círculo não está fechado, há mais lugar.

Também nossa ação como cristãos e cristãs não pode se limitar a quem já faz parte da comunidade-igreja, mesmo porque não significa que esses/as já estejam salvos/as.

Na celebração de Páscoa pudemos, mais uma vez, renovar a nossa fé e confiança na autoridade que Jesus tem para entregar a vida e também para reavê-la.

A comunidade que se une em oração e celebra a vida como dádiva de Deus se revigora e redescobre o significado da ação contra os lobos destruidores da vida e comunhão. A comunidade se fortalece na comunhão, na partilha e na solidariedade. Aí há comunidade que se doa e se coloca a serviço da vida.

4. Celebração

1. Acolhida: A Páscoa é motivadora e tem no texto bíblico de João 10.11-18 fundamentos para celebrar vida. O texto recoloca a dádiva de Jesus em favor do povo. Considerar esse aspecto na saudação à comunidade por parte de quem coordenar a celebração.

2. Confissão de pecados: Considerar na confissão de pecados a questão da austeridade, usada como poder e autoritarismo; nossa ação missionária, tantas vezes identificada com ação do mercenário; nossa fuga e falta de perseverança no compromisso com a vida da comunidade e do povo', que é conduzido por guias cegos; nossa dificuldade de ouvir e atender ao chamado que Deus nos faz no Batismo.

A confissão pode ser feita em cartolinas e distribuída para grupos entre a comunidade, ou para ser lida em conjunto.

3. Absolvição: Is 53.7-8; ou Ez 34.30-31 ou Jo 10.27-28.

4. Oração de coleta: Agradecer pelo dia, pelo encontro comunitário, pelo dia de descanso e santificação do mesmo; invocar a Palavra, para que instrua e produza comunhão; invocar a presença do Espírito Santo, para que atue na comunidade e a fortaleça na missão de pastorear na seara do Senhor.

5. Leituras bíblicas: At 4.23-33 (34-35) e Jo 3.1-2.

6. Confissão de fé: Credo Apostólico.

7. Prédica: Pode ser a prédica normal ou, onde possível, dialogada. O uso de slides — Onças e gatos, Granja Latina ou Crianças de rua — nosso compromisso — podem ser um bom auxílio, ou mesmo outro que se adapte ao texto.

8. Oração de intercessão: Agradecer a Deus pela dádiva da vida; pela Páscoa celebrada há poucos dias; por aqueles e aquelas que dedicam serviço em defesa das categorias empobrecidas; pela vida em comunidade; por aqueles e aquelas que juntos lutam por pão, terra e trabalho dignos. Interceder em favor daqueles e daquelas que estão desorientados e desorientadas; por aqueles/as que não têm família, comunidade como grupo de apoio e convívio; pelo envio da comunidade ao serviço de pastorear o rebanho com responsabilidade a caminho da pastagem-libertação. Incluir outros aspectos específicos da vida comunitária local.

9. Sugestão de canções ao longo da celebração: Não é Vida, A Verdade vos Libertará, Vos Escolhi, Momento Novo (PPL); 102,117 (HPD).

5. Bibliografia

ANDERSON, Ana Flora. O Evangelho da Verdade que Liberta; in: Estudos Bíblicos n° 14. Vozes, Petrópolis, 1987.
GALLAZZI, Sandro. O Projeto e o Lugar da Unidade na Igreja; in: Estudos Bíblicos n° 12. Vozes, Petrópolis, 1987.
GALILEA, Segundo. Seguir a Cristo. Paulinas, São Paulo, 1979.


Autor(a): Paulo A Daenecke
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 4º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 16169
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Cantarei de alegria quando tocar hinos a ti, cantarei com todas as minhas forças porque tu me salvaste.
Salmo 71.23
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