1 Pedro 2.4-10

Auxílio Homilético

16/05/1993

Prédica: 1 Pedro 2.4-10
Leituras: Atos 17.1-15 e João 14.1-12
Autor: Augusto Ernesto Kunert
Data Litúrgica: 5º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 16/05/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII


1. Introdução

É bom fixar os versículos que compõem a perícope. Há discussão a respeito. Wolfgang Ullmann a determina com os w. 1-3, portanto em 1-10 (p. 285). Friedrich Hauck também prefere incluir os vv. l-3(p. 51). Já Gottfried Voigt omite o v. l, contando a perícope com os vv. 2-10. Georg Eichholtz diz que o texto 1.22-2.3 segue o critério do renascimento e que a perícope 2.4-10 fala na comunidade como casa espiritual e povo de Deus. Contudo, afirma o exegeta, os vv. 1-10 formam um todo, trazendo a conclusão da primeira parte exortativa da epístola (p. 429). Afirma também que a perícope 1-10 deve ser mantida, fundamentando sua opinião, conforme ressalta Eichholtz: Ela é parte de uma pregação sobre o batismo durante o culto da comunidade e que, em seu conjunto, exatamente os vv. 1-10, formam um hino festivo (p. 430).

Não conheço as razões que levaram a Comissão Litúrgica a suprimir os vv. 1-3 do texto de pregação. Vozes isoladas opinam que as formas verbais despojai-vos e desejai indicam exigências legalistas e que, por este motivo, não se enquadram com o conteúdo a partir do verbo chegando-se no v. 4.
Entendo que aqui se trata mais de uma exortação e menos de exigências legalistas. Pessoas com uma experiência revolucionária em sua vida espiritual são chamadas a viver em conformidade com a nova perspectiva de vida. Os renascidos vivem do genuíno leite espiritual. Na vivência da nova vida que lhes foi presenteada pelo batismo, os recém-nascidos como crianças estão na comunhão do povo de Deus, da nação santa e do sacerdócio real. Valeu para os antigos e vale para os cristãos de hoje o que Eichholtz propõe: Seja em tua vida o que tu és pelo batismo'' (p. 425).
Pela linha íntima que há entre os vv. 1-3 e 4-10, opto pela perícope 1-10.

2. Exegese

Vv. 1-3 — A epístola é dirigida às comunidades da Ásia Menor. Os membros, atingidos pela palavra de Deus, passaram pelo processo da catequese e do batismo. São membros integrados na comunidade pelo batismo. Tornaram-se diferentes dos demais. Arrancados das trevas, foram implantados numa nova vivência. Alimentados pelo genuíno leite espiritual, vivem em comunhão de vida com Deus e com os irmãos. Aconteceu uma transformação fundamental, que as deixou como crianças recém-nascidas. São pessoas diferentes, novas. Para elas não valem mais as velhas práticas. E, para vencer e superar o dolo, a malícia e a hipocrisia, devem alimentar-se, continuamente, do genuíno leite espiritual: a palavra de Deus. Devem ser na vida o que se tornaram pelo batismo: raça eleita, nação santa, sacerdócio real e casa espiritual. O batismo não passa despercebido. Ele não é uma cerimonia bonita, passageira e amanhã esquecida, sem valor e significação. Ele quer ser vivido por nós Então, o ser implantado no corpo, na comunhão como sacerdócio real, tem sua alua cão e dinamização pelo genuíno leite espiritual. Despojados da maldade, a palavra de Deus nos conduz no crescimento para a salvação.

Os membros aos quais se dirige a epístola de Pedro tiveram a experiência do antes da regeneração e do depois do próprio renascimento. Eles tinham todos os parâmetros para avaliar o velho e o novo estado de vida, para saber o quanto o Senhor é bondoso (v. 3).

Vv. 4-5 — É importante o chegando-se. Integração realiza-se na vivência da fé em Jesus Cristo. Somente no contato com ele nos alimentamos do genuíno leite espiritual. O afastamento interrompe a comunhão, afoga-se a fé e a nova vida sucumbe por falta de alimento.

O v. 4 traz a figura da pedra eleita por Deus. Jesus é indicado como a pedra viva. Ela é o tema desses versículos, que lembram textos do Antigo Testamento: Assentei em Sião uma pedra... preciosa e angular (Is 28.16); e mais: Ele será pedra de tropeço (Is 8.14); e ainda: A pedra que os construtores rejeitaram (Sl 118.22). Israel usou essa terminologia em relação ao Messias. A sua vinda aconteceu com o nascimento de Jesus. Ele levou os pecados dos homens à cruz. É o cordeiro inocente, sacrificado pela salvação dos homens. Nele cumpriram-se as profecias a respeito do Messias. E os cristãos, implantados na casa espiritual pelo batismo, são herdeiros da esperança e, como nação santa, são a nova Israel. A comunhão de vida com Jesus é tão vigorosa, que dos seus integrantes diz o texto: Sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio real.

Friedrich Hauck diz a respeito da comunhão entre a pedra viva e as pedras vivas: Não a barreira que as separa de Deus, e sim a comunhão que as une com Deus, é o sinal do novo ser. E o que oferecem a Deus não são animais sacrificados e queimados em atendimento a uma cega obediência a prescrições vétero-testamentárias (Hb 10.4 e 13.15s.). Os seus sacrifícios são ações, serviço para os quais o Espírito Santo os impulsiona, na entrega do coração, oração e louvor a Deus (Rm 12.1, p. 53).

Na vida dos recém-nascidos, a alegria e a esperança querem instalar-se, pois vivem como regenerados para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo (1.3).

Esperança e não desespero, alegria e não medo, humildade e não violência, verdade e não mentira marcam a vida das pedras vivas. Mesmo que pobres e perseguidas, sua vida, como membros do sacerdócio real, é caracterizada pelo serviço cristão. No sacrifício e na renúncia participam do sofrimento de Jesus Cristo e são edificados casa espiritual para serdes sacerdócio real. E como pedras vivas na comunhão da casa espiritual oferecem sacrifícios espirituais. A tarefa de sacerdote, em Israel uma só classe de pessoas, passa a ser incumbência, privilégio e honra da comunhão que vive na casa espiritual.

Vv. 6-8 — A figura da pedra viva continua no centro das ações. No v. 6 são usadas citações do AT, nas quais a pedra tem destaque. Is 28.16, admoestando Israel para cuidar-se do desânimo, alerta que Deus não deixará que a pedra já provada, preciosa e angular, solidamente assentada, seja destruída. No NT, em especial em nossa perícope, Jesus Cristo, o Messias anunciado e revelado, é a pedra solidamente assentada. E nessa pedra a sua comunidade, qualificada de raça eleita, nação santa e sacerdócio real, está fundamentada. (Não vejo motivação para discutir, como alguns exegetas o fazem, se a pedra angular, na comparação de uma construção, está localizada nas fundações do prédio, no portal ou em sua cúpula.) O decisivo é o reconhecimento de que a comunidade, ou seja a igreja, se fundamenta, vive e se mantém em Jesus Cristo e que é, em todos os tempos, impulsionada para o anúncio em palavra e ação pelo poder do Espírito Santo. A existência, a vida e a missão da igreja estão fundamentadas em Jesus Cristo.

A pedra viva é, ao mesmo tempo, o divisor de águas. Aos que nela buscam sua razão de vida, nela confiam e por ela se orientam, aguardam honra e res¬plendor. Aos que negam Jesus Cristo, ela vem a ser pedra de tropeço. Eles sofrerão condenação. Tanto o quadro da pedra preciosa quanto o de tropeço já encontramos no AT, conforme Is 8.13s. A incredulidade do povo acarretará a sua queda. Na aceitação de Jesus Cristo está a salvação e, na sua negação, ocorre o juízo (l Pe 4.16-17 e Rm 2.7-8). Deus age em Jesus Cristo. Ele salva e condena. Faz o seu Filho pedra viva, angular e preciosa para a salvação dos que crêem e pedra de tropeço para os que negam o seu nome.

Vv. 9-10 — O AT está presente e atualizado nos vv. 9-10. Eles estão cheios de júbilo. A comunidade cristã recebe títulos que, até então, eram próprios e reserva da antiga Israel. Agora, a comunidade cristã é designada honrosamente de povo eleito. Israel, rejeitando a pedra preciosa e assentada em seu meio, perdeu a hegemonia e a exclusividade deste título. Os tempos se cumpriram, e veio o Messias com Jesus. Sua morte e ressurreição consolidaram a nova aliança. O povo eleito são os batizados e crentes em Jesus Cristo. O batismo os implantou no povo de Deus da nova aliança. Ele veio a ser raça eleita, nação santa e sacerdócio real. Aí está a nova Israel (Is 43.20s.; 45.4s.). E este povo tem participação na esperança da vida eterna (Tt 1.2). É o povo convocado para Revestir-se, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de man-sidão, de longanimidade (Cl 3.12). E o povo de Deus é distinguido de qualificação especial: é feito sacerdócio real. Tornou-se diferente. Deixou, por conversão e regeneração, o estado de pagão para ser implantado pelo batismo na comunidade de Jesus Cristo, recebendo a distinção e a incumbência de sacerdotes para proclamarem as virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (v. 9). O apoio recebido de Jesus Cristo e o assumir da responsabilidade do ser diferente fizeram com que as comunidades do Oriente Médio resistissem às perseguições e suportassem o sofrimento de um ambiente que se tornou hostil a elas. Mesmo nas rejeições, permaneceram unidas e fiéis.

A figura do sacerdote Pedro buscou em Ex 19.6 e em Is 61.6. Nos tempos antigos, somente os sacerdotes, uma classe privilegiada e destacada para tanto, tinham acesso à parte íntima do santuário e à presença de Deus. Agora, nos novos tempos, com a nova aliança, Jesus Cristo, o morto e ressurreto, trouxe acesso a Deus para o povo de sua aliança. E os integrantes do sacerdócio real são convocados, na linha de pensamento de Is 61.6, para reinar, nos tempos finais, como ministros de Deus.

Jesus arrancou o seu povo das trevas e os trasladou para a luz. É bom olhar bem para o texto. Ele vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (v. 9). Aqui não há conquista nem mérito pessoais. Ocorre a dádiva de Deus em Jesus Cristo. E Pedro, para caracterizar bem as duas situações, a situação do antes e do depois, usou a comparação dada em Os 2.3-23: Não o meu povo — agora o meu povo. Estas passagens bíblicas, com seus termos de comparação, atestam o quanto a comunidade cristã é distinguida e honrada por Deus.

A incorporação na comunidade pelo batismo trouxe aos cristãos a vida em comunhão com Deus, crescimento e santificação, regeneração, justificação, acesso a Deus e a oferta da vida eterna. Na oferta está o compromisso. E os sacerdotes da nova aliança são chamados para fazer sacrifícios vivos a Deus e proclamar o Evangelho em palavra e ação. A essência da igreja vem a ser a tarefa nobre dos sacerdotes: a missão.

3. Meditação

3.1. Na introdução afirmei, baseado nas conclusões de diversos teólogos, que a perícope é parte de uma pregação sobre o batismo. O batismo, portanto, é ponto de partida para as declarações honrosas sobre os cristãos. Não há dúvida, o doador é Jesus Cristo. No batismo, suas dádivas se oferecem e se concretizam. Considero importante quando Gottfried Voigt sublinha a dimensão pessoal-individual do batismo e a dimensão coletivo-comunitária do mesmo (p. 302-303).

Sugiro ao pregador basear sua pregação no batismo. Além de ser uma grata oportunidade para atualizar a comunidade sobre o seu significado, o texto da perícope ficará mais compreensível.

a) Dimensão pessoal-individual do batismo

O batismo opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo e dá a salvação eterna... e um lavar de renascimento no Espírito Santo. Sair e ressurgir diariamente novo homem, que vive em justiça e pureza diante de Deus eternamente (CM, perguntas 2 e 4). O batizando é implantado no seio do povo de Deus, na comunidade, na igreja. Torna-se herdeiro das dádivas da obra de salvação de Jesus Cristo.

Na dimensão pessoal-individual, salientamos a remissão do pecado, o renascimento ou regeneração, a integração na comunidade, o tornar-se herdeiro de Jesus Cristo e filho de Deus, ser concidadão da família de Deus, a graça da justificação e a salvação para a vida eterna. O batismo é o ato de iniciação do batizando na vida do povo de Deus, da nação santa e sacerdócio real. Em geral, na liturgia do batismo é acentuada a dimensão pessoal-individual do batismo: Deus acompanhará a criança em seu desenvolvimento e crescimento. Deus a protegerá em sua vida, Deus a guiará para que nenhum mal lhe aconteça. Entendemos, geralmente, o batismo como dádiva à pessoa: Deus perdoa os teus pecados. E, como lemos em 2 Co 5.17: Se alguém está em Cristo, é nova criatura. No batismo, as coisas antigas são su-peradas. Daí advém o chamado para que o batizado viva, diariamente, o seu batismo. Ele nos une com Cristo e nos une em comunhão com os irmãos.

b) Batismo em sua dimensão coletivo-comunitária

A dimensão comunitária se expressa muito bem em l Co 12.13: Pois em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo. O batizado não é largado como indivíduo isolado e solitário. Ele não é deixado só e abandonado. Ele é incorporado e integrado em um lodo. Ele é unido aos demais batizados e com eles forma a comunidade para viverem em comunhão de vida e desempenharem, em conjunto, as tarefas comuns de todos. As qualificações em nosso texto: raça eleita, nação santa, sacerdócio real e povo de Deus expressam corretamente a dimensão coletivo-comunitária do batismo. Como pessoa, o batismo me integrou na comunhão do povo de Deus, na comunhão do sacerdócio. Não perco a minha identidade pessoal, mas sou parte de uni todo. Não estou só, mas ligado aos irmãos. Não vivo isolado, mas convivo na unidade dos herdeiros de Jesus Cristo. O batismo estabeleceu a comunhão com Deus e com os irmãos. Somos concidadãos do povo de Deus e parte da igreja, o corpo de Cristo. Os eleitos (1.1) e os santos (1.16) integram e são a raça eleita, nação santa, propriedade de Deus e sacerdócio real (2.9) e foram regenerados para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos (1.3).

É bom que a comunidade renove o conhecimento de si mesmo. É bom lembrá-la do destaque, da honra e do desígnio que Deus lhe deu. É oportuno dizer-lhe novamente que ela é um elo da corrente que iniciou com o primeiro Pentecostes.

Assim podemos, sem diminuir a dimensão pessoal-individual, ressaltar a dimensão comunitária do batismo.

3.2. Devemos diferenciar a igreja espiritual daquela construída de material morto. Há pedra viva e pedra morta; há a igreja como comunhão dos santos (3° Artigo) e a igreja como local de reunião.

O pregador deve destacar que a igreja como comunhão dos santos é dádiva e distinção de Deus, e a mesma igreja, honrada como sacerdócio real, recebeu libertação e compromisso ao mesmo tempo. Ela é libertada do pecado e da condenação, aceita e integrada como povo eleito, com a incumbência de proclamar o Evangelho em palavra e ação. Na vivência do Evangelho, ela é agraciada com o crescimento para a salvação e fortalecida na proclamação das virtudes de Deus e deve oferecer sacrifícios espirituais.

Não estou diminuindo o local de culto. Eu sei o quanto Jesus respeitou e valorizou o templo como casa de meu Pai; que ele mesmo frequentou o templo de Jerusalém (Mc 14.49); Mt 26.55; Jo 18.20) e ensinava no templo e na sinagoga. A purificação do templo também o atesta: A minha casa será chamada casa de oração (Mc 11.15). Não é objetivo menosprezar o local de culto. Quero sublinhar que a comunidade não pode acomodar-se em suas quatro paredes, como fizeram os judeus no passado, dizendo: Temos o templo e com ele Deus está em nosso meio. A comunidade não deve buscar no genuíno leite espiritual a sua auto-satisfação. Ela deve entender e assumir o compromisso que tem para com o mundo, desempenhando sua tarefa de proclamar a Boa Nova em Jesus Cristo. Oferecer sacrifícios vivos em oração, louvor e agradecimento e, ao mesmo tempo, proclamar ao mundo a salvação em Jesus Cristo. A comunidade foi eleita e distinguida para a missão no mundo.

Os novos tempos não vieram com a destruição do templo de Jerusalém. Eles aconteceram com a vinda de Jesus. Ele declarou: Deus é espírito, e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e na verdade (Jo 4.19-30). Com ele gerou-se o novo: a adoração em espírito e na verdade. Terminou o sacrifício de bezerros e cabras. Ergueu-se um novo templo, a casa espiritual integrada na comunhão de vida com Jesus Cristo. Ele, a pedra viva, chama as pedras vivas, alimenta-as com o genuíno leite espiritual para que cresçam na santificação e, como sacerdotes reais, ofereçam sacrifícios vivos a Deus e proclamem as virtudes de Deus.

3.3. Jesus, a pedra viva, vem a ser um divisor de águas. Aqueles que nele crêem recebem a salvação. Aos que o negam é pedra de tropeço. Em Jesus Cristo decide se aceitação ou rejeição. Decide-se o ser pedra viva ou pedra morta. Acontece a integração na casa espiritual ou ser pedra rejeitada e esquecida ao longo do caminho e rocha morta, na qual caiu a semente sem germinar, sem trazer fruto.

O encontro com Jesus tem a característica da união e da comunhão. O Espírito Santo, que Jesus prometeu enviar, congrega e reúne. E a pedra viva reúne as pedras vivas em casa espiritual. A promessa a Israel em Ex 19.6 (nação santa e reino de sacerdotes) agora é própria da cristandade. Ela é o povo de propriedade de Deus. É importante deixar claro para a comunidade que ela é o que é, unicamente pela vontade de Deus. Ele a escolheu. A iniciativa e a dádiva partem de Deus. Não há mérito nem conquista humana nem coletiva na alta distinção e qualificação da comunidade. Pelo chamado de Deus ela passou do estado de não o meu povo para a situação nova de agora o meu povo (Os 6).

Assim como no batismo acontece integração, a unidade e a comunhão são marcas específicas da igreja. Igreja não sou eu nem tu isoladamente. Igreja é a co¬munhão dos santos (3° Artigo). Uma pedra é uma pedra, por mais bonita que seja. Sozinha e isolada, ela não forma conjunto. Incluída numa construção, cada uma em seu lugar, é parte importante do edifício. Ela tem o seu lugar, sua utilidade. Ela faz parte de um todo. Continua sendo pedra, mas agora, juntamente com as demais, forma em conjunto, dá harmonia ao todo, sustentando-se entre si.

Assim acontece com as pedras vivas. Na vivência da comunhão e na manutenção da unidade são comunidade, apoiando-se reciprocamente em um mundo hostil. Oferecem seus sacrifícios espirituais com louvor, adoração e agradecimento a Deus. Proclamam as virtudes do doador de toda boa dádiva e colocam-se, em resposta obediente ao chamado de Deus, a serviço dos homens e do mundo. (Aqui a realidade brasileira dá larga margem à atualização do serviço do cristão e da comunidade. Hoje, a missão dos sacerdotes reais no mundo lhes é dada pelo Evangelho; essa missão busca a conversão dos valores éticos do povo, dos políticos, do funcionalismo público etc. A regeneração em meio a uma corrupção alarmante e destruidora deve ser a missão do sacerdócio real.)

Na comunhão, cada pedra viva é apoiada e sustentada pelas outras. Este quadro é modelo para a nossa vida cristã. Eu preciso dos irmãos. Onde eu estaria com a minha fé sem os irmãos, sem aqueles que me acompanharam e me ajudaram na minha caminhada? O que teria acontecido comigo sem aqueles que me deram as mãos na insegurança e nos tropeços da vida, fortaleceram-me nas tentações, curaram as minhas feridas no sofrimento da doença e do luto, seguraram-me e levantaram-me ao sofrer as minhas quedas? E a mim, como pedra viva, cabe o mesmo serviço em favor dos irmãos. Outros precisam de mim, como eu necessito deles. Eu tenho utilidade para o todo. Sou parte do todo. As pedras vivas apóiam-se e sustentam-se entre si. As pedras vivas da casa espiritual são marcadas pelo serviço de todas por uma e uma por todas.

3.4. Vale destacar que a comunidade recebeu a qualificação de sacerdócio real. O sacerdote é dinâmico. A ele está inerente a ação. Na casa espiritual, a atribuição do sacerdócio real difere dos tempos da antiga Israel. Acabou o sacrifício de carneiros e bezerros. Antes, somente aos sacerdotes era facultado o acesso a Deus. Na casa espiritual, todos são sacerdotes com acesso livre a Deus, e o seu serviço são sacrifícios espirituais e a proclamação das virtudes daquele que os chamou. A adoração acontece em espírito e na verdade.

Aos sacerdotes cabe a tarefa da intercessão. Ela é expressão da responsabilidade pelos irmãos. O interceder, servir e ajudar são inerentes ao sacerdócio.

À história da igreja nos ensina que mercadores de caravanas e soldados do exército romano levaram o Evangelho ao mundo. Estes homens e mulheres foram missionários do Evangelho e sacerdotes da Palavra de Deus.

Na igreja, há opiniões divergentes sobre o sacerdócio geral, como Lutero preferiu dizer. Uns afirmam que ele tem cheiro de anticlericalismo. Outros afirmam que o pastorado está superado, pois o ministério seria tarefa de todos os cristãos.

Recapitulemos rapidamente: todos os membros têm a liberdade de chegar a Deus. O acesso a Deus foi liberado por Jesus Cristo a todos. Os integrantes do sacerdócio real ou geral estão convocados para trazer sacrifícios espirituais e proclamar as virtudes de Deus. Orar, louvar, agradecer, proclamar o Evangelho e servir no mundo e na comunidade são regalias e incumbência para todos e para a comunidade toda. A comunidade e seus membros receberam distinção e qualificação sobremaneira honrosas.

Contudo, distinção e qualificação honrosas não eliminam o ministério especial da igreja. Aqueles que defendem a superação do ministério especial, ou seja do pastorado, não podem valer-se de l Pe 2.1-10. A mesma epístola, em l Pe 5.11s, refere-se expressamente aos presbíteros com a incumbência de pastorear o rebanho. A autodeterminação de Pedro como presbítero (l Pe 5.1) põe o ministério da igreja em íntima relação com o apostolado.

O sacerdócio referido no v. 9 não pretende substituir o ministério da igreja. Ele não é citado em nenhuma outra parte do NT entre os diversos cargos e funções na igreja. Antes, o sacerdócio real é incumbência e honra de todo o povo de Deus (veja Voigt, p. 306).

Ao pastor, ministro da igreja, cabe ser zeloso e nunca usar os sacerdotes para fins próprios, fazendo dos membros ativos servidores seus. O tipo de ministério que se adona da comunidade, domina e usa os membros em causa própria merece toda a reprovação. O verdadeiro ministro serve e intercede, e não domina. E o ministério, em sua função de administrar os sacramentos, pastorear a comunidade responsavelmente e zelar pela reta e pura proclamação do Evangelho da salvação em Jesus Cristo, continua com o seu devido lugar na igreja. Esse pastorado é a expressão da vontade de Jesus Cristo, que instituiu o ministério e enviou os seus discípulos.

4. Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor meu e Deus meu. Diante de ti não há quem seja justo. Os meus pecados, mesmo que consiga escondê-los dos homens, colocas na luz do teu rosto. Em Jesus Cristo nos deste a tua graça, deixando que o teu Filho lavasse os nossos pecados com o seu sangue na cruz do Gólgota. A ti rogamos que, pelo profundo amor com que nos amas, sejas misericordioso e nos ajudes a viver para ti, que morreste e ressuscitaste em nosso favor, e para os irmãos e irmãs que conosco vivem em comunhão de vida. (73-74)
Senhor, tem piedade de nós!

2. Oração de coleta: Senhor Deus, Pai celeste. Quão maravilhoso és tu, misericordioso e de grande bondade, que nos regeneraste para uma viva esperança como recém-nascidos pela força do teu Espírito. Em teu Filho Jesus, o morto e ressuscitado Senhor, nos deste vida e salvação. Integraste-nos na tua comunhão pelo batismo e nos honraste como membros de tua família e herdeiros das tuas boas dádivas. Dá-nos um coração agradecido, no qual o amor não se apaga, que nos impulsiona como pedras vivas a vivermos em tua comunidade e proclamarmos o teu santo nome. Amém.

3. Oração final: Eterno Deus e Pai, ressuscitaste o nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos. Agradecemos a ti de todo o coração por esta bondade. Pedimos, Senhor, que abençoes a boa nova da vitória da vida sobre a morte. E, assim como Jesus morreu em nosso favor e pelo teu poder venceu o pecado e a morte, ajuda-nos a morrer para o pecado e renascer para a vida. Onde a culpa prende corações, conduze-nos para a liberdade para a qual Cristo nos libertou. Onde há errantes na vida, deixa que Cristo os ilumine. Onde almas clamam por misericórdia e se arrependem, dá-lhes a paz que o Mestre oferece a seus discípulos. Onde o amor chora à cabeceira de túmulos, consola com o conforto do teu Espírito Santo na certeza da ressurreição para a vida eterna. Onde a injustiça e a força dominam, vem com a tua justiça e verdade para que a luz vença as trevas e o mundo reconheça que a salvação, o poder e o reino são teus e que reinas com Jesus Cristo de eternidade a eternidade. Amém. (Evg. Kirchenbuch, p. 76)

5. Bibliografia

ARPER, D. Karl e ZILLESSEN, Alfred. Evangelisches Kirchenbuch. 1. ed., vol. I, Vandenhoeck u. Ruprecht, Goettingen.
VOIGT, Gottfried. Die Lebendigen Steine — Série VI. Evangelische Verlangsanstalt Berlin, 1983.
EICHHOLTZ, Georg. Herr, tue meine Lippen auf. Vol. 4. Emil Müller Verlag, Wuppertal — Barmen, 1965.
Wissenschaft und Praxis in Kirche una Gesellschaft (Exegese de Wolfgang Ullmann).
Caderno 5, maio 1970. Verlag Vandenhoeck und Ruprecht, Göttingen.
Das Neue Testament Deutsch. Caderno 10. Traduzido e comentado por Friedrich Hauck. Verlag Vandenhoeck und Ruprecht Göttingen, 1949.
SCHMIDT, Kurt Dietrich. Kirchengeschichte. 5. ed. revista, Verlag Vandenhoeck und Ruprecht, Göttingen, 1967.


Autor(a): Augusto Ernesto Kunert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 5º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Pedro I / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1992 / Volume: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13532
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