Romanos 1.1-7

Auxílio Homilético

24/12/2011

Prédica: Romanos 1.1-7
Leituras: Isaías 11.1-9 e Lucas 2.1-7
Autor: Martin Norberto Dreher
Data Litúrgica: Noite de Natal
Data da Pregação: 24/12/2011
Proclamar Libertação - Volume: XXXVI

1. Introdução

A Epístola aos Romanos é circular, dirigida à comunidade cristã residente em Roma. Seu autor é o apóstolo Paulo. Deve ter sido ditada no ano 58 de nossa era a Tércio e levada por Febe a Roma. Não sabemos quando ou por quem foi fundada a comunidade de Roma. O capítulo 1.6 dá-nos conta de que seus membros originalmente foram pagãos. No capítulo 16, os nomes mencionados indicam que não poucos deles eram naturais do leste do Império Romano. Da epístola podemos depreender que a comunidade lia bastante o Antigo Testamento e que sua correta interpretação causava muitas discussões. Isso pode ser consequência da proximidade da sinagoga de Roma, mas também de questões que eram levantadas por judeus que se tornaram seguidores de Jesus. Por que Paulo escreve a epístola? Paulo considera sua atividade no oriente do império concluída e quer agora seguir para a Espanha, passando por Roma. Paulo era, então, uma pessoa bastante conhecida nas comunidades cristãs, “elogiado e caluniado” (2Co 6.8). Tinha muitos inimigos, também entre os cristãos. Muitos se sentiam atacados pelo que dizia e ensinava. Alguns se escandalizavam.

O quanto Paulo teve que enfrentar adversários lemos especialmente na Epístola aos Gálatas. As críticas a ele dirigidas podemos encontrar também em 2 Pedro 3.15-16. Como está querendo passar por Roma, busca apresentar-se bem como a seu ministério e sua mensagem. Quer que o conheçam a partir de sua interpretação do evangelho e também a partir da questão que na época comovia a comunidade de Roma: Qual a correta interpretação do Antigo Testamento? Essa questão, aliás, também movia o próprio Paulo, rabino judeu que se tornara cristão. Paulo está convicto de que a exposição dessa temática é talvez a melhor forma de ele se apresentar à comunidade de Roma. Mais tarde, Lutero dirá: “Por isso também parece que, nessa epístola, S. Paulo quis fazer um resumo de toda a doutrina cristã e evangélica, bem como fornecer um acesso a todo o Antigo Testamento. Pois, sem dúvida, quem tiver essa carta no coração tem consigo a luz e a força do Antigo Testamento. Por isso familiarize-se cada cristão com ela e se exercite com ela constantemente”.
Segundo Paulo, o evangelho já está anunciado no Antigo Testamento e, por isso, diz respeito primeiro aos judeus. Nele se fala do descendente de Davi, filho de Deus, ressuscitado dentre os mortos. Foi ele quem enviou Paulo como seu mensageiro a todos os gentios. É por isso que os outrora gentios residentes em Roma também estão envolvidos pela comissão que lhe foi dada por Cristo.

No evangelho, revela-se o juízo de Deus sobre todo o mundo, mas na fé que aceita esse juízo também se fazem presentes salvação e vida para cada pessoa. Nos capítulos 1.18-3.20, Paulo evidencia que no evangelho, na mensagem acerca de Jesus Cristo, acontece juízo divino negativo sobre todos os seres humanos, sobre judeus e gentios. Mas esse aspecto se transforma em 3.21-8.39, se observarmos que esse juízo de Deus, pelo qual todos estão condenados, pois foi proferido em Jesus Cristo, aconteceu em sua morte, liberta, torna justos todos aqueles que nele creem.

Assim, o evangelho é revelação desse juízo de Deus, é realmente evangelho, quando ouvido em fé e nela aceito, é notícia a respeito da reconciliação entre Deus e o ser humano e de nova vida do ser humano na justiça, na liberdade, sob o domínio do Espírito. O significado desse evangelho para aqueles entre os quais por primeiro deveria ter encontrado aceitação e onde não foi crido, entre os judeus que têm o Antigo Testamento em suas mãos, é exposto nos capítulos 9-11. Nos capítulos 12.1-15.13, em uma série de admoestações, é apontado o significado prático do evangelho, quando encontrou aceitação em fé na comunidade. Por fim, seguem comunicados pessoais, saudações, advertência contra pessoas que nos enganam e louvor a Deus, que se revelou no evangelho.

Essa exposição da intenção de Paulo com sua epístola se faz necessária para que compreendamos a composição dos três textos previstos para esta Noite de Natal. Nesta noite santa acontece o evangelho anunciado por Isaías, descrito por Lucas e proclamado por anjos e pastores, razão de ser de Paulo e de seu apostolado e também do apostolado da comunidade.

2. Exegese

Romanos 1.1-7 é saudação de Paulo a leitores em Roma. Segue o esquema então usual: menciona seu nome e o dos destinatários, deseja-lhes o melhor que pode desejar. Mas, nessa formalidade, Paulo já diz o que o move a escrever. O que o move é uma pessoa (v. 1). Essa pessoa não é ele, Paulo, nem o leitor ou ouvinte da epístola, mas uma pessoa que está acima dele e das pessoas reunidas em comunidade em Roma. Paulo é seu servo (literalmente: seu escravo). Pertence a ele e, por isso, quer falar baseado nele e não em sua pessoa ou em diretos que porventura detenha. Passou a pertencer a esse senhor quando foi chamado por ele, tirado de seu meio, mas também de sua atividade, separado para ser apóstolo. (Os “separados” eram os perishim, os fariseus: o fariseu Paulo tornou-se fariseu de Cristo.) Desse senhor Paulo recebeu a graça do apostolado (v. 5).

O apóstolo é o enviado plenipotenciário daquele que envia. Sua incumbência é anunciar o evangelho, a boa notícia. Paulo está, pois, separado de tudo o que há no mundo, totalmente preso ao evangelho por Jesus Cristo, o qual também é o conteúdo do evangelho (v. 3-4). Paulo constata (v. 2) que essa boa-nova é idêntica ao que já foi anunciado pelos profetas nas Sagradas Escrituras. Anunciaram-no antes que estivesse aí para que agora através da boca do apóstolo chegue a todo o mundo. O evangelho, porém, só tem um conteúdo: o filho de Deus que, segundo a carne, como ser humano, descende de Davi, o filho prometido a Davi, herdeiro de seu trono. Pelo Espírito Santo, por causa de sua ressurreição dentre os mortos, foi demonstrado, revelado filho de Deus, isto é: distinguido de outros seres humanos e deles distinto. Esse Jesus Cristo é o senhor de Paulo e foi dele que recebeu a graça da incumbência de chamar todos os gentios à obediência ao rei de Israel, obediência essa que consiste na fé. Assim, por meio de sua obediência, de sua fé, seu nome será honrado, receberá a honra que lhe cabe.

Desses gentios também fazem parte “todos vocês que estão em Roma, todos vocês a quem Deus ama e a quem tem chamado para ser o seu próprio povo” (v. 7). Essa expressão não confere qualidade moral aos assim designados, mas se refere à obra de Jesus Cristo, acontecida por eles e neles operada: por meio de Jesus Cristo são pessoas amadas por Deus, são pessoas chamadas por seu intermédio, por ele santificadas, assim como Paulo foi. Assim, a pessoa de Jesus Cristo é a unidade na qual se encontram comunidade e Paulo, mesmo sem se conhecer. Mesmo distantes, estão próximos. É a partir dessa unidade que o apóstolo saúda a comunidade com a palavra de bênção. Ele lhe deseja “graça” e “paz”. Essas palavras expressam o que faz da igreja igreja, dos cristãos cristãos: a dedicação amorosa de Deus ao ser humano.

Em Jesus Cristo, experimentamos “graça” e “paz”; nele podemos experimentá-las sempre de novo e por elas implorar daquele, do qual ambas provêm: Deus, nosso pai. Podemos designá-lo de “pai” a partir da experiência feita em Jesus Cristo, que é o caminho que leva ao pai. Quanto menos separarmos os dois membros dessa fórmula e reconhecermos que um só pode ser explicado a partir do outro, melhor os entenderemos.

3. Meditação

Noite de Natal. É noite de anunciar evangelho a pessoas que vivem na noite, “povo que anda em trevas”. Foram lidos o evangelho de Isaías e o evangelho de Lucas. Paulo, pregador(a) e comunidade querem e devem anunciá-lo. Evangelhos são “histórias da paixão com introdução minuciosa” (Martin Kähler), spirant resurrectionem (respiram ressurreição – Johann Albrecht Bengel). Assim também as histórias do nascimento de Jesus surgiram, foram transmitidas e fixadas por escrito a partir de sua ressurreição, por causa de sua execução. Olham o início a partir de seu resultado: a morte e a vida nova. No resultado veem a salvação do início. Veem luz além do massacre da esperança do início. Por isso querem transmitir esperança para todas as esperanças expressas quando surge vida, contra a destruição dessas esperanças. Elas não querem ser apenas símbolo, querem ser fundamento, base para esperança. Não conhecem qualquer outro fundamento para a esperança do que aquele único: a encarnação de Deus.

Noite santa? Santa noite? Talvez em poucas noites o pregador e a comunidade sintam tanto a contradição entre o poder da noite e a importância da mensagem. Entre o poder que mata e a incredibilidade da promessa que nos chama à resistência. Ernst Bloch, o filósofo da esperança, judeu e agnóstico, observa: “O que é não é verdadeiro”. Daquilo que está expresso nessa sentença nos falam o nascimento, a morte e a ressurreição de Jesus. A história de Jesus não torna a noite humana santa, mas a agride, nega, ataca, convicta de que a vitória não pertence à noite. Nascimento, morte e ressurreição de Jesus são revoltas contra a noite. Assim, já o nascimento de Jesus é revolta contra a noite. Não celebramos a santidade da noite, mas a santidade que põe fim à noite. Todos os votos que nos desejamos – felicidade, amor, luz – só se tornam realidade caso tiverem por trás essa vida com sua missão. A ofensiva contra a noite nada tem a impulsioná-la a não ser essa uma vida desse único ser humano: Jesus, que tem por trás de si Deus. Enquanto a noite afirma: “nada mudou com a vida perdida por Jesus na cruz”, a fé afirma: “Tudo mudou”. Atacamos a contradição contida na morte de Jesus com a contradição da ressurreição. Enfrentamos a noite a partir da vida, baseados nos primeiros raios de vida que chegam até nós com a notícia do evangelho: Há graça e paz!

A contradição, cujo anúncio foi confiado a Paulo e a nós, sua comunidade, e que deve ser proclamado na rememoração do nascimento de Jesus, tem início quando ouvimos e transmitimos o que ouvimos. Somos chamados a obras de contradição e de esperança, obras de seres humanos que enfrentam a noite poderosa. Nesse enfrentamento, somos pessoas tentadas pelo poder do lado oposto, pessoas paralisadas pela falta de perspectiva, em busca de consolo da certeza. A vida de Jesus é a promessa para a ação na noite contra a noite. Nessa noite não pode haver prioridade na discussão teórica entre graça e boas obras. A graça clama por obras, e as obras clamam por graça. As obras carecem do consolo, e o consolo quer se tornar real em obras. Ação consolada: é essa a mudança que a realidade do nascimento de Jesus, aquele que foi morto e ressuscitado, que a tudo põe em movimento, provoca em nós.

4. Imagens para a prédica

Não sei quais serão as imagens presentes na retina dos pregadores e das pessoas na noite de 24 de dezembro. Nos dias em que medito sobre ela, ouço muita notícia de morte provocada por guerras, por miséria que leva mães a descartar recém-nascidos, por novos tipos de drogas. Ouço muita notícia de “noite”. No templo em que comunidades estiverem reunidas, diviso árvores de natal, das quais vêm luzes, e junto à manjedoura brilha uma luz. Vejo pessoas alegres, vejo pessoas tristes. Vejo pessoas às quais devo dizer: Há graça e paz! Essa graça e paz nos permitem caminhar como comunidade que ouve e recebe evangelho e que quer transmitir evangelho que diz que a noite não tem a última palavra. A última palavra vem da criança, na qual Deus se fez presente e por meio da qual anunciou sua vontade: vida que considera pecado tudo o que leva à morte.

5. Subsídios litúrgicos

Inicie-se com Hinos do Povo de Deus (HPD) 19,1-6 (“Vinde a Cristo, ó vinde unidos”). Após a invocação da Trindade, profira-se o versículo de entrada: “Vinde, cantemos ao Senhor, cantemos com júbilo a rocha da nossa salvação. Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel, pois visitou e redimiu o seu povo”, seguido do Glória. Seguem uma oração e a leitura de Isaías 11.1-9. Após, canta-se HPD 32,1-3 (“Renovo mui delgado”). Siga-se com a leitura de Lucas 2.1-20, intercalada por hinos, na seguinte sequência: Lucas 2.1-7; HPD 13,1-3 (“Noite feliz”); Lucas 2,8-14; HPD 15,1-6 (“Eu venho a vós dos altos céus”); Lucas 2.15-16; HPD 27,1-3 (“Ergue-te, minha alma, e canta”); Lucas 2.17-20; HPD 26,1-3 (“Ao pé da manjedoura estou”). Alocução: Romanos 1.1-7. HPD 14,1-4 (“Cantai, cristãos, a Deus louvai”). Oração. HPD 29,1-3 (“Jubiloso, venturoso”).

Bibliografia

BARTH, Karl. Der Römerbrief. Zürich: Evangelischer Verlag A. G. Zollikon, 1947.
GOLLWITZER, Helmut. Erfahrungen mit Weihnachten. 2. ed. München: Chr. Kaiser Verlag, 1973.
 


Autor(a): Martin Dreher
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Véspera de Natal
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 7
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25627
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