V Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião encerra com a definição de 42 teses
Durante quatro dias, de 23 e 26 de agosto, o campus da Faculdades EST foi palco de um evento cheio de cores, cheiros e sabores. Instigados pela textura e o colorido da chita, os e as participantes do V Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião compartilharam experiências e discutiram questões atuais no campo da pesquisa, da atuação política e da vivência comunitária no cruzamento das temáticas de Gênero e Religião. Este ano, o evento organizado pelo Programa de Gênero e Religião (PGR) da instituição teve como eixo temático “Ecologia – Economia – Ecumenismo”.
Durante o Congresso, passaram pela Faculdades EST pesquisadores, pesquisadoras, estudantes, lideranças comunitárias e de movimentos sociais, além de agentes governamentais de diversas partes do mundo.
O resultado do V Congresso foram 42 Teses, chamadas pelo grupo de “Um tecido frágil com cores fortes”. Segue abaixo o documento oficial produzido no evento.
(Veja abaixo as versões do documento em inglês e em espanhol.)
Nós, vestidas de chita, pano das mulheres e dos homens do povo na festa, na luta e na manifestação de suas crenças, afirmamos coletivamente:
Tese 1
Somos mais de 300 pessoas, vindas de mais de 20 países, de quatro continentes e de todas as regiões do Brasil e nos reunimos para discutir ecologia, economia, ecumenismo.
Tese 2
Nos inserimos nas celebrações e discussões em torno dos 500 anos da Reforma Protestante para apresentar e pensar nossa contribuição feminista para esses debates.
Tese 3
A realidade denunciada em 2015 na Carta Aberta do IV Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião se agravou dramaticamente e de maneira acelerada.
Tese 4
A área de estudos de Gênero e Religião, que se articula em torno da justiça de gênero, vive hoje um intenso processo de ataque articulado por setores conservadores e fundamentalistas do campo político e das igrejas em torno da propaganda sobre a chamada “ideologia de gênero”.
Tese 5
Diante do fenômeno da violência e feminicídio em nível político, religioso e cultural que afeta os corpos, a sexualidade e o meio ambiente é importante desconstruir a trama ideológica que a sustenta desde a luta feminista e os estudos de gênero.
Tese 6
O Brasil vive as consequências do golpe ocorrido em 2016, que culminou no impeachment da presidenta Dilma Roussef.
Tese 7
O golpe é misógino!
Tese 8
As reformas - trabalhista, previdenciária e política – são antipopulares e retiram direitos, especialmente das mulheres e pessoas LGBTIQ, povos e comunidades tradicionais.
Tese 9
A fragilidade da democracia se manifesta na falta de representatividade e mecanismos de participação real na tomada das decisões.
Tese 10
É necessária a retomada do processo democrático e o fortalecimento de uma democracia laica e direta desde já e em 2018.
Tese 11
Mesmo em face de todos os retrocessos, há uma resistência organizada ao capitalismo patriarcal expressa, por exemplo, nas atividades do 8 de Março e na Greve Geral de 28 de abril de 2017 no Brasil.
Tese 12
Libertem Rafael Braga!
Tese 13
O processo vivido no Brasil é uma das expressões do avanço conservador e fundamentalista em toda a América Latina e em diferentes partes do mundo.
Tese 14
Existe um perigoso discurso de ódio, extremista, essencialista e discriminador que compromete o reconhecimento às diferenças em detrimento das liberdades de credo, expressão e existência.
Tese 15
A saída para o momento que vivemos será fruto de organização popular de base.
Tese 16
Faz-se necessário o fortalecimento dos movimentos sociais, coletivos e organizações ecumênicas na luta e defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e sexuais (DHESCAS).
Tese 17
Faz-se necessário, também, a articulação em redes de apoio que tenham em sua pauta de atuação a superação das violências na perspectiva de uma diaconia transformadora, fundamentada na justiça de gênero.
Tese 18
A perspectiva revolucionária não pode ser perdida do nosso horizonte.
Tese 19
A relação entre academia e movimentos sociais precisa ser fortalecida.
Tese 20
A sororidade e a irmandade partem da consciência dos feminismos, dos feminismos negros e comunitários, que propõem a intersecção entre gênero, classe, raça/etnia e sexualidade, da ideia teórico-prática comum às lutas das mulheres através da compreensão dos sentimentos, dos corpos e das experiências plurais.
Tese 21
É preciso rever os fundamentos das éticas feministas, superando o uso de categorias absolutas e universais.
Tese 22
Desde uma perspectiva indígena questiona-se os conceitos reducionistas de gênero e feminismo.
Tese 23
A teologia feminista é uma experiência visceral: história, corpo, experiências e vivências pessoais e coletivas, inter-relacionado os saberes em suas diversidades.
Tese 24
O acesso à literatura sagrada a partir de uma perspectiva de gênero revela a potência crítica desses textos, com respeito a processos institucionalizantes enrijecedores e fundamentalistas, que inviabilizam a libertação, fazendo-se necessário rever conceitos e práticas de contextos das comunidades atuais, repensando criticamente a interconexão de toda a criação e as relações de poder.
Tese 25
O discurso das igrejas segue sendo patriarcal e lesivo às mulheres e ao meio ambiente. Por isso, necessitamos aprofundar os estudos teológicos em perspectiva de gênero.
Tese 26
Nos incomodamos com as narrativas sobre lugar e não-lugar; o espaço; a LGBTfobia; o colégio; educador; a formação docente; o silenciamento; o controle/poder. Queremos ocupar/disputar lugares; afirmar e atuar no movimento; cuidar; ser novidade; buscar abertura; desconstruir. Posicionar, com mais energia, a curiosidade, a erótica/desejo, a escuta, a “frescura” e o sexo como parte da vida integral.
Tese 27
É necessário trabalhar por uma epistemologia que dialogue com saberes e sabores produzidos com todo nosso corpo e desde os mais diversos lugares dos conhecimentos ecosóficos.
Tese 28
Somos um prato cheio de fome por justiça!
Tese 29
É fundamental o resgate e a publicação de histórias de mulheres de todas as etnias, cada vez mais integradas, sem pré-conceitos que tanto humilham e diminuem todas na sua humanidade.
Tese 30
Buscamos a consolidação de uma sociedade solidária empenhada na promoção e bem-estar de todas as pessoas.
Tese 31
Bem viver é uma cosmopraxis comunitária dos povos indígenas da Abya Yala e não pode somente ser assumida em leis, porque exige uma prática e uma fala coerentes, o que muitas vezes não acontece, como é o caso da construção de uma estada na Bolívia que dividirá ao meio o território indígena Tipnis trazendo prejuízos para diversos povos locais.
Tese 32
Políticas desenvolvimentistas e de exploração gananciosa destroem a sócio-biodiversidade e exploram a sabedoria dos povos indígenas. É preciso reconhecer os saberes indígenas para superar discriminações e racismo.
Tese 33
Diante do envelhecimento crescente da população mundial, brasileira e das nossas comunidades torna-se importante uma atenção especial aos temas referentes à população idosa.
Tese 34
A vida é um processo dinâmico e envelhecer faz parte desse processo. A transversalidade do tema envelhecimento torna-se importante na medida em que toca questões essenciais da nossa vida e das nossas relações.
Tese 35
A construção e o cuidado para com a casa comum passa pelo respeito à vida e pela valorização da diversidade.
Tese 36
É preciso uma ética global voltada para uma cidadania do bem comum que seja nutrida por contribuições de todas as religiões, no diálogo intercultural e no resgate da ecologia de saberes do bem viver (sumak kawsay).
Tese 37
A ancestralidade que pode referenciar novas possibilidades identitárias se constrói no caminho e na escuta das vozes silenciadas.
Tese 38
É necessário revisitar a imagem do ser humano e sua relação com o sagrado no seu caráter dinâmico e relacional.
Tese 39
Cuidar da casa comum significa promover a vida digna por meio do combate à pobreza e à intolerância, da valorização da igualdade na diversidade, da luta pela justiça de gênero e do respeito às culturas e religiões.
Tese 40
Apesar da dura situação queremos defender a esperança, queremos seguir lutando com obstinação, conscientes de que outro mundo é possível. Esta luta não é individual, mas um processo coletivo e desde as bases, fortalecidas pela sabedoria divina.
Tese 41
O V Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião foi um encontro de pessoas diversas partilhando suas experiências, seus saberes, suas epistemologias, suas pesquisas e práticas em todos os campos, apresentadas em uma multiplicidade de atividades. Nossas vivências não cabem nessas teses, mas se derramam para dentro do nosso cotidiano e práticas de resistência, luta e produção de conhecimento.
Tese 42
Reunimos aqui, fruto da nossa crítica e criatividade, como no tecido da chita, as cores fortes de nossas pesquisas e práticas num tecido frágil, como uma contribuição para as experiências de fé, de luta e de festa na afirmação da casa comum.
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 26 de Agosto de 2017.