Concílio da Igreja



ID: 2273

Lançar as redes em águas mais profundas. Perspectivas para o futuro da IECLB

Palestra no XXV Concílio da IECLB - Panambi, 13.10.2006

13/10/2006

Quando o Pastor Presidente me convidou para preparar esta palestra, ele disse que eu poderia entender o convite como um assalto ou como uma honra. Eu ainda não me decidi. A solicitação de discernir a caminhada atual da IECLB no momento máximo da vida da igreja diante de suas principais lideranças me causa temor e tremor. A prática do discernimento não é fácil e nem sempre é bem-vinda, mas absolutamente necessária para uma igreja que busca visões e perspectivas de futuro. Os antigos pais e mães do deserto comparavam o discernimento ao machado. Uma das anedotas relata que muitos na igreja passam a vida toda carregando o machado nos ombros – sem jamais derrubar uma árvore. Com o perdão da imagem ecologicamente incorreta, vou tentar derrubar algumas árvores nesta exposição.

Quando comecei a me preparar para esta palestra deparei-me com o fato de que praticamente tudo a respeito do momento atual da IECLB, suas prioridades, dificuldades e maiores desafios, já estava dito – e com muita propriedade. Não me lembro de um relatório para um concílio que fosse tão rico em informações e análises, tanto por parte da presidência quanto por parte da secretaria geral. Some-se a isto a grande quantidade de material de qualidade publicado como resultado dos Fóruns, dos seminários, das consultas, ou mesmo o que o ex-presidente Brakemeier ou o ex-secretário geral Kliewer publicaram, analisando o atual momento da IECLB. Todo este material está disponível e certamente é do conhecimento da maioria dos presentes.
Não creio, portanto, que seja necessário ou interessante trazer uma análise de tudo que foi dito e escrito nestes últimos quatro anos sobre a situação da IECLB. Ao que eu me proponho nestes próximos minutos é compartilhar com vocês, irmãs e irmãos, o meu discernimento a respeito a respeito de alguns desafios que são consensualmente considerados prioritários para a IECLB neste momento histórico. E o faço na perspectiva de alguém que está engajado de corpo e alma no processo de desenvolvimento de comunidades e paróquias da IECLB. Os desafios sobre os quais gostaria de discorrer são os seguintes:

• O desafio da sustentabilidade
• O desafio do crescimento quantitativo e qualitativo
• (O desafio da identidade)

Lançar as redes em águas mais profundas

Para iluminar e inspirar nossa reflexão gostaria de, num momento anterior à reflexão dos desafios mencionados, compartilhar alguns aspectos de minha meditação de um dos textos dos evangelhos que nos últimos tempos se tornou de grande importância para mim e para o meu trabalho: Lucas 5. 1-6.

Leitura – Lucas 5. 1-6 (PPS)

Com minha imaginação desloco-me para a palestina, para a Galiléia, junto ao lago de genesaré. Um lugar aprazível, de temperaturas amenas. Sinto o cheiro do mar, sinto a areia morna sob os meus pés, ouço o quebrar das ondas. Vejo Jesus se aproximar – e com ele uma multidão que o segue.

V. 5.1 – “Aconteceu que, ao apertá-lo a multidão para ouvir a palavra de Deus, estava ele junto ao lago de Genesaré;” “Uma multidão o apertava” – diz o primeiro versículo – todos e todas queriam ouvi-lo. Enfim tinham encontrado um mestre que interpretava a Escritura com autoridade e de tal forma que ela falava ao coração, trazendo sentido para suas vidas. Queriam saber mais, ouvir mais – por isso o seguiam por toda parte. Poucas vezes, em nossa vida eclesiástica, somos “apertados pela multidão”. Estamos acostumados ao pequeno rebanho e criamos até uma sólida argumentação para justificar a pouca participação e a falta de um crescimento numérico satisfatório. Exaltamos a qualidade e desprezamos a quantidade. E, no entanto, as multidões de hoje continuam à procura; buscam, assim como nos tempos de Jesus, palavras para o coração, buscam orientação e sentido para a vida. O movimento de retorno ao sagrado, a procura por uma espiritualidade que dê sustentação ao cotidiano é intensa. Mas passa ao largo de nossas igrejas e centros comunitários. Deixamos de ser referência nestas questões. Não podemos mais descansar sobre o axioma de que o que conta é a qualidade de nosso conteúdo teológico – com urgência precisamos aperfeiçoar a qualidade da transmissão deste conteúdo – o evangelho do amor incondicional de Deus.

V. 5. 2 – “e viu dois barcos junto à praia do lago; mas os pescadores, havendo desembarcado, lavavam as redes.”

Dois barcos vazios junto à praia – os pescadores estão ocupados com as redes. Tinham acabado de fazer uma experiência frustrante – passaram a noite toda pescando, lançando as redes – e nada pegaram. Não surpreende que estivessem dedicados a fazer a manutenção das redes. Os peixes estavam lá, como sempre. Mas as redes não os capturaram. O que há com as redes? Talvez estejam com rasgos, com furos – não seguram mais, não tem mais coesão. Penso nos furos e rasgos causados na rede da IECLB pela falta de coesão teológica e prática, por cisões e conflitos. O penoso trabalho de consertar as redes, por isso, é uma tarefa contínua. Sim, o que há com as redes? Talvez os peixes aprenderam a contorná-la. Será que os peixes mudaram, evoluíram? Talvez as nossas redes não atraiam mais os peixes de hoje. Com as redes de quarenta anos atrás não podemos mais pescar hoje – a frustração é inevitável.

V. 5.3 – “Entrando em um dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da praia; e, assentando-se, ensinava do barco as multidões.”

Jesus entra em um dos barcos para poder pregar e ensinar o povo. O que parece ser um detalhe sem importância, torna-se vital na história. O barco vazio torna-se símbolo para a existência missionária. O que sou, o que possuo, meu tempo, meus bens, minhas capacidades, meus dons – ponho à disposição de Jesus, ponho à disposição da Missão de Deus neste mundo. A missão não é da igreja, sequer é uma função da igreja. Igreja é uma função da missão de Deus. Somos apenas instrumentos, canoas vazias à disposição. Ou? Talvez sejamos canoas, barcos entulhados, pesados, encalhados sob o peso de nossos interesses político-eclesiásticos, de nossas tradições, regulamentos, desinteresse. À medida que me aprofundo na história da espiritualidade cristã, percebo que em todas as suas diferentes vertentes e tradições, o processo do esvaziar-se é essencial para que haja transformação e desenvolvimento pessoal e espiritual – transformação que nos liberta de nós mesmos e nos torna disponíveis para Deus. Disponibilidade – é a palavra chave para a missão. Em que medida, estamos dispostos a nos tornarmos vazios de nós mesmos, permitindo, assim, que a paixão de Deus pelo mundo nos preencha e se torne a razão de nossa existência? Lembro do menino com seus peixinhos e pãezinhos. Muitas vezes Deus usa também a nossa limitação para sua missão. Também a nossa frustração e nossas lágrimas – vale a pena ler 2 Coríntios nesta ótica. Minha mãe costuma dizer que Deus constrói o seu Reino com cacos. Os vitrais nada mais são do que cacos de vidro colorido através dos quais o sol divino brilha.

Conta a narrativa do evangelho que, de seu púlpito flutuante, Jesus prega, ensina, consola e orienta o povo. Em dado momento, ressoa a ordem desafiadora de Jesus a Pedro:

V. 5.4 – “Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar.”

“Embarquem mais uma vez e lancem suas redes em águas mais profundas”. Esta ordem contraria a experiência dos pescadores, pelo menos em dois pontos: a) sabidamente, no mar da Galiléia, os cardumes de peixes estavam mais próximos à costa e não nas águas profundas; b) No mar da Galiléia a pesca noturna era bem mais exitosa – pescar de dia significa muito cansaço e pouco peixe. A estas experiências antigas dos pescadores somava-se ainda outra – o fracasso da noite anterior.

Ora, Jesus não era insensível ou pedante. Ele era amigo dos pescadores, especialmente de Simão Pedro. Mesmo assim, ele desafia: “lancem suas redes em águas mais profundas”. Dizer isto equivale dizer: “Esqueçam a experiência de ontem”. Para nós esta frase pode ser muito instigante. “Esqueçam a experiência de ontem” – também na igreja, a experiência tornou-se um bem relativo. No mundo de hoje, no qual o conhecimento humano duplica a cada dois anos, na verdade, ninguém tem “experiência”. Estamos continuamente, diariamente, aprendendo a lidar com novas e inusitadas situações. Este, aliás, é o significado do termo “mathetés”, “discípulo”: aquele que aprende constantemente. Somos uma igreja de discípulos e discípulas dispostas ao constante aprendizado? Penso que um dos pontos mais complicados e doloridos deste tema é dispor-se a desaprender o que algum dia já deu resultados, mas que hoje tornou-se obsoleto e infrutífero.

Imagino como esta história teria acabado se Pedro tivesse respondido com uma frase típica entre nós: “Não, mestre. Isto não vai dar certo!” Apesar da experiência contrária e da frustração recente, ele responde como discípulo:

V. 5. 5-6 – “Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei as redes. Isto fazendo, apanharam grande quantidade de peixes; e rompiam-se-lhes as redes.”

Pedro abdica de sua experiência de pescador veterano – e obedece a ordem do mestre. O que acontece aqui antecipa de forma simbólica toda a experiência missionária da igreja. Somente “sob a tua palavra” podemos esperar frutos, podemos esperar milagres operados pelo Senhor da igreja. A fidelidade de Deus se experimenta na obediência, na perseverança.

Ainda haveria muitos aspectos interessantes neste texto a serem meditados. Devido à exigüidade do tempo temos que nos limitar a estes 5 versículos. Proponho que continuemos esta meditação individualmente em outro momento. Deixamos esta história dos evangelhos ressoar em nós.

Perspectivas para o futuro da IECLB

Iluminados e inspirados pelo texto do evangelho, partimos para a reflexão sobre alguns dos principais desafios atuais da IECLB.

O desafio da sustentabilidade

Defino sustentabilidade como a capacidade de um sistema de criar as condições favoráveis para sua sobrevivência e desenvolvimento no presente e no futuro, evitando o esgotamento ou a sobrecarga dos recursos que o mantém.

A história do conceito da sustentabilidade liga-se à preocupação crescente em alcançar o equilíbrio entre atividade econômica, meio ambiente e bem-estar da humanidade. A idéia do desenvolvimento sustentável é promover a harmonia entre essas partes de modo a melhorar a qualidade de vida das populações, equilibrar o desenvolvimento socioeconômico entre os países, preservar e conservar o meio ambiente e controlar recursos naturais essenciais, como água e alimentos.

Não é de admirar que um conceito tão vital e prioritário acabasse influenciando também a administração e a gestão de organizações de todos os setores. Sustentabilidade - ou desenvolvimento sustentável - tornou-se rapidamente um conceito-chave para a administração de empresas e organizações. Repercutiu especialmente no gerenciamento de organizações da sociedade civil, o chamado terceiro setor, ao qual pertencem as ONGs, as fundações, associações, igrejas etc. É consenso que a sustentabilidade, ou seja, a realização de maneira sustentável da missão destas organizações, resulta do seu processo de desenvolvimento e fortalecimento institucional.

Segundo o sociólogo Domingos Armani , existem alguns parâmetros que podem ser usados como eixos de análise sobre o grau do desenvolvimento institucional e de sustentabilidade: base social, legitimidade e relevância da missão; autonomia e credibilidade; compatibilidade entre o nível da receita e as necessidades da organização; organização do trabalho e gestão democrática e eficiente; quadro de recursos humanos adequados; sistema de planejamento, monitoramento e avaliação (PMA) participativo e eficiente; capacidade de produção e sistematização de informações e conhecimentos; poder para influenciar processos sociais e políticas públicas; capacidade para estabelecer parcerias e ações conjuntas; e eu ainda acrescento: agilidade na comunicação interna e externa; transparência absoluta na prestação de contas junto aos doadores de recursos.

Penso que seria um exercício interessante aplicar estes parâmetros à IECLB, aos sínodos, instituições, setores de trabalho, movimentos, paróquias e comunidades. Teríamos bem mais clareza acerca de nossos pontos fortes e de nossas carências e, em todo caso, poderíamos estabelecer uma agenda de trabalho para nosso desenvolvimento e fortalecimento institucional.

É preciso tomar consciência, porém, de que este tema sempre encontra resistências no contexto da teologia luterana. A primeira vista, na teologia luterana há pouco espaço para o tema da sustentabilidade. Para ela, o que cria e sustenta a igreja não está à disposição, não é manipulável nem gerenciável; A sustentabilidade da igreja vincula-se à ação do Espírito que cria fé e comunidade ali onde a palavra é pregada e os sacramentos administrados, “onde e quando aprouver a Deus”, diz a Confissão de Augsburgo em seu artigo V. Cedo, porém, os Reformadores realizaram ações visando a sustentabilidade da igreja nascente. As visitações realizadas nos anos de 1527 a 1529, por exemplo, além de sedimentar a doutrina, tinham a função de organizar a sobrevivência material de paróquias, pastores e professores. Já nos anos seguintes, a sustentabilidade da igreja evangélica-luterana foi garantida por príncipes territoriais e governos nacionais, modelo que na Europa se manteve estável ao longo da história. Apenas com o transplante do luteranismo para o Novo Mundo, surgiram novas concepções de sustentabilidade, adaptadas ao novo contexto e situação. A preocupação com a sustentabilidade tornou-se tarefa permanente das Igrejas Luteranas da região em recriarem seus modelos de sobrevivência e desenvolvimento institucional.

Apesar de que no espaço desta exposição não seja possível aprofundar mais o tema, eu gostaria de destacar três aspectos importantes para o encaminhamento prático:

• É urgente a pergunta pela efetividade missionária e pela viabilidade financeira de nossas estruturas eclesiásticas nos seus diferentes níveis. A velha pergunta – que igreja somos, podemos, devemos ser – continua relevante. Inspirados e animados pelas imagens e visões do ser igreja no Novo Testamento será possível construir uma igreja que, ao mesmo tempo, seja caracterizada pela alta qualidade de sua vida comunitária, pela inequívoca identidade confessional e pela prática da missão integral. Portanto, o tema da sustentabilidade, não se esgota em uma estratégia de captação de recursos, mas necessita estar embasado numa consistente concepção de desenvolvimento de igreja que contemple de forma equilibrada os aspectos fundamentais do ser igreja: martyria, diakonia, koinonia e leitourgia.

• Atualmente, na busca por sustentabilidade e desenvolvimento institucional, organizações de todos os setores são desafiadas a utilizar a ferramenta do planejamento estratégico, ou seja, o sistema de planejamento, monitoramento e avaliação (PMA). As igrejas, enquanto organizações da sociedade civil, também podem valer-se desta metodologia para promover crescimento quantitativo e qualitativo. O planejamento estratégico possibilita à igreja a tomada de medidas positivas tanto para enfrentar ameaças quanto para aproveitar as oportunidades em seu ambiente. Onde existe planejamento a médio e longo prazo, existe a concentração e a aplicação eficaz de todas as possibilidades que a igreja dispõe, facilitando que ela alcance seus objetivos e colabore de forma eficaz com a missão de Deus no mundo. Também na igreja, o desenvolvimento institucional contínuo depende da promoção de uma cultura do planejamento. À primeira vista, um planejamento estratégico pode parecer interessante apenas para empresas e instituições seculares. Na Igreja, lidamos com “produtos” não mensuráveis, como a fé, o amor, a esperança. E estes, na verdade, são frutos da ação divina, do Espírito de Deus, e não de nossas estratégias e planos. Mesmo assim, temos várias indicações de que o planejamento também é conhecido e valorizado na Bíblia. Assim, Moisés recebe o conselho de seu sogro Jetro para organizar melhor o atendimento ao povo em Êxodo 18. Em Eclesiastes 10.10, ouvimos o sábio conselho: “Se você deixa o machado perder o corte e não o afia, terá de trabalhar muito mais. É mais inteligente planejar antes de agir” (BLH). Jesus, ao falar sobre o discipulado em Mateus 14, recomenda calcular exatamente os custos de tal empreitada e os desdobramentos futuros: “Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para concluir?” (...) Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil?” O Apóstolo Paulo, por sua vez, lista entre os carismas da comunidade neotestamentária o dom da “kybérnesis”, - originalmente a “arte de pilotar ou dirigir um navio”. Trata-se do dom do “governo” (1 Co 12.28) ou da “direção” da comunidade. Para se dirigir um navio nos tempos do Novo Testamento era preciso muita habilidade, conhecimento e capacidade de planejamento. A navegação precisava ser cuidadosamente planejada. Primordial era o conhecimento do mar, dos relevos da costa, da orientação astronômica, do aproveitamento estratégico dos ventos e das correntes marítimas. Tudo isto visando alcançar com segurança o porto de destino. Não por acaso o “navio” ou o “barco” tornou-se o símbolo da igreja (cf. Mt 8.23-27; 14.22-33; HPD 98). Dirigir o navio chamado Igreja, assumir a tarefa da liderança eclesiástica, é assumir a responsabilidade pelo planejamento criterioso e pela navegação segura do povo de Deus rumo ao seu futuro eterno.

• Uma estratégia eficaz de desenvolver a auto-sustentabilidade da igreja, igualmente, é a promoção persistente e contínua da mordomia cristã. Determinante para o programa de mordomia é a convicção de que os dons individuais, os bens materiais e o tempo nada mais são do que propriedade de Deus confiada aos seres humanos. A estes cabe a tarefa de administrar esta propriedade divina de acordo com a vontade de Deus, colaborando com sua missão neste mundo. Promovida pela Federação Luterana Mundial a partir da década de 50 do século passado e exercitada na IECLB com muito êxito na década seguinte, a concepção de mordomia necessita ser reavaliada como instrumento útil para o fomento da fé que em gratidão também se expressa através do compromisso financeiro. É sinal de esperança que em todos os sínodos estejam surgindo iniciativas em tordo do tema “fé, gratidão e compromisso”. Eu gostaria, porém, de chamar atenção para alguns perigos que percebo no tratamento do tema: ele não pode ser apenas objeto de reflexão cognitiva seguido por um apelo moral em favor da contribuição. 1) Ou o tema atinge o coração de nossos membros ou teremos mais uma frustração a contabilizar. Tratar de “fé, gratidão e compromisso” é evangelizar a partir do primeiro artigo. 2) Igualmente, urge a elaboração de um projeto coordenado que contemple teologia, materiais, treinamento, métodos etc – sem isto o tema não terá impacto. 3) Importantíssimo fator pedagógico é conectar a disposição de doar e contribuir com projetos de missionários e diaconais. Lembro que todo o movimento da mordomia cristã na América do Norte nasceu do envolvimento com projetos missionários. Apenas num segundo momento ele foi canalizado também para a sustentabilidade das igrejas. Se em nossas grandes paróquias o tema for direcionado apenas para estabilizar orçamentos ordinários, ele terá um resultado frustrante. A perspectiva tem que ser outra: a IECLB necessita de mais recursos financeiros para alcançar a auto-sustentabilidade de seus projetos missionários, diaconais, educacionais etc; igualmente para garantir a sobrevivência de nossas pequenas paróquias no norte, no nordeste e no centro do país; igualmente para assumir uma parcela mais significativa no apoio financeiro a igrejas luteranas irmãs da América Latina. Na questão da sustentabilidade o êxito, ou melhor, a bênção, depende da disposição de lançar a rede para além da própria sombra.


O desafio do crescimento quantitativo e qualitativo

A IECLB, como um todo, não cresce como desejado. Em algumas áreas, inclusive, estagnou ou decresce. Em outras, nota-se algum crescimento, incluídos aqui os projetos missionários e outras iniciativas motivadas pelo PAMI. Em julho deste ano, o Fórum de Missão tratou exaustivamente do assunto e sua documentação dá uma visão ampla de como na IECLB se entende e se desenvolve missão. Fato alentador é que a preocupação com a irradiação missionária chegou a todos os rincões da IECLB. Tornou-se consenso que a IECLB deve sim ser igreja missionária e que cada membro, cada comunidade, paróquia, sínodo devem o testemunho missionário ao seu contexto. Compreendeu-se, igualmente, que a missão não pode ser terceirizada ou delegada a especialistas. Missão é a própria existência da igreja.

O nó crítico da missão da IECLB, porém, permanece sendo o desafio do desenvolvimento e do crescimento quantitativo e qualitativo de suas comunidades e paróquias – isto apesar do instigante slogan do PAMI: “Nenhuma comunidade sem missão – nenhuma missão sem comunidade”. Percebo aqui um claro descompasso na reflexão acerca da missão. Temos sido eficazes em articular as bases teológicas da missão, em fomentar e executar projetos missionários exemplares de missão integral e contextual. Falta-nos, no entanto, a concepção e a visão para o crescimento quantitativo e qualitativo de nossas comunidades e paróquias. As poucas visões que temos não são compartilhadas – esbarram nos limites e rivalidades existentes entre sínodos, movimentos, instituições. Considero urgente a realização de um fórum nacional para trocar experiências, para refletir acerca das concepções eclesiológicas e modelos ministeriais vigentes, para construir um projeto comum adaptável aos diferentes contextos.

Se quisermos, de fato, promover um processo de desenvolvimento capaz de viabilizar crescimento quantitativo e qualitativo de nossas paróquias e comunidades, será necessário, antes de tudo, qualificar cada um dos aspectos fundamentais da vida comunitária e eclesiástica.

Uma das definições mais completas dos aspectos de perfazem a missão da igreja nos foi legada pelo Conselho Mundial de Igrejas. No contexto da discussão sobre as estruturas missionárias das igrejas na década de 60 do século passado, estabeleceu-se que a igreja participa da missão de Deus neste mundo promovendo martyria – o testemunho do evangelho, koinonia – a comunhão dos que vivem a partir evangelho, diakonia – o serviço ao próximo e à sociedade, leitourgia – o louvor e a celebração do amor de Deus. Estes aspectos são parâmetros a partir dos quais podemos aferir a qualidade de nossa vida comunitária. É na realização equilibrada e perseverante destes aspectos que podemos esperar crescimento quantitativo. “Lançar a rede em águas mais profundas” em cada um destes aspectos será decisivo para o bom futuro da IECLB.

• “Lançar a rede em águas mais profundas” - o que significa isto para a martyria – o testemunho do evangelho? Significa expor o evangelho de forma elementar e criativa, motivando as pessoas – membros e não membros da IECLB - a uma resposta pessoal de fé à graça de Deus. O amor incondicional de Deus é o conteúdo de nossa evangelização. Importa investir em formas que comunicam o evangelho de forma efetiva para o mundo de hoje: cursos evangelísticos, espaços de reflexão que integrem fé e vida, utilização da mídia moderna, otimização da comunicação, incentivo e formação para a evangelização a partir dos relacionamentos.

• “Lançar a rede em águas mais profundas” – o que significa isto para o aspecto da koinonia – a vivência concreta do corpo de Cristo? Fé cristã, para poder se desenvolver, necessita da experiência da comunhão. O grande desafio é proporcionar, em nossa vida comunitária espaços de convivência e aceitação mútuas. Espaços onde a graça de Deus determine o relacionamento das pessoas, criando um clima positivo. A característica mais importante de um clima positivo é a valorização das pessoas. Trata-se de levar as pessoas a sério e respeitá-las em seus desejos, experiências e potencialidades, animá-las a contribuir voluntariamente com seu tempo, seus dons e bens. Comunidade que consegue incluir e valorizar membros e não membros possui alta atratividade e deverá crescer em número. O contrário também é válido – a comunidade marcada por conflitos, tensões, rupturas ou opressão deixará de ser atrativa – os membros irão se afastar e provavelmente deixar de contribuir. Comunidade com clima negativo estagna ou decresce.

• “Lançar a rede em águas mais profundas” – o que significa isto para o aspecto da Diakonia – o serviço ao próximo e à sociedade? A fé e a espiritualidade de matiz luterano desejam tornar-se ativas no amor (Gl 5.6). Estão predispostas à prática diaconal, à solidariedade voluntária, ao engajamento na missão de Deus, promovendo vida plena neste mundo. Assim, engajamento diaconal é um lugar privilegiado para a vivência do sacerdócio geral para o qual fomos ungidos por ocasião do batismo. O crescimento das comunidades e paróquias da IECLB dependerá em boa medida da relevância diaconal que possam conquistar na sociedade em que estão inseridos. Dependerá da disponibilidade para tornarem-se comunidade solidária e igreja para os outros. Grande relevância social tem hoje todo serviço ao próximo que se encontra em situação de sofrimento psíquico, espiritual, econômico, físico. Importa desenvolver sensibilidade para as necessidades e para as dores da sociedade, importa reconhecer o Cristo que jaz à minha porta (Lutero). Já temos uma boa quantidade de projetos diaconais disponíveis que podem acelerar a competência solidária de paróquias e comunidades.

• “Lançar a rede em águas mais profundas” – o que significa isto para o aspecto da Leitourgia – a celebração do amor de Deus? Em nenhum outro aspecto a IECLB avançou mais nas últimas décadas do que na renovação litúrgica. Cabe ainda avançarmos na compreensão e melhor elaboração dos elementos antropológicos do culto para que, de fato, se torne acontecimento dialogal e proporcione experiência de comunhão. A centralidade do culto na vida comunitária enquanto espaço onde os meios da graça divina são oferecidos é um postulado teológico que nem sempre encontra correspondência na prática comunitária. Cabe um alto investimento na formação litúrgica da comunidade, na música sacra, na qualidade comunicativa da prédica, na elaboração da liturgia para que o culto seja inspirador e transparente para o amor de Deus.

Testemunho – comunhão – serviço – louvor. É na constante qualificação deste aspectos básicos que promovemos nosso desenvolvimento e crescimento como igreja. O desafio maior da IECLB é ouvir a ordem de Jesus – “lancem as redes em águas mais profundas” – e responder como discípulos e discípulas – “apesar das dificuldades, sob a tua palavra lançaremos as redes”. Se o barco chamado IECLB se tornar disponível para a missão de Deus, então poderemos contar com a sua fidelidade, e, onde e quando aprouver a Deus, experimentar o milagre das redes repletas de suas bênçãos.

Gostaria de encerrar com uma poema de Lindolfo Weingärtner

Prática da Esperança

Uma canoa à beira da laguna.
Um velho pescador,
os pés firmados na popa,
lançando a tarrafa.
Há meia hora
que o estou observando.
É um senhor tarrafeador:
Em círculo perfeito
a rede cai sobre a água.

Ele espera,
enquanto a tarrafa afunda,
até que suas bordas,
pesadas de chumbo,
tocam o fundo lamacento.
Depois começa a puxar a corda,
cauteloso,
com mãos esperançosas,
ansiosas,
sentindo
se há vida na rede,
ou se vai ser outra esperança desfeita.

A rede está vazia.
Ele a sacode,
prepara o próximo lance.
Contei os arremessos:
Vinte e três vezes seguidas
ele lançou a tarrafa.
Vinte e três vezes
a tirou da água, vazia.

Ele sabe:
Há dias
em que é preciso lançar a rede,
contrariando as expectativas,
contrariando o bom senso -
vinte vezes,
cinqüenta vezes,
cem vezes -

Porque é preciso
lançar a rede,
ensaiando a esperança,
praticando a esperança -
porque deixar de lançá-la
seria o mesmo que desistir,
e desistir,
seria igual a morrer.

Prática da esperança:
Agradeço-te, velho pescador.
Teu trabalho não foi em vão.
Hoje eu necessitava desesperadamente
que alguém me desse
o recado
que me acabas de dar.
Eu o entendi.


Lindolfo Weingärtner

 


 


Autor(a): Paulo Butzke
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Concílio
Natureza do Texto: Apresentação
Perfil do Texto: Palestra - Debate
ID: 16207

AÇÃO CONJUNTA
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tema
vai_vem
pami
fe pecc

Assim como o Senhor perdoou vocês, perdoem uns aos outros.
Colossenses 3.13
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