Auxílios Homiléticos - Proclamar Libertação



ID: 2911

Salmo 118.14-29

Auxílio Homilético

28/04/2019

 

Prédica: Salmo 118.14-29
Leituras: João 20.26-31 e Apocalipse 1.4-8
Autoria: Nilton Giese
Data Litúrgica: 2° Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 28 de abril de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Celebrar a misericórdia do Senhor

1. Introdução

Por que celebrar? O que as celebrações trazem de novo, que outras atividades não podem trazer? Procuremos visualizar as seguintes situações:

– Num acampamento de sem-terra, cinquenta famílias estão se preparando para a ocupação de um terreno. Toda noite, reúnem-se em torno do cruzeiro no meio do acampamento. Oram e cantam. Ouvem a palavra de Deus. Imploram a ajuda do Senhor. Pedem força e coragem. Invocam sua bênção e sua presença.

– Num bairro da periferia de uma grande cidade, outras tantas famílias construíram seus barracos em mutirão. Depois de concluída a última casa, combinam uma celebração para agradecer a Deus que “deu” as casas.

– Outro dia, numa favela de Belo Horizonte, um grupo de prostitutas, algumas maltratadas e machucadas pela polícia, entrou na casa das irmãs vicentinas e disseram: “Irmã, reza para nós o Salmo 90!”. A irmã Ligia estranhou o pedido, mas fez o que lhe pediram. Enquanto lia o salmo, as moças comentavam tanto que quase nem deixavam a irmã fazer a leitura. Elas encontraram lá dentro o espelho do que estavam vivendo e sofrendo! No fim da leitura disseram: “Agora, irmã, reze de novo e a gente vai ficar quieta e escutar”. A irmã assim o fez. No fim, rezou com elas um Pai-Nosso. Terminando o Pai-Nosso, disseram: “Irmã, muito obrigada! A senhora nos ajudou demais!”. A irmã nada mais fez do que ler o salmo e permitir que elas comentassem. “... nos ajudou demais!”.

Cenas como essas nos lembram que, desde os tempos bíblicos, o povo de Deus faz uma leitura teologal dos fatos políticos e sociais.

2. Exegese

Os salmos não nasceram de poemas privados. O poeta solitário que comove o mundo é uma criação do romanticismo no final do século XVIII. Orações e cânticos na Bíblia cresceram a partir de uma preocupação com a vida do grupo.

Entre o povo de Israel, a adoração a Javé sempre era uma preocupação e um dever da família ou do clã. Essa constatação também vale para os bandos de seminômades que migravam entre o deserto e a terra cultivada. Os ritos religiosos efetuados dentro ou em prol da família/clã serviam para sustentar e proteger o próprio grupo. Os ritos aconteciam nos pontos altos da experiência humana (puberdade, casamento, maternidade, posse da liderança) e também nos momentos de angústia, em que a vida do grupo estava seriamente ameaçada (doenças e outras calamidades). Mas também podemos imaginar outros ritos, como agradecimentos, ações de graça, cumprimento de votos, expiações etc.

O Salmo 118 é um hino litúrgico que expressa gratidão a Deus por sua bondade e sua misericórdia. Deus trouxe o que as pessoas precisavam. A bondade e a misericórdia de Deus são expressas em seus versículos. O Salmo 118 confessa que a presença de Deus é quem sustenta as vitórias, as dificuldades e também as derrotas. Mas nem por isso as pessoas ficam de braços cruzados. O salmo expressa que as pessoas devem assumir com garra e coragem a parte que lhes cabe, em parceria com Deus.

O salmista diz que seu grupo/família/clã lutou contra as forças da morte que estão dentro e fora dele. Ele teve de lutar contra o medo, a tensão, a insegurança que estão dentro dele, assim como teve de lutar contra as forças da morte fora dele. Vencer essa dupla oposição só foi possível por causa da intervenção da justiça divina. E ele reconhece que a glória de Deus se manifesta neste mundo quando a vida é vitoriosa, apesar das ameaças das forças da morte. Quando a misericórdia de Deus se manifesta, é uma verdadeira festa.

O Salmo 118 celebra essa parceria entre Deus e seu povo. Gloria Dei, vivens homo – dizia Santo Irineu. Dom Oscar Romero traduziu Gloria Dei, vivens pauper. A glória de Deus é que o pobre viva, apesar da realidade cruel que ameaça e esmaga sua existência. Por isso todo trabalho, toda luta, todo esforço feito pela vida das pessoas excluídas é participação na glorificação de Deus. 

O que ocorreu nos tempos bíblicos ainda hoje acontece nas comunidades pobres. O cântico novo brota das lutas das camadas populares, mesmo contando com a participação de poetas de classes altas da sociedade. Quem canta a própria existência são as pessoas humildes.

Aqui na região Sudoeste, uma prática antiga e tradicional da história brasileira são os cantos de trabalho, principalmente no espaço rural. Oriundos de tradições musicais indígenas, mescladas com as influências europeias e africanas, os cantos de trabalho marcam os ritmos de trabalho, unificando ainda o trabalho coletivo e contribuindo para que se diminuísse a extenuação decorrente das longas jornadas de trabalho. Os cantos de trabalho demonstram uma solidariedade existente entre os trabalhadores e as trabalhadoras, principalmente nos trabalhos realizados em regime de mutirão, em que um grupo se unia para poder realizar alguma tarefa que fosse muito cansativa e difícil para uma única pessoa.

3. Meditação

Celebrar é ressaltar o significado – Celebrar é tornar célebre, é ressaltar o significado. O ser humano é um ser celebrante. Se tirássemos a celebração, perderíamos o significado da vida. Ninguém fica sem comemorar um aniversário, um casamento, os gols de seu time, a vitória de seu partido ou de seu candidato, a colheita, a morte. Através da celebração é como se quiséssemos segurar aqueles fatos entre as mãos.

Para celebrar é preciso trabalhar com ritos e mitos. Esses são um esquema de representação da própria realidade. Os ritos e os mitos expressam a visão que um determinado grupo tem da pessoa humana e do mundo, da história e da sociedade. Sem essa imagem feita de palavras, de objetos, de ações simbólicas, parece que não conseguimos vivenciar o significado do que estamos vivendo.

A celebração dramatiza e ritualiza em gestos e palavras, cantos e danças, aquilo que se crê. E a fé se alimenta dessa expressão simbólica. Tudo na liturgia é simbólico: o espaço, o tempo, as relações entre as pessoas, os objetos, os gestos, as palavras. Tudo se refere a uma realidade invisível, que se torna presente a nós mediante algo visível e palpável. Quem de nós não tem um objeto guardado com carinho (um lenço, uma aliança, uma foto, uma carta), que nos serve de ligação, de comunicação e de comunhão com uma pessoa querida? Os símbolos despertam e tornam presente uma realidade invisível, ausente, escondida. O símbolo nos permite entrar em contato com essa realidade e vivenciá-la.

Na ação litúrgica cristã, a realidade escondida é o Reino inaugurado na vida, morte e ressurreição de Jesus; são os novos céus e a nova terra, onde não haverá mais injustiça, nem luto, nem dor; é a vida plena, em abundância para todo o povo de Deus. É a força de vida que vence as forças internas e externas da morte.

Por isso a celebração litúrgica não pode ficar no nível de uma ação técnica, funcional. Não se pode acender o círio pascal ou as velas sobre o altar da mesma maneira que se acende um fogão. O pão e o vinho usados na Santa Ceia, a água usada no batismo, o óleo usado na unção não são objetos sagrados em si, mas fazem referência à presença de Jesus Cristo entre nós. Por isso a liturgia e os símbolos usados no culto somente têm sentido se através deles ficamos mais ligados ao Senhor.

Celebrar a misericórdia do Senhor (Misericordias Domini) – No Antigo Testamento, Deus é considerado “misericordioso e compassivo”. Também no islã o título “Misericordiosíssimo” (al-Rahman) e Compassivo (al-Rahim), referências de Alá, são os nomes mais comuns que ocorrem no Alcorão.

Misericórdia é um sentimento de compaixão, despertado pela desgraça ou pela miséria alheia. A expressão misericórdia tem origem latina: é formada pela junção de miserere/miserator (ter compaixão), e cor/cordis (coração).

A ênfase na misericórdia também aparece em numerosas partes do Novo Testamento, por exemplo, nas bem-aventuranças, em Mateus 5.7: Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. A parábola do filho pródigo (Lc 15.11-32) tornou-se um tema importante sobre a extensão da misericórdia divina para os outros. Em Efésios 2.4-5, o apóstolo Paulo refere-se à misericórdia de Deus em termos de salvação: Mas Deus, sendo rico em misericórdia pela sua grande caridade com que nos amou, mesmo quando estávamos mortos pelos nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos).

As 14 obras de misericórdia – As obras de misericórdia (sete corporais e sete espirituais) são parte das tradições católica e ortodoxas orientais. Estes 14 preceitos devem ser seguidos por seus fiéis.

As sete ações corporais são: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, vestir os presos e enterrar os mortos.

As outras sete obras se referem a ações espirituais: dar bom conselho, ensinar os que não sabem, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, ser tolerante com as fraquezas do nosso próximo e rogar a Deus por todos os necessitados.

Já desde o século III, a passagem da época quaresmal para a época pascal era marcada pela alegria pascal. Os seis domingos depois da Páscoa – até o domingo de Pentecostes – deveriam expressar a alegria e o significado do “Cristo ressuscitou!”. Por isso, nas igrejas luteranas, o segundo domingo depois da Páscoa é chamado de Misericórdias do Senhor. Nesse domingo, somos lembrados da misericórdia de Deus por nós e pela criação e somos chamados a lembrar das 14 obras de misericórdia. Cristo ressuscitou – Aleluia! Mas o que esse Cristo ressuscitado espera de nós? As 14 obras de misericórdia são uma resposta para reafirmar a aliança que Deus faz com o seu novo povo, a partir de Jesus Cristo.

Sugestões para a prédica e o gesto litúrgico – O Salmo 118 celebra a presença de Deus que possibilita a vitória sobre as forças (internas e externas) que ameaçam a vida. Sugiro refletir com a comunidade sobre essas forças (internas e externas) que ameaçam a vida da comunidade. Por que elas surgem? Deixar que as pessoas se manifestem livremente.

O Salmo 118 convida-nos a celebrar a presença libertadora de Deus e a reconhecer que essa celebração somente é possível porque a justiça divina venceu as forças da morte. Sugiro, portanto, que a pregação destaque a presença libertadora de Deus e a importância de celebrar a vitória da vida sobre as forças do mal. Sugiro também ter o cuidado para não considerar a diversidade de opiniões como algo mau. A diversidade é uma bênção de Deus se soubermos usá-la a serviço do amor de Deus. Por isso sugiro apresentar as 14 obras de misericórdia com uma provocação para a comunidade. O desafio é que nesse tempo pós-pascal até o dia de Pentecostes tratemos de viver as 14 obras de misericórdia. No entanto, devemos deixar bem claro que praticar as 14 obras de misericórdia é nossa maneira de agradecer a Deus por sua presença libertadora entre nós.

4. Recursos litúrgicos

Confissão de pecados

Senhor Jesus Cristo, em nossos hinos e orações te adoramos e confessamos que tu és o Senhor da vida, vencedor sobre todos os poderes deste mundo, criador e salvador de tua comunidade. Mas na vida do dia a dia nos invadem sentimentos de culpa e de dúvida sobre a certeza do teu poder. Vivemos num mundo cheio de insegurança, e algumas vozes nos dizem que a segurança é mais importante que a liberdade. Ajuda-nos com tua Palavra a discernir o que tu dizes diante das nossas dúvidas. Tem piedade de nós, Senhor!

Absolvição

Deus está atento à nossa oração e através de Jesus Cristo vem ao nosso encontro para nos dizer: Os que esperam no Senhor, renovam as suas forças. Pois no Senhor há misericórdia. Nele há copiosa redenção (Is 40.31). Desta maneira, por ordem de nosso Senhor Jesus Cristo, anuncio a todas as pessoas com o coração angustiado e arrependido o perdão dos seus pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Oração do dia

Cria em mim, ó Deus, um coração novo e dá-me um espírito novo (Sl 51.12).
Quando eu estiver solitário, cria em mim um coração alegre que sinta a tua presença.
Quando eu estiver esgotado, cria em mim um coração esperançoso que me lembre do sentido de minha vida.
Quando eu estiver sofrendo, cria em mim um coração paciente que carregue o fardo com quietude.
Quando eu estiver sendo tentado, cria em mim um coração firme que lute contra a tentação.
Quando eu tiver caído, cria em mim um coração confiante que receba o teu perdão.
Quando eu tiver sido abençoado com bens, cria em mim um coração agradecido e generoso que sabe repartir as tuas dádivas.
Quando eu estiver reunido com amigos(as), cria em mim um coração sensível que consiga dar testemunho do teu Evangelho. Amém.
(Johnson Gnanabaranam)

Oração geral da igreja

Graças te damos, Senhor Jesus Cristo, porque tu és o Senhor no céu e na terra. Tu vieste ao mundo para dizer que o céu não é um lugar distante, além das nuvens e das estrelas. Mas o céu é lá onde tu estás presente. O céu é lá onde sentimos a tua mão estendida diante de nós, onde te sentimos perto de nós nos momentos de angústia e aflição. Teu céu é aqui na terra quando lutamos contra o sofrimento e os poderes da morte. Teu céu é aqui na terra quando vivemos em solidariedade. Ajuda-nos a viver sinais desse teu céu com as 14 obras de misericórdia. Tu tens sido sempre bondoso e misericordioso conosco. Dá que nós também sejamos assim. Que possamos mostrar nossa gratidão pelo teu amor e tua misericórdia, sendo nós também bondosos e misericordiosos. Acompanha-nos, Senhor, nesta semana. Dá-nos a confiança que tu estarás conosco. Faze-nos mensageiros do teu amor diante das situações difíceis. Dá-nos, Senhor, a tua bênção.
Pai nosso...

Bênção

O Senhor te abençoe.
Ele encha teus pés com dança e teus braços com força solidária.
Ele abra teus olhos para enxergares o mundo.
Ele encha teus ouvidos com música.
Ele sopre em tuas narinas o sopro de vida renovada.
Ele coloque em tua boca palavras de júbilo e em teu coração alegria.
Ele te dê ânimo e sabedoria para seres um reflexo da esperança.
Ele te guarde em seu imenso amor.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.


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Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50286

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