Lutero - Reforma: 500 anos
O tema proposto para a nossa reflexão é altamente estimulante e desafiante. Viver como Cristo viveu ou agir como Cristo agiu são questões que desafiam a nossa imaginação e nos estimulam à vivência prática da fé cristã. Muitos dedicam-se a esta tarefa com todo o empenho possível e, com esforço sobrehumano, se lançam à tentativa de alcançar o padrão de Cristo. Afinal, a vida de Jesus foi de tal impacto que muitos olham para ele como um grande mestre, cujos ensinamentos devem ser seguidos e cuja vida deve ser imitada. Assim, ainda hoje, muitos vivem tentando imitá-lo em suas condutas e atitudes na busca de uma vida ilibada e moralmente inquestionável.
Imitação barata
Esta abordagem, tendo Jesus como mero modelo a ser imitado, costuma ser desastrosa. Em lugar algum no Novo Testamento, encontramos uma única recomendação no sentido de sermos tão somente imitadores de Cristo. A fé cristã não se resume a simplesmente repetirmos ou reproduzirmos os feitos de Jesus ou a sua conduta ética. Tal abordagem costuma redundar em uma vida baseada em obras realizadas pelo esforço humano e com elas não conseguiremos agradar a Deus.
É comparável à tentativa de alguns garotos que se empenham exaustivamente em infindáveis treinos e aprendizagem de técnicas futebolísticas com o intuito de reproduzirem os lances e jogadas geniais do seu ídolo, como o Neymar e outros, por exemplo. Esta tentativa sempre será frustrante, pois nunca passará de uma mera imitação – por melhor que seja. Só haveria uma possibilidade de resolver isso. Seria necessário este ‘ídolo’ entrar na vida do garoto e dirigir os seus pensamentos, as suas atitudes, as suas ações e as suas reações de tal forma que todo o seu ser fosse controlado pelo ‘espírito do ídolo’. Então, imitá-lo já não demandaria mais um enorme esforço, mas, tão somente, uma percepção aguçada da jogada a ser realizada, que se manifestaria em seu próprio interior.
Pela Graça de Deus, livres para agir
É claro que o exemplo do jogador de futebol é uma mera suposição, sem qualquer possibilidade de ser realizada. Contudo, o exemplo pode nos ajudar a colocar o nosso tema na perspectiva correta. Se desconsiderarmos a dimensão da Graça de Deus no quesito de ‘agirmos como Cristo’, reduziremos tudo a um mero esforço humano (obra humana), o que jamais se equipararia ao padrão de Jesus. O pano de fundo para todo o nosso ser e agir é a preciosa Graça de Deus, plenamente revelada em Cristo e por nós recebida pela fé nele.
Como seres caídos e marcados pelo pecado – que se opõe diametralmente à soberana e perfeita vontade de Deus – somos pessoas altamente egoístas. O nosso foco é sempre priorizar a nossa própria vontade em todas as áreas em detrimento da vontade do Senhor e do consequente cuidado pelo próximo. É algo quase instintivo, semelhante ao garoto que deverá fazer um enorme esforço para vencer o seu jeito pessoal de ser e de jogar futebol a fim de impor o perfil do seu ídolo, a quem pretende imitar. Portanto, agir como Cristo é algo humanamente impossível para nós, por maiores que sejam o nosso esforço e o nosso empenho.
Esta tentativa equivale-se a alcançarmos a justiça própria mediante a mera observância da Lei de Deus. É impossível cumpri-la com a perfeição e a integralidade demandadas pela própria Lei e com a qual Jesus Cristo mesmo a cumpriu. Ao se aproximar de João Batista para ser batizado, João queria impedi-lo, argumentando que era ele mesmo que precisava ser batizado por Jesus e não o contrário. A isto, Jesus respondeu: Deixe assim, por enquanto; convém que assim façamos, para cumprir toda a justiça (Mateus 3.15). É isso mesmo, cada detalhe da Lei de Deus tem o seu cumprimento em Cristo Jesus. Como poderíamos, em nossa limitação e fi nitude, simplesmente agir no padrão de Cristo?
A única forma de não mais satisfazermos os desejos egoístas da nossa carne, mas termos uma vida marcada pelo caráter de Cristo, é viver pelo Espírito Santo. Então, sim, o fruto do Espírito, que é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, delidade, mansidão e domínio próprio – marcas determinantes do caráter e do agir de Cristo – também determinarão o nosso ser e o nosso agir.
Novas criaturas em Cristo
Agir como Cristo é, portanto, um projeto viável e possível somente para aqueles que o receberam pela fé. Como o próprio apóstolo Paulo afirma: Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas (2Coríntios 5.17). No diálogo com Nicodemos, Jesus mesmo mencionou a absoluta necessidade de ‘nascermos de novo’ se quisermos vislumbrar o Reino de Deus. Afinal, o que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito (João 3.6), ou seja, sem que o Espírito de Cristo habite em nosso coração por meio da fé nele, estaremos por conta própria. A vontade da nossa carne, altamente determinada pelo nosso egoísmo e que nos coloca no centro do universo, irá se sobrepor à vontade de Deus, que foi plenamente espelhada na vida de Cristo e que é, por excelência, ‘outrocêntrica’.
Certa feita, abordado pelos judeus por causa de uma cura realizada no sábado, Jesus, entre outros argumentos, disse: Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz. Pois o Pai ama ao Filho e lhe mostrou tudo o que faz (João 5.19s.). No mesmo diálogo, um pouco mais adiante, Jesus segue com o seu argumento, dizendo: Por mim mesmo, nada posso fazer; eu julgo apenas conforme ouço, e o meu julgamento é justo, pois não procuro agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou (João 5.30).
Portanto, agir como Cristo não é um mero projeto de imitação das suas atitudes e do seu estilo de vida. Assim como Jesus mesmo agia completamente dirigido pela vontade do Pai - e isso não só era possível como era também a razão da sua existência - assim também nós só poderemos agir como Cristo se a nossa vida estiver sob a direção e a autoridade do Espírito Santo de Deus.
Guiados pelo Espírito a agirmos como Cristo
Jesus veio, sim, para nos salvar do pecado e da consequente morte de abrangência presente e futura, eterna, mas Jesus não deve ser apenas o nosso Salvador – mesmo que isso fosse mais que suficiente. Devemos perceber que Jesus igualmente nos capacita para vivermos a vida que Deus planejou para nós. A maneira que Ele faz isso é concedendo-nos o Seu Santo Espírito que jorra em e através da nossa vida como uma fonte que nunca seca
No diálogo com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó, Jesus lhe disse: Quem beber desta água terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna (João 4.13s.). O Espírito Santo, o Espírito do próprio Cristo, é a fonte da qual Jesus falou, que jorra em nós para o resto de nossas vidas. O evangelista João diz explicitamente que Jesus se referia ao Espírito Santo ao afirmar que rios de água viva fluirão do interior daqueles que vão a Cristo e dele bebem, que nele creem (ver João 7.37-39).
Por que, afi nal, o Espírito Santo é tão importante, na verdade, indispensável em nosso viver como cristãos? Simplesmente porque o Espírito Santo é Deus conosco. Ele é o meio pelo qual Deus partilha a si mesmo conosco. Deus nos enche do seu Santo Espírito a fim de nos ajudar a sermos muito mais do que somos capazes de ser por conta própria. Lembra do garoto tentando, com todo o seu empenho, ser igual ao seu ídolo de futebol? Pois é, não é diferente com a nossa tentativa de agirmos como Cristo. Por nós mesmos, isso nos é impossível. É aqui que entra o Espírito de Cristo. Ele possui incontáveis dádivas com as quais nos quer presentear a fim de sermos como Cristo: poder e força, verdade e entendimento, sabedoria e revelação, amor e esperança, e muito mais.
Quando somos habitados pelo Espírito Santo pela fé em Cristo, a fonte do poder de Deus, o mesmo que atuou em plenitude na vida de Jesus, reside também em nós. Deus pode fazer muito mais em sua vida do que você jamais sonhou ser possível, pois o poder do Espírito dele está agora agindo em você.
Guiados pelo Espírito Santo
Quando somos habitados pelo Espírito Santo pela fé em Cristo, a fonte do poder de Deus, o mesmo que atuou em plenitude na vida de Jesus, reside também em nós. Deus pode fazer muito mais em sua vida do que você jamais sonhou ser possível, pois o poder do Espírito dele está agora agindo em você. Deus não quer que apenas creiamos na sua existência e vivamos como parasitas que sugam a força vital do seu hospedeiro para a própria sobrevivência. O que Deus deseja é que tenhamos um relacionamento pautado pelo amor incondicional, desinteressado. Deus deseja que tenhamos com Ele um relacionamento vivo, ativo, dinâmico, explosivo – dunamis, é a palavra no Grego que descreve o poder do Espírito Santo em nós e de onde vem o termo ‘dinamite’ em Língua Portuguesa (ver, por exemplo, 1Tessalonicenses 1.5).
O Espírito Santo, portanto, tem o poder de mudar a nossa vida. É dele que vêm a força e o poder necessários para viver a vida que o Senhor deseja para cada um de nós. O apóstolo Paulo é incisivo e enfático ao afirmar que procurar viver por conta própria segundo a santa e perfeita vontade de Deus é o mesmo que separar-se de Cristo, é o mesmo que cair da graça (Gálatas 5.4). Na conclusão de Paulo, a única forma de não mais satisfazermos os desejos egoístas da nossa carne, mas termos uma vida marcada pelo caráter de Jesus Cristo, é viver pelo Espírito Santo. Então, sim, o fruto do Espírito, que é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio – marcas determinantes do caráter e do agir de Cristo – também determinarão o nosso ser e o nosso agir, ou seja, os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito (Gálatas 5.24s).
P. Jacson Homero Eberhardt, formado em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, é Pastor Sinodal do Sínodo Centro-Sul Catarinense (no momento, afastado para tratamento de saúde).