Jornal Evangélico Luterano

Ano 2016 | número 796

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 22:55

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   O tema proposto para a nossa reflexão é altamente estimulante e desafiante. Viver como Cristo viveu ou agir como Cristo agiu são questões que desafiam a nossa imaginação e nos estimulam à vivência prática da fé cristã. Muitos dedicam-se a esta tarefa com todo o empenho possível e, com esforço sobrehumano, se lançam à tentativa de alcançar o padrão de Cristo. Afinal, a vida de Jesus foi de tal impacto que muitos olham para ele como um grande mestre, cujos ensinamentos devem ser seguidos e cuja vida deve ser imitada. Assim, ainda hoje, muitos vivem tentando imitá-lo em suas condutas e atitudes na busca de uma vida ilibada e moralmente inquestionável.

Imitação barata

   Esta abordagem, tendo Jesus como mero modelo a ser imitado, costuma ser desastrosa. Em lugar algum no Novo Testamento, encontramos uma única recomendação no sentido de sermos tão somente imitadores de Cristo. A fé cristã não se resume a simplesmente repetirmos ou reproduzirmos os feitos de Jesus ou a sua conduta ética. Tal abordagem costuma redundar em uma vida baseada em obras realizadas pelo esforço humano e com elas não conseguiremos agradar a Deus.

   É comparável à tentativa de alguns garotos que se empenham exaustivamente em infindáveis treinos e aprendizagem de técnicas futebolísticas com o intuito de reproduzirem os lances e jogadas geniais do seu ídolo, como o Neymar e outros, por exemplo. Esta tentativa sempre será frustrante, pois nunca passará de uma mera imitação – por melhor que seja. Só haveria uma possibilidade de resolver isso. Seria necessário este ‘ídolo’ entrar na vida do garoto e dirigir os seus pensamentos, as suas atitudes, as suas ações e as suas reações de tal forma que todo o seu ser fosse controlado pelo ‘espírito do ídolo’. Então, imitá-lo já não demandaria mais um enorme esforço, mas, tão somente, uma percepção aguçada da jogada a ser realizada, que se manifestaria em seu próprio interior.

Pela Graça de Deus, livres para agir

   É claro que o exemplo do jogador de futebol é uma mera suposição, sem qualquer possibilidade de ser realizada. Contudo, o exemplo pode nos ajudar a colocar o nosso tema na perspectiva correta. Se desconsiderarmos a dimensão da Graça de Deus no quesito de ‘agirmos como Cristo’, reduziremos tudo a um mero esforço humano (obra humana), o que jamais se equipararia ao padrão de Jesus. O pano de fundo para todo o nosso ser e agir é a preciosa Graça de Deus, plenamente revelada em Cristo e por nós recebida pela fé nele.

   Como seres caídos e marcados pelo pecado – que se opõe diametralmente à soberana e perfeita vontade de Deus – somos pessoas altamente egoístas. O nosso foco é sempre priorizar a nossa própria vontade em todas as áreas em detrimento da vontade do Senhor e do consequente cuidado pelo próximo. É algo quase instintivo, semelhante ao garoto que deverá fazer um enorme esforço para vencer o seu jeito pessoal de ser e de jogar futebol a fim de impor o perfil do seu ídolo, a quem pretende imitar. Portanto, agir como Cristo é algo humanamente impossível para nós, por maiores que sejam o nosso esforço e o nosso empenho.

   Esta tentativa equivale-se a alcançarmos a justiça própria mediante a mera observância da Lei de Deus. É impossível cumpri-la com a perfeição e a integralidade demandadas pela própria Lei e com a qual Jesus Cristo mesmo a cumpriu. Ao se aproximar de João Batista para ser batizado, João queria impedi-lo, argumentando que era ele mesmo que precisava ser batizado por Jesus e não o contrário. A isto, Jesus respondeu: Deixe assim, por enquanto; convém que assim façamos, para cumprir toda a justiça (Mateus 3.15). É isso mesmo, cada detalhe da Lei de Deus tem o seu cumprimento em Cristo Jesus. Como poderíamos, em nossa limitação e fi nitude, simplesmente agir no padrão de Cristo?

   A única forma de não mais satisfazermos os desejos egoístas da nossa carne, mas termos uma vida marcada pelo caráter de Cristo, é viver pelo Espírito Santo. Então, sim, o fruto do Espírito, que é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade,  delidade, mansidão e domínio próprio – marcas determinantes do caráter e do agir de Cristo – também determinarão o nosso ser e o nosso agir.

Novas criaturas em Cristo

   Agir como Cristo é, portanto, um projeto viável e possível somente para aqueles que o receberam pela fé. Como o próprio apóstolo Paulo afirma: Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas (2Coríntios 5.17). No diálogo com Nicodemos, Jesus mesmo mencionou a absoluta necessidade de ‘nascermos de novo’ se quisermos vislumbrar o Reino de Deus. Afinal, o que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito (João 3.6), ou seja, sem que o Espírito de Cristo habite em nosso coração por meio da fé nele, estaremos por conta própria. A vontade da nossa carne, altamente determinada pelo nosso egoísmo e que nos coloca no centro do universo, irá se sobrepor à vontade de Deus, que foi plenamente espelhada na vida de Cristo e que é, por excelência, ‘outrocêntrica’.

   Certa feita, abordado pelos judeus por causa de uma cura realizada no sábado, Jesus, entre outros argumentos, disse: Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz. Pois o Pai ama ao Filho e lhe mostrou tudo o que faz (João 5.19s.). No mesmo diálogo, um pouco mais adiante, Jesus segue com o seu argumento, dizendo: Por mim mesmo, nada posso fazer; eu julgo apenas conforme ouço, e o meu julgamento é justo, pois não procuro agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou (João 5.30). 

   Portanto, agir como Cristo não é um mero projeto de imitação das suas atitudes e do seu estilo de vida. Assim como Jesus mesmo agia completamente dirigido pela vontade do Pai - e isso não só era possível como era também a razão da sua existência - assim também nós só poderemos agir como Cristo se a nossa vida estiver sob a direção e a autoridade do Espírito Santo de Deus.

Guiados pelo Espírito a agirmos como Cristo

   Jesus veio, sim, para nos salvar do pecado e da consequente morte de abrangência presente e futura, eterna, mas Jesus não deve ser apenas o nosso Salvador – mesmo que isso fosse mais que suficiente. Devemos perceber que Jesus igualmente nos capacita para vivermos a vida que Deus planejou para nós. A maneira que Ele faz isso é concedendo-nos o Seu Santo Espírito que jorra em e através da nossa vida como uma fonte que nunca seca

   No diálogo com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó, Jesus lhe disse: Quem beber desta água terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna (João 4.13s.). O Espírito Santo, o Espírito do próprio Cristo, é a fonte da qual Jesus falou, que jorra em nós para o resto de nossas vidas. O evangelista João diz explicitamente que Jesus se referia ao Espírito Santo ao afirmar que rios de água viva fluirão do interior daqueles que vão a Cristo e dele bebem, que nele creem (ver João 7.37-39).

   Por que, afi nal, o Espírito Santo é tão importante, na verdade, indispensável em nosso viver como cristãos? Simplesmente porque o Espírito Santo é Deus conosco. Ele é o meio pelo qual Deus partilha a si mesmo conosco. Deus nos enche do seu Santo Espírito a fim de nos ajudar a sermos muito mais do que somos capazes de ser por conta própria. Lembra do garoto tentando, com todo o seu empenho, ser igual ao seu ídolo de futebol? Pois é, não é diferente com a nossa tentativa de agirmos como Cristo. Por nós mesmos, isso nos é impossível. É aqui que entra o Espírito de Cristo. Ele possui incontáveis dádivas com as quais nos quer presentear a fim de sermos como Cristo: poder e força, verdade e entendimento, sabedoria e revelação, amor e esperança, e muito mais.

   Quando somos habitados pelo Espírito Santo pela fé em Cristo, a fonte do poder de Deus, o mesmo que atuou em plenitude na vida de Jesus, reside também em nós. Deus pode fazer muito mais em sua vida do que você jamais sonhou ser possível, pois o poder do Espírito dele está agora agindo em você.

Guiados pelo Espírito Santo

   Quando somos habitados pelo Espírito Santo pela fé em Cristo, a fonte do poder de Deus, o mesmo que atuou em plenitude na vida de Jesus, reside também em nós. Deus pode fazer muito mais em sua vida do que você jamais sonhou ser possível, pois o poder do Espírito dele está agora agindo em você. Deus não quer que apenas creiamos na sua existência e vivamos como parasitas que sugam a força vital do seu hospedeiro para a própria sobrevivência. O que Deus deseja é que tenhamos um relacionamento pautado pelo amor incondicional, desinteressado. Deus deseja que tenhamos com Ele um relacionamento vivo, ativo, dinâmico, explosivo – dunamis, é a palavra no Grego que descreve o poder do Espírito Santo em nós e de onde vem o termo ‘dinamite’ em Língua Portuguesa (ver, por exemplo, 1Tessalonicenses 1.5).

   O Espírito Santo, portanto, tem o poder de mudar a nossa vida. É dele que vêm a força e o poder necessários para viver a vida que o Senhor deseja para cada um de nós. O apóstolo Paulo é incisivo e enfático ao afirmar que procurar viver por conta própria segundo a santa e perfeita vontade de Deus é o mesmo que separar-se de Cristo, é o mesmo que cair da graça (Gálatas 5.4). Na conclusão de Paulo, a única forma de não mais satisfazermos os desejos egoístas da nossa carne, mas termos uma vida marcada pelo caráter de Jesus Cristo, é viver pelo Espírito Santo. Então, sim, o fruto do Espírito, que é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio – marcas determinantes do caráter e do agir de Cristo – também determinarão o nosso ser e o nosso agir, ou seja, os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito (Gálatas 5.24s).

 

P. Jacson Homero Eberhardt

 

P. Jacson Homero Eberhardt, formado em Teologia pela Faculdades EST,  em São Leopoldo/RS, é Pastor Sinodal do Sínodo Centro-Sul Catarinense (no momento, afastado para tratamento de saúde).

 

 

 

 

 

 

 

Ultima edição

Edição impressa para folhear no computador


Baixar em PDF

Baixar em PDF


VEJA TODAS AS EDIÇÕES


Gestão Administrativa

Ser Igreja de Jesus Cristo em contexto de pandemia

Em perspectiva de balanço do ano que passou, compartilhamos, de forma adaptada e atualizada, partes da Carta Pastoral da Presidência, de Pastoras e Pastores Sinodais, publicada em agosto de 2020. A partir de março de 2020, passamos a conviver com a pandemia do Covid-19, (+)



Educação Cristã Contínua

Igreja que valoriza o Sacerdócio Geral (parte 3/3)

Desafios Com base nas atividades que estão sendo realizadas e considerando o cenário atual, a Coordenação de Educação Cristã (CEC) vislumbra os seguintes desafios para a efetivação da Meta Missionária 1 (Áreas de prioridade (+)

AÇÃO CONJUNTA
+
tema
vai_vem
pami
fe pecc
Tu és o meu Senhor. Outro bem não possuo, senão a ti somente.
Salmo 16.2
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br