Jornal Evangélico Luterano

Ano 2019 | número 825

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 18:15

Unidade

Série Especial Eu sou o SENHOR, teu Deus

 IECLB. A primeira edição foi em1976. Normalmente, o Tema é tratado pelo período de um ano. Alguns Temas conduziram a refl exão e a ação da Igreja por dois anos. Em 2019, mantemos o Tema do Ano de 2018, mas sob a luz de um novo Lema. Por quê?

Em 2018, apresentamos os motivos da escolha de Igreja – Economia - Política como Tema. Segundo Lutero, estas são as três Ordens da Criação de Deus. Recordamos do Texto-base de 2018:

Igreja (que ensina a Palavra de Deus), Economia (que organiza a produção e a distribuição justa dos meios de sustento da vida) e Política (que zela pela boa convivência humana) são os instrumentos que Deus usa para evidenciar quem Ele é e o que Ele quer.

A concepção de Lutero interligou âmbitos que eram considerados desiguais, separados e sobrepostos. Para o Reformador, Deus age mediante as três Ordens e todas as pessoas se colocam a serviço de Deus nas três Ordens. Esta é uma indicação importante para nós: cada pessoa é chamada a atuar com Deus nestes três âmbitos da vida.

Talvez a maior contribuição de Jesus para uma prática de paz nas diferentes dimensões dos relacionamentos humanos seja a sua insistência no perdão sem limites. Jesus disse para perdoar não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete.

O ensino de Lutero sobre as três Ordens da Criação se refere a um estado ideal que não existe mais. A natureza humana foi corrompida pelo pecado e, com isso, também as Ordens da Criação estão corrompidas. Ainda assim, todas elas permanecem sob a promessa de Deus e continuam sendo os âmbitos nos quais Deus atua.

O ser humano está inserido nas três Ordens da Criação. Mesmo que uma pessoa queira se retrair da dinâmica das Ordens, o que nelas acontece vai refletir em sua vida. Pela fé, apesar da nossa condição de pessoas pecadoras, atuamos nas três Ordens e por meio delas. A nossa ação pode ser compreendida como colaboração com Deus para o melhoramento do mundo. Isto também aponta a abrangência da fé cristã. Ela vai além do âmbito pessoal e do círculo da Comunidade. A pessoa cristã é, simultaneamente, cidadã.

Em 2018, tivemos a oportunidade de compreender a concepção luterana das Ordens da Criação. Em 2019, queremos avançar, identificando e indicando ações para o melhoramento do mundo por meio das três Ordens.

Na concepção luterana, o alvo da Economia e da Política [e de políticas] é a promoção do bem-estar das pessoas. Em seu comentário ao Magnificat, Lutero diz ser necessário que ‘governantes se deixem governar pela graça e ajuda de Deus, para o bem do povo. A qualidade de vida do povo evidenciará se o governante é governado ou não pela graça de Deus. [...] O bem-estar de muita gente depende de um príncipe tão importante, quando ele é governado pela graça de Deus. Por outro lado, dele depende a desgraça de muitos, quando ele se volta para si próprio e não é governado pela graça’. Diante dessa visão e considerando o novo Lema, a tarefa de governantes e de pessoas cidadãs, particularmente do povo de Deus, é promover a paz e o bem-estar de todas as pessoas. Para isso, é preciso compreender o que é paz. É disto que trata o Lema.

Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou (Jo 14.27a). Jesus não define a paz nesta sua frase. Também em outras ocasiões em que fala sobre a paz, o Mestre nunca define o termo. A razão é que paz era um termo conhecido e, seguidamente, usado em saudações pessoais (p. ex.: Jo 20.19). Para o povo judeu, shalom – a palavra judaica para a paz – é um termo abrangente que pode ser resumido assim: é a felicidade, o mútuo entendimento e o bem-estar espiritual, físico, social, econômico e político das pessoas, das famílias ou grupos com quem elas se relacionam, das cidades em que moram, dos povos aos quais pertencem. Paz é, portanto, felicidade, saúde, bom entendimento e bem-estar em todos os sentidos. Para a Bíblia, paz é uma dádiva de Deus, assim como o é também a bênção: O Senhor te abençoe e te guarde [...] e te dê a paz (Nm 6.24-26).

Sem paz, difi cilmente haverá justiça. Sem justiça, certamente não haverá paz: o efeito da justiça será paz e o fruto da justiça será repouso e segurança para sempre. Daí resulta a importância da justiça social para a paz.

Como judeu, Jesus tinha em mente esse sentido abrangente de paz quando disse em seu discurso de despedida que deixaria e daria o seu shalom a sua paz aos discípulos (Jo 14.27-31). Que a paz para Jesus pressupõe integridade e saúde física mostram-nos trechos como Marcos 5.34 e Lucas 8.48, em que Jesus cura uma mulher e, então, diz: Vai em paz. Também a palavra de Jesus sobre a vida abundante que ele veio para dar tem a ver com o restabelecimento da saúde das pessoas (Jo 10.10).

Talvez a maior contribuição de Jesus para uma prática de paz nas diferentes dimensões dos relacionamentos humanos seja a sua insistência no perdão sem limites. Foi Jesus quem disse para perdoar não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete (Mt 18.22). O perdão traz a paz para relacionamentos tensos, difíceis e carregados de culpa (Lc 7.36- 50). Quando não há prática de perdão, o que sobressai são atitudes de discriminação ou de ódio. O Evangelho de João acentua justamente esse aspecto: o mundo ‘odeia’ quem não reza os seus credos nem se orienta pelas suas práticas (Jo 7.7, 15.18,23,25 e 17.14).

A paz de Jesus incluía uma prática decidida de não violência e, em consequência, não armamentista. Ele pede para orar pelas pessoas que nos perseguem ou caluniam (Mt 5.44 e Lc 6.28), para não revidar mal com o mal (‘olho por olho, dente por dente’: Mt 5.38). Jesus se negou a apelar para os exércitos celestiais para livrá-lo da cruz (Mt 26.53). A sua entrada triunfal em Jerusalém não foi sobre um cavalo de guerra, mas sobre um jumentinho da paz, inspirado no texto de Zacarias 9.9-10. Ali diz que Deus vai destruir os carros, os cavalos e os arcos de guerra, para que seja anunciada a paz (cf. Os 2.20). Diante disso, precisamos perguntar se propostas como as de leis que possibilitam e promovem o porte de armas condizem com o espírito da paz divina. Também é necessário perguntar em que medida o fomento de uma indústria bélica no Brasil exporta paz ou matança, sangue e destruição.

É claro que ninguém seria tão ingênuo de achar que em um país como o Brasil, só por não existir guerra declarada, já exista paz. Os índices anuais de assassinatos no campo e nas cidades, de desemprego, de milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, do caos da segurança pública, da saúde, etc., dão testemunho que a ausência de guerra é ainda insuficiente para caracterizar a nossa vida como estando em paz, por isso, no Antigo Testamento, a paz tem uma coirmã, denominada justiça (cf. Is 48.18). Sem paz, difi cilmente haverá justiça. Sem justiça, certamente não haverá paz: o efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça será repouso e segurança para sempre (Is 32.17). Daí resulta a importância da justiça social para a paz.

Enquanto não oferecermos a todas as pessoas as mesmas oportunidades e espaços iguais de formação e trabalho, estaremos contribuindo para a manifestação da marginalidade, do crime, das drogas e outros males. A justiça também falha quando não aplica as leis de forma igual para todas as pessoas, criando e mantendo privilégios para uma minoria. Quando há desequilíbrio da justiça, geralmente as pessoas pobres, negras, indígenas e migrantes são as mais prejudicadas.

No Salmo 85.10-13, a paz tem mais uma coirmã: além da justiça, a verdade. ‘A graça e a verdade se encontraram, a justiça e a paz se beijaram. Da terra brota a verdade, dos céus a justiça baixa o seu olhar’. A verdade como segundo fundamento da paz tem uma importância decisiva para Jesus no Evangelho de João (p. ex., Jo 1.17, 4.24, 14.6, 17 e 17.17). O conhecimento da verdade tem função libertadora: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Jo 8.32). No Brasil, a divulgação malévola de fake news, com o interesse de acobertamento da verdade, a transmissão de meias verdades e a omissão de outras tantas pelos grandes órgãos de imprensa torna o pouco de paz que temos ainda mais frágil e danoso, gerando desconfi ança, desorientação e má informação.

Por vezes, os que falam em paz o fazem somente da boca para fora. Jeremias 6.14 afirma que muitas pessoas, movidas pela ganância, não têm nenhuma vergonha de mentir descaradamente e de proclamar ‘Paz, paz’, quando não há paz. São aquelas pessoas que dizem ter o interesse de curar as feridas do povo, mas, na realidade, buscam o seu próprio interesse ou o interesse de uma minoria. A paz que querem é que o povo não se manifeste nem proteste diante de mentiras e injustiças. Nesses casos, as pessoas cristãs têm o compromisso ético da denúncia. Jesus também criticou as pazes falsas, que podem estar inclusive no seio das famílias, onde a discriminação das mulheres, a submissão doentia e o machismo impedem que as pessoas vivam e se desenvolvam em liberdade. É dentro desse espírito de denúncia que entendemos as palavras em Mateus 10.34- 36: Não pensem que eu vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas a espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e a sua mãe e entre a nora e a sua sogra.

Presidência da IECLB (Texto Motivador - parte 1/2

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