Jornal Evangélico Luterano

Ano 2013 | número 760

Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 03:15

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

A importância da diaconia para Lutero

   Procurar referências sobre diaconia nos escritos de Lutero é como procurar um alfinete no palheiro, diz Gottfried Hammann no seu livro História da Diaconia Cristã. Seria isto um sinal de que a diaconia não foi importante para Lutero? Isto não pode ser, uma vez que escreveu: Não conheço maior culto a Deus do que o amor cristão que ajuda e serve aos carentes.
   É verdade que Lutero não escreveu nenhuma dissertação sobre o diaconato e as suas referências sobre o amor ao próximo, na forma do serviço aos necessitados, são raras. Os motivos seriam estes:
   - A principal preocupação de Lutero foi a pregação da reta doutrina do Evangelho. Esta era a grande necessidade na época. Ele acreditava que, pela eficiência da palavra de Deus, e somente por meio dela, a Igreja poderia ser reformada, por isso deu especial destaque à pregação e ao Ministério da Palavra.
   - O grande receio de Lutero era que, em função do incentivo às boas obras, as pessoas pudessem entender que ele também estaria sugerindo adquirir a salvação por meio delas, pois o povo havia sido ensinado que, mediante esmolas e ações de caridade, se adquire indulgências, isto é, perdão por castigos divinos.

Lutero tentou argumentar que fé e amor formavam uma unidade inseparável. Pela fé e pelo amor cada pessoa batizada
deveria tornar-se ‘um Cristo para o outro’.



 
    - A responsabilidade dividida - Por volta do ano de 1500, que marca a virada da Idade Média para a Era Moderna, havia muita pobreza na Europa. Esta tinha inúmeros rostos, como fome, doença, abandono. Epidemias eram frequentes. Para se ter uma ideia, entre os anos de 1340 a 1350, um terço da população de toda a Europa morreu em consequência da cólera. A mendicância se tornava uma praga cada vez mais incontrolável. A pergunta era: a quem caberia a responsabilidade de organizar uma ajuda substancial? Na Igreja constituída, o diaconato tinha perdido as suas funções originais de cuidar dos necessitados. As jovens comunidades de confissão luterana ainda não tinham força. Foi quando as autoridades civis despertaram para a sua responsabilidade no combate à miséria. As iniciativas foram bem-vindas por Lutero.

A ‘teologia da diaconia’ de Lutero

   Na doutrina de Lutero, o ‘sacerdócio geral de todos os crentes’ teve grande relevância. Nele Lutero também baseou a sua Teologia da diaconia. No Sermão sobre o sacramento do altar, de 1519, ele defende que o serviço recíproco é a marca de uma congregação viva e todos os membros da Igreja são, por força do seu sacerdócio geral, Diáconas e Diáconos. Uma fé viva tem como consequência óbvia o amor atuante (Gálatas 5.6), por isso a pregação que desperta a fé e leva à gratidão pela justificação por graça, precede a ação diaconal, segundo o conceito de Lutero.
   Por outro lado, Lutero tentou argumentar que fé e amor formavam uma unidade inseparável. Pela fé e pelo amor cada pessoa batizada deveria tornar-se ‘um Cristo para o outro’. O Ministério da diaconia também fazia parte do Ministério da Palavra, porque ambos eram pregação do Evangelho, cada qual à sua maneira. No seu escrito reformatório principal e programático Da liberdade cristã Lutero se expressa assim: Disso tudo resulta que a pessoa cristã não vive em si mesma, mas em Cristo e no seu próximo, em Cristo pela fé, no próximo pelo amor. Pela fé [ela] é levada para o alto, acima de si mesma, em Deus; por outro lado, pelo amor desce abaixo de si, até o próximo, assim mesmo permanecendo sempre em Deus e seu amor [...].

A relação entre os Ministérios

   Na concepção de Lutero não havia diferença essencial entre clero e leigos. A única consagração do cristão seria a do Batismo. Consequentemente, a Ordenação não conferia à pessoa ordenada um status especial. Não obstante esta acentuação do sacerdócio geral de todos os crentes, Lutero deixava valer o Ministério como forma de organizar os serviços. De Atos 6, ele deduz que o Ministério do amor ao próximo está subordinado ao Ministério da pregação por uma questão de prioridade cronológica e não de valorização, pois também os sete Diáconos foram escolhidos e chamados pela Comunidade, sendo confirmados pelos apóstolos pela imposição das mãos.

Uma organização da diaconia

   Durante toda a Idade Média, a falta de uma organização diaconal eficiente trouxe grandes prejuízos para a sociedade. A mendicância tornara-se o único meio de sobrevivência para famílias carentes. Diversos grupos religiosos, como ordens, fraternidades e irmandades tentaram combater a miséria, mas não tiveram muito êxito, também devido à falta de visão do clero, que apostava nas esmolas dos indivíduos como meio de receber graças divinas.

Uma fé viva tem como consequência óbvia o amor atuante (Gálatas 5.6), por isso a pregação que desperta a fé e leva à gratidão pela
justificação por graça, precede a ação diaconal, segundo o conceito de Lutero.



   
   Vários motivos haviam aumentado o número de pobres na virada do século, como o comércio com dinheiro, que veio substituir a troca de mercadoria e serviços. O sistema de crédito introduzido permitia que algumas pessoas acumulassem somas enormes em dinheiro, em prejuízo de outras que empobreciam. A isto somava-se o conceito de parte do clero que a pobreza era uma forma superior de espiritualidade.
Na sociedade de então, dividida em classes, a classe trabalhadora era a dos Agricultores. Estes, dependentes dos seus senhores feudais, levavam uma vida extremamente precária. O trabalho era desprezado.
   Entre a massa de pedintes, que iam de casa em casa, de cidade em cidade, e se aglomeravam na porta das Igrejas, também havia muitas pessoas preguiçosas e malandras. Neste particular, a nova ética de trabalho de Lutero tornou-se um grande auxílio. Segundo Lutero, cada cristão é chamado por Deus a trabalhar e a servir. Neste combate, também ajudou a importância que Lutero deu ao ensino. Ele sugeria que conventos desativados fossem transformados em escolas para meninos e meninas e que se organizassem cursos profissionalizantes.

Os Regulamentos de caixa comunitária

   Lutero pensou em desenvolver um programa de diaconia eclesiástica, baseada no amor autêntico de cada cristão, porque ‘onde não há amor, nada acontece’. A mendicância seria proibida e cada Comunidade cuidaria dos seus pobres. Para realizar este programa, seria necessária uma boa organização. Na sua prédica do dia de São Estêvão, em 1523, ele disse: Seria bom que se iniciasse dividindo uma cidade em quatro distritos. E, se a gente tivesse as pessoas para isso, colocasse em cada distrito um pregador e um diaconum [sic] que distribuísse os bens, cuidasse dos doentes e observasse quem passa necessidade. Mas não temos as pessoas para isto, para começar assim, até que nosso Senhor Deus faça cristãos.
   Visto faltarem pessoas vocacionadas, Lutero permitiu a colaboração de autoridades civis, também porque ‘era seu dever cuidar do bem-estar dos seus súditos’. Além disso, tinham a seu favor que podiam exigir obediência. No entanto, esta colaboração deveria ser transitória.
   A pedido da Comunidade de Leisnig, Lutero elaborou uma ‘um Regulamento de caixa comunitária’, que se tornou modelo para ordens em outras cidades. Nesta caixa comunitária, seriam depositadas as ofertas de gratidão dos cristãos, como expressão da sua fé, além de outras contribuições. Ela seria guardada na Igreja e fechada com quatro cadeados diferentes. Seria administrada por dez dirigentes das diferentes classes sociais. Seriam eleitos anualmente pela Comunidade e consagrados Diáconos. Estes iriam reunir-se dominicalmente, para decidir sobre o destino das ofertas. Eles ainda seriam controlados por duas pessoas que também tinham a tarefa de coletar as ofertas dos fieis, durante o culto dominical - em saquinhos. As ofertas eram registradas em um livro.
   Este Regulamento teve por objetivo erradicar a mendicância, dar sustento e apoio a quem precisava, inclusive a Pregadores, Sacristãos, Professores e alunos, bem como manter as instituições.

Continuidade

   Os impulsos que Lutero deu para uma renovação da diaconia certamente foram significativos, mas houve entraves que não permitiram que ela se desenvolvesse nos próximos anos. Entre eles estão:
   - Discórdias teológicas entre os reformadores e os seus seguidores, que colocaram o tema ‘diaconia’ em desvantagem em relação às questões dogmáticas.
   - As guerras confessionais dos próximos séculos que debilitaram as forças diaconais das lideranças comunitárias, tanto eclesiásticas como civis.
  - Também foi prejudicial que todas as responsabilidades que não faziam parte das obrigações ministeriais imediatas do Pastor tenham sido transferidas à autoridade civil, pois, com a gradativa secularização dos órgãos públicos, a motivação e a força diaconal foram se perdendo.
O diácono foi introduzido por algumas Comunidades e também havia iniciativas visando a um serviço de Diaconisas, mas o cargo do Pastor impôs-se como Ministério eclesiástico decisivo.
   Felizmente, os impulsos básicos, embutidos na doutrina reformatória foram suficientes para que, no decorrer da história da Igreja, sempre de novo pessoas despertassem para a importância de organizar a diaconia, entendendo ser impossível separar fé e amor atuante.

Diaconisa Ms. Ruthild Brakemeier, formada em Letras Anglo-Germânicas, Mestre em Teologia na área de concentração ‘Teologia e História’, trabalhou durante muitos anos na coordenação de grupos de OASE e, como membro da Irmandade Evangélica Luterana, foi Irmã Diretora da Casa Matriz de Diaconisas durante 14 anos
 

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