Jornal Evangélico Luterano

Ano 2013 | número 765

Quarta-feira, 24 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 10:53

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

   “Cidadania” é uma palavra que se tem sido muito usado ultimamente e isso por uma boa razão. Ela quer enfatizar a dignidade de casa pessoa humana na sociedade e, mais ainda, a sua participação ativa na defesa de direitos fundamentais das pessoas e também a sua participação ativa nos destinos da coletividade. O exercito da cidadania, por exemplo, por meio do voto, nas eleições, mas também pelo acompanhamento critico dos processos e das decisões políticas, contribuem eficazmente para qualidade de vida de um povo. Inversamente, quando a cidadania abdica do seu direito (e dever) de participar ativamente na sociedade, pode estar contribuindo para que o âmbito da política seja aproveitado por pessoas inescrupulosas que buscam benefícios próprios ou apenas dos seus grupos.

   A bem da verdade, cidadania se constitui em boa medida também de grupos de interesse que, muitas vezes, tendem a não apenas apresentar de mandas legitimas, mas também a extrapolar as suas demandas, prejudicando outros grupos ou a coletividade. Temos observado isso nas recentes manifestações de massa, particularmente de jovens, no Brasil. Reivindicaram melhorias na saúde, na educação e na segurança e uma diminuição na corrupção, mas se misturaram também demandas muito corporativistas, que, muitas vezes, não estavam voltadas para a melhoria geral das condições de vida da população.

   Devemos, portanto, nos perguntar por critérios e valores éticos sob cuja direção e juízo, queremos colocar o exercito da cidadania.

   A comunidade cristã tem algo a ver com tudo isso? Há quem pense que não. Quem segue a Jesus Cristo deveria se ocupar exclusivamente com questões espirituais, a salvação em Cristo. Há quem, talvez, cite Hebreus 13.14: Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir. O fundo de verdade neste argumento é que, de fato, o alvo maior e decisivo para a comunidade cristã e as pessoas que crêem em Jesus Cristo são o Reino de Deus e a salvação. Isso não significa que , enquanto aqui vivermos, não tenhamos responsabilidade para com o nosso próximo e, portanto, também para com a sociedade como um todo.

   Seguimos a Jesus Cristo, que foi o próprio Deus entre nós (João 1.14). Ele não apenas pregou o Reino de Deus, conclamando à conversão a Deus, mas também praticou muitos atos de amor e misericórdia, como, por exemplo, curas e distribuição de alimentos, mas também solidariedade com pessoas discriminadas ou desvalorizadas,ou desvalorizadas, inclusive as mulheres. Na parábola do grande julgamento ou ‘dos cabritos e das ovelhas’, Jesus até mesmo coloca como critério no julgamento como as pessoas se comportaram diante de pessoas com fome e sede, pessoas forasteiras, carecendo de roupas, doentes ou presas, Foram essas pessoas assistidas com amor e gestos concretos ou foram discriminadas e desprezadas?O profeta Jeremias exorta até mesmo o povo no exílio babilônico: Procurei a paz da cidade para onde vos desterrei e orais por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz (Jeremias 29.7). Jesus resumiu e radicalizou tudo isso, quando exortou os seus discípulos a amar até mesmo os seus inimigos: Eu porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem (Mateus 5.44). 

   Quanto a lutero? Bem, Lutero falou sobre dois reinos, um, o espiritual e outro, o secular, mas o segredo está em como o espiritual e o secular se relacionam. Como entender isso? Vejamos, primeiro, algumas distorções graves.

   Primeira distorção: nos tempos modernos, a relação pode ser entendida como uma rígida separação entre o secular e o espiritual, como se um não tivesse nada a ver com o outro.

 

As igrejas luteranas se caracterizam por envolvimento nas áreas educacional e diaconal e, em nível de comunhão luterana global, no cuidado a refugiados e pessoas marginalizadas

 

 

Secular / Espiritual

   Uma modalidade é, então, ver tudo com muito positivo. O mundo secular seria autônomo. A política e a economia teriam leis próprias e não se poderia vir por assim dizer ‘de fora’ com preconceitos evangélicos. Dever-se-ia deixar a política e a economia desenvolverem-se livremente, que tudo sairia bem. A Igreja deveria limitar-se a pregar o Evangelho da salvação dos indivíduos e estes, privadamente, viver a sua fé. Entretanto, nesse caso, a comunidade cristã estaria aceitando também passivamente as injustiças que existem no mundo e que podem ser combatidas.

   A outra modalidade de separação do secular e do espiritual é demonizar todo o âmbito secular. A política seria simplesmente suja, todas as pessoas que entram na política seriam corruptas ou se corromperiam, pois o mundo estaria dominado pelo mal, pelo diabo. Então, quem quiser seguir a Jesus Cristo não deveria se deixar contaminar e precisaria ficar ’de fora’. No entanto, nesse caso, estranhamente, também se aceitariam as injustiças no mundo, desistindo de combatê-las.

Segunda distorção: ao longo da historia, houve ou forma de conceber a relação, a saber a aliança entre o secular e o espiritual.
 

Secular + Espiritual

   A comunidade critã primitiva era pequena e, por alguns séculos, a Igreja se desenvolveu em comunidades que viviam a sua fé, fortaleciam a prática comunitária e o amor ao próximo. Essa Igreja cresceu muito e se tornou a religião oficial do Império Romano. Ela passou a dever privilégios e, em troca, abençoava os governantes. Foi assim na Igreja Católica, mas também aconteceu mais tarde com Igrejas Luteranas que foram protegidas e ‘beneficiadas’ por governantes. Em troca, lhe deram apoio. Assim, deixaram de ser uma voz critica a desmandos e a injustiças praticadas.

   A concepção de Lutero: melhor que falar sobre ‘dois reinos’ seria falar a respeito de ’dois âmbitos da atuação de Deus’. Deus é o Senhor de tudo, não apenas das pessoas que nele crêem, mas do mundo inteiro. No entanto, não é só Ele que age no mundo. Também o pecado humano se faz presente em todas as pessoas e em todos os espaços da realidade, sem exceção. Lutero usava a imagem de que o diabo disputa com Deus o Senhorio sobre as pessoas e o mundo.
 

Deus -> Mundo / Ser Humano <- Satanás

   Há aí uma tensão permanente. Prevalecerão os valores de Deus ou os do mal? Muitas vezes, tem-se a impressão de que o mal estaria vencendo, mas a fé cristã afirma que, ao fim, o amor de Deus prevalecerá. É o que o texto de Hebreus citado no início afirma: buscamos a cidade permanente que há de vir, em Deus e por Deus. Entretanto, por ora, há uma disputa em jogo.

No ser humano, prevalecerá a fé ou a descrença?

Na Igreja, ela será uma servidora da palavra de Deus ou uma instituição buscando benefícios próprios?

A política trará paz e justiça ao povo ou será ocupada por poderosos que exploram o povo?

Lutero identificou, sim, a principal incumbência da Igreja: proclamar a palavra de Deus. No momento, isso incluía também uma responsabilidade profissional, social e política e política. Assim ele defendeu que:

o trabalho, a profissão, era uma vocação, destinada ao sustento familiar e como serviço ao próximo;

as autoridades políticas deveriam instituir um sistema educacional para todas as pessoas, sem exceção;

o comércio seria desenvolvido como atendimento às necessidades básicas da população;

a política deveria ser instrumento para a paz e a justiça.

   Nesse espaço, as pessoas cristãs deveriam atuar sempre em um espírito de serviços e amor ao próximo. Assim, o exercício da cidadania é um ingrediente essencial do testemunho cristão, sempre que norteado pelo principio da dignidade humana e pelo espírito de serviço ao próximo.

   Em muitos escritos, Lutero expôs essas idéias. De forma programática, o fez já no ano de 1520, no escrito Á nobreza da nação alemã, acerca do melhoramento do estamento cristã. Aí, deixou também claro que entendia o empenho pelas necessárias reformas na Igreja e na ordem política como parte do exercício do sacerdócio universal dos crentes, baseado no batismo cristão. Isso é também o que caracteriza a diaconia: serviço ao próximo em suas necessidades.
   Podemos dizer que isso é a dimensão espiritual da responsabilidade publica de quem segue a Jesus.

   É por isso que as Igrejas Luteranas se caracterizam até hoje por forte envolvimento nas áreas educacional e diaconal e, em nível de comunhão Luterana global, no cuidado a refugiados e pessoas marginalizadas. Entretanto, não poucas vezes é necessário enfatizar mais fortemente o engajamento social e político, sempre no mesmo espírito. Emprega-se hoje o termo de diaconia profética ou diaconia transformadora, porque atender ao ser humano nas suas necessidades não se dá apenas por ações assistenciais a pessoas em necessidade, mas também por ações de cidadania, visando a superar as causas estruturais do sofrimento e contribuindo para programas que superem a violência e a injustiça.

 

Lutero identificou a principal incumbência da Igreja: proclamar a palavra de Deus.

 

 

P,Dr. Walter Altmann, Teólogo, Professor pesquisador na faculdade EST, em São Leopoldo/RS, ex-Pastor Presidente da IECLB E Moderador do conselho Mundial de Igrejas(CMI) 


 

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