Jornal Evangélico Luterano

Ano 2014 | número 777

Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 09:36

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos O culto como experiência de ‘viDas em comunhão’

   Conforme o que escreve o apóstolo Paulo em 1Coríntios 12.12- 31, a Comunidade cristã é como o corpo humano, formado por diferentes membros, que vive em unidade, em interdependência e em total sintonia. A unidade do corpo humano é tamanha que, se um membro sofre, todos sofrem com ele (v.26). Lutero desdobra esta palavra de Paulo da seguinte maneira: ‘se dói o pé de alguém, mesmo que seja só o dedinho, o olho se volta para ele, os dedos o tocam, o rosto se franze e todo o corpo se inclina em sua direção; todos se ocupam com o minúsculo membro’ (Obras Selecionadas, 1). Quer definição mais bonita e perfeita para a Comunidade cristã, em que o menor tem vez e a sua presença ou ausência faz diferença para todo o corpo? A unidade e a convivência entre os membros do Corpo de Cristo são expressas nesta imagem do corpo de forma tão exemplar que podemos imaginar a Comunidade de fé como uma mãe cujo colo acolhe, protege e cuida de quem necessita, especialmente quando alguém está em situação de fragilidade.

   Se a Comunidade, o corpo de Cristo, é como o corpo físico, como é o culto dessa Comunidade? O culto, podemos assim dizer, é a festa do Corpo de Cristo, é o encontro dos membros deste Corpo com a fonte da sua existência, aquela que sacia a sede deste Corpo, que o alimenta e o mantém, dá energia para que o Corpo continue desempenhando as suas funções com qualidade de vida. O culto da Comunidade cristã é um encontro de viDas em comunhão, vidas que se encontram e vidas que, em conjunto, celebram a fé no mesmo Deus.

   Neste encontro celebrativo, nenhum membro é desprezado ou deixa de participar, pois não se corta o dedinho do pé ou a mão do braço e diz ‘você está dispensado’. O encontro com a fonte da nossa existência acontece com todos os membros do Corpo, desde o minúsculo dedinho até braço, pernas, olhos, etc. Afinal, todos os membros, desde o menor até o maior, carecem de colo e afago. Cada qual, seja qual for a sua condição, necessita de cuidado, o cuidado de Deus que se concretiza pelas mãos das suas criaturas.

   O culto é um espaço muito especial. Deus espera, convida e reúne a Comunidade ali onde as várias gerações se encontram, repartem as suas vidas, compartilham alegrias e tristezas, fé e desilusão e renovam as suas forças e a sua esperança. A Comunidade é a grande família de Deus.

   Gosto da experiência que fiz na Comunidade onde nasci e permaneci até a minha maioridade, quando, então, fui para terras distantes. Sei que muitas pessoas na IECLB têm uma história semelhante.

   Na minha Comunidade de origem, o culto era um encontro de todas as pessoas, desde os bebês recém-nascidos até as vovós e vovôs de cabelo branquinho. O culto não era momento de separação das gerações, mas justamente o lugar do seu encontro, do aprendizado comum, da convivência com as pessoas diferentes.

   Desde criança, participando de cada culto, ouvindo a Comunidade cantar os hinos do Hinário que cada família trazia de casa, aprendi os nossos hinos. Ouvindo a Comunidade orar o Pai Nosso, confessar a fé por meio do Credo Apostólico, aprendi esta oração e esta confissão. Vendo e acompanhando cada passo da liturgia do nosso culto, aprendi a participar do culto da nossa Comunidade.

   Como eram esperadas aquelas datas especiais, quando, então, a Igreja ficava diferente! Havia algo novo no ar! O espaço adornado de maneira totalmente nova gerava uma expectativa. Um exemplo disso acontecia nos cultos de confirmação. O corredor de entrada do templo era adornado com flores no chão, deixando o ar com um cheiro diferente. À porta de entrada e aos fundos do altar, enormes pés de palmeiras com coroas de flores nos lembravam que o dia era de festa, especial. Após o badalar dos sinos e ao som do coro de trombones ou do coral da Comunidade, o grupo de confirmandos e confirmandas entrava solenemente e a Comunidade se levantava em sua acolhida e saudação. As crianças ficavam de pé sobre os bancos para enxergar a entrada triunfal daquele grupo para quem o culto era especial. Uma verdadeira festa! Vendo tudo aquilo, pensava: ‘um dia vou estar ali’. Quanta expectativa! Isto tudo fazia com que o culto da Comunidade se tornasse algo muito especial, um lugar diferente, onde fazíamos experiências que mexiam conosco, crianças, pessoas adultas e jovens.

   No culto, temos muitas possibilidades de participação, interação e partilha. À medida que incluirmos mais pessoas – todo o Corpo! – e valorizarmos as diferentes manifestações e expressões de fé, a comunhão que Deus cria e fortalece no culto e para além do culto certamente será aprofundada. A verdadeira comunhão existe quando os diferentes interagem, dividem as suas cargas e alegrias, partilham as suas visões de mundo, celebram juntos a sua fé.

   As crianças também tinham o seu dia especial de culto. O Natal, ah, esse dia era pra lá de esperado. Tanta coisa diferente acontecia. Uma semana antes do culto, escolhíamos e aprendíamos um versinho, fosse a estrofe de um hino ou um versículo bíblico. Para quê? Cada criança era chamada pelo nome no culto do dia 23 de dezembro para receber um pacote de balas e chocolates. Quanta emoção! Quando jovem, a preparação para o Natal iniciava no Advento, com o ensaio e os preparativos da grande peça teatral que tematizava o nascimento de Jesus e seria apresentada na noite do dia 24 de dezembro. Na Festa da Colheita (Ação de Graças), os jovens participavam de um modo muito especial na dádiva das ofertas. Naquele culto, em casa, o pai ou a mãe nos dava um ‘dinheirinho’, pois, neste dia, no momento das Ofertas, os jovens iam, em procissão, ao altar, depositar ali a sua oferta.

   Outras datas eram marcantes. Não vou relatar sobre o culto da minha confi rmação, pois não há mais espaço, mas ele ainda está muito vivo na minha memória. Ainda lembro do som da badalada do sino quando o Pastor pronunciou o meu nome. Muitos anos se passaram, mas posso afi rmar que a experiência de culto na minha infância e juventude foi muito marcante.

   O culto abrange uma linguagem ampla: gestos, fala, cores, cheiros, símbolos, ambiente e música. O que acontece no culto incide sobre as nossas emoções, assim como fala à nossa razão. Cada pessoa presente no culto, qualquer que seja a sua idade, é afetada pelo culto, de uma ou outra forma. Levemos isto em conta quando preparamos o culto. Valorizemos cada gesto, cada palavra, os símbolos, o ambiente, a música. A comunicação no culto não se dá apenas mediante a palavra falada. Tudo é importante no culto, desde a Acolhida até a Despedida, inclusive o tom da nossa voz e o nosso olhar.

   O culto é significativo para todas as pessoas presentes: crianças, jovens, pessoas adultas, idosas e pessoas com defi ciência. Todos e todas captam cada mensagem comunicada, seja por palavras ou por gestos. Como Comunidade, valorizemos cada membro do nosso Corpo para que todos sejam incluídos e se sintam participantes ativos do culto! Vamos inclinar o nosso Corpo em direção aos mais pequeninos.

   Para aprendermos a inclusão, não precisamos ir longe. Temos bons exemplos na nossa própria Igreja: há Comunidades que fazem a experiência de preparar um espaço especial para as crianças dentro do culto, colocando um tapete no chão para elas se sentarem, oferecendo material para desenho sobre o tema do próprio culto. Outras fazem bancos ou cadeiras em tamanho especial para elas. Há Comunidades que praticam o que o Concílio da IECLB já decidiu: incluem as crianças na Ceia do Senhor, pois entendem que, como membros do Corpo de Cristo, elas têm lugar à mesa. Pessoas jovens são motivadas a participar do culto com cantos da sua geração. Há templos com acesso às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Há também aquelas que se preocupam com a língua de sinais, mas o que fazemos ainda não é o bastante. Podemos fazer mais e melhor.

   A liturgia do culto oferece elementos que favorecem a participação de todas as pessoas no culto. Por exemplo, o texto bíblico nem sempre precisa ser lido, também pode ser encenado por jovens, pelas crianças, pelas pessoas adultas, pelas pessoas idosas e pessoas com defi ciência. A dança litúrgica é um recurso que ainda pode ser melhor aproveitado nos nossos cultos. Esquecemos que todo o nosso corpo adora a Deus, a fonte da nossa vida.

   Nem precisamos ir tão longe, para além da forma litúrgica de costume. Mesmo dentro do culto, com a antiga e conhecida liturgia, não poucas vezes, esquecemos que crianças, jovens e pessoas com deficiência devem ser incluídas, por exemplo, na Confissão de pecados. O relacionamento humano conflituoso inicia desde a nossa infância, com conflitos entre colegas, estranhamento entre os diferentes, relacionamentos difíceis na família, sendo estes motivos suficientes para serem incluídos no culto como parte da nossa condição humana de pecado, quer seja na vida adulta quer seja na vida infantil ou juvenil. Nas Orações de graça e de intercessão, convidamos as crianças, pessoas jovens, pessoas com deficiência de fala, cegas, surdas a manifestarem os seus anseios e a sua gratidão?

   No culto, temos muitas possibilidades de participação, interação e partilha. À medida que incluirmos mais pessoas – todo o Corpo! – e valorizarmos as diferentes manifestações e expressões de fé, a comunhão que Deus cria e fortalece no culto e para além do culto certamente será aprofundada. A verdadeira comunhão existe quando os diferentes interagem, dividem as suas cargas e alegrias, partilham as suas visões de mundo, celebram juntos a sua fé.

   Cat. Dra. Erli Mansk, graduada em Teologia, com ênfase no Pastorado e em Educação Cristã, com Mestrado Profi ssionalizante em Liturgia e Doutorado em Teologia Prática (A ritualização das passagens da vida: desafi os para a prática litúrgica da Igreja), todos pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, é Coordenadora de Liturgia da IECLB

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