Lucas 9.51-62

Auxílio Homilético

30/06/2013

Prédica: Lucas 9.51-62
Leituras: 1 Reis 19.15-16,19-21 e Gálatas 5.1,13-25
Autora: Ramona Weisheimer
Data Litúrgica: 6º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 30/06/2013
Proclamar Libertação - Volume: XXXVII

1. Introdução

Nosso texto está previsto para o 6º Domingo após Pentecostes, dentro do chamado “tempo comum”, que também pode ser muito especialmente lembrado e celebrado como tempo da igreja, pois “só os milagres corriqueiros acontecem todos os dias”. O texto já foi tratado, inteira ou parcialmente, nos PL 10, p. 251;
15, p. 167; e 20, p. 198.

As leituras que acompanham o texto são 1 Reis 19.15-16,19-21, que, em parte, já pertence ao início do ciclo de Eliseu. Depois de encontrar com o Senhor no monte Horebe, Elias é mandado a ungir reis para Aram e Israel e um substituto para si mesmo: Eliseu. Elias lança sua capa sobre Eliseu, quando esse arava os campos com 12 juntas de bois, mas permite que ele vá se despedir de seus pais antes de segui-lo. Eliseu imola os bois, cozinha a carne com a madeira do arado e oferece-a ao pessoal. Renuncia à sua condição anterior e segue Elias como seu servo.

A segunda leitura, Gálatas 5.1,13-25, inicia com a afirmação de que “para a liberdade foi que Cristo nos libertou”, portanto chama a não cair de novo no jugo da escravidão – da lei. Traz o embate entre lei e graça, obras do espírito e da carne. Os gálatas são chamados à liberdade, lembrando do grande mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

O texto de prédica fala-nos da má acolhida recebida por Jesus e seus discípulos entre os samaritanos quando se dirigiam a Jerusalém e a vontade de seus discípulos de castigá-los por isso. E ainda das exigências da vocação apostólica: é preciso renunciar à condição anterior, seguir como servo, amar o próximo, renunciar às certezas cotidianas, compromisso assumido em toda a extensão de sua radicalidade e consequências. Um novo olhar, misericordioso, perpassa os três textos.

2. Exegese

Eduard Lohse divide o Evangelho de Lucas em três partes principais: a atuação de Jesus na Galileia, a viagem e Jesus em Jerusalém. Nosso texto estaria inserido na segunda parte do evangelho, que trata do início do relato da viagem (9.51-19.27). Desse relato, o trecho de 9.51 até 18.14 seria uma grande intercalação ao material vindo de Marcos, só retomado em 18.15. Nessa intercalação estão textos bem importantes, como a missão dos 72 (70) e seu retorno (72 era o número tradicional das nações pagãs; 9.1-6 traz a missão dos 12 discípulos); parábolas, como a do bom samaritano, a semente de mostarda, a porta estreita; vários ditos, como a verdadeira felicidade, de quem devemos ter medo, riquezas no céu, curas etc.

Em sua apresentação, Lucas indica que será relatada “a história das coisas que aconteceram entre nós” (v. 1.1). Isto é, serão abordados os acontecimentos que se sucederam como “cumprimento da história da salvação” (LOHSE, p. 160). Assim, essa grande intercalação é introduzida com as palavras: “como estava
chegando o tempo de Jesus ir para o céu, ele resolveu ir a Jerusalém” (9.51). Conforme Lohse, o subir de Jesus nessa passagem refere-se, simultaneamente, à sua caminhada a Jerusalém e à sua exaltação por ocasião da ascensão ao céu. Por isso todo o relato da viagem está sob o título do cumprimento da história da salvação que está se realizando.

V. 51 – O que na NTLH lê-se “chegando o tempo de ir para o céu”, a Bíblia de Jerusalém e a Almeida Revista e Corrigida traduzem como “assunção”. A expressão “resolveu ir” é traduzida como “decidiu resolutamente” e “manifestou o firme propósito”, o que dá mais força ao texto.

V. 52-53 – Em 722 a.C., quando da queda do Reino do Norte, a política assíria fez com que populações locais fossem expatriadas e, em seu lugar, colocados colonos vindos de outras partes do império. Formou-se, assim, uma população mista, que não era aceita pelos judeus. Além disso, os samaritanos
construíram seu próprio templo no monte Garizim no séc. III a.C., que rivalizava com o templo de Jerusalém. Em 129 a.C., João Hircano destruiu esse templo. A inimizade tornou-se recíproca. E, se já não se davam com os judeus, deveriam mostrar-se particularmente hostis para com os peregrinos que se dirigiam a Jerusalém. Por isso se evitava geralmente passar por ali. Lucas e João são os únicos a mencionar a passagem de Jesus pelo território samaritano.

V. 54 – Tiago e João, “filhos do trovão” (cf. Mc 3.17), pretendem fazer “descer fogo do céu para os consumir”, como fez Elias em 2 Reis 1.10-12 – contra os ofi ciais mandados pelo rei Acazias, da Samaria. Como se viu também nos v. 49-50, a fé dos discípulos permanece presa a certos conceitos: quem não se
enquadra tem que ser punido.

V. 55-56 – Jesus critica os discípulos, mas não fala nada contra os samaritanos. Vai embora, sem bater o pó das sandálias contra os que não o receberam (9.5).

V. 57-58 – Jesus segue seu caminho quando é abordado por um homem que se diz pronto para segui-lo. Mas Jesus não oferece nenhuma segurança. Seguir Jesus não pode ser emoção de momento; é preciso estar com os pés no chão, pesar e medir as consequências dessa decisão. Seguir Jesus exige desprendimento. Aqui, desprendimento material.

V. 59-60 – Agora é Jesus quem chama. Conforme Voigt, “o sepultamento era considerado um dever, que tem precedência sobre o estudo da Lei, o serviço no templo, o sacrifício da Páscoa”. Mas a exigência do Reino está acima da Lei, e Jesus é ainda mais radical do que Elias. O seguimento a Jesus exige desprendimento também em relação à Lei.

V. 61-62 – Não se pode desviar do essencial. O manejo do arado naquela região é tarefa difícil, que não permite distrações. Assim também o Reino exige atitude firme e corajosa e desprendimento da estrutura familiar.

3. Meditação

É interessante dar uma olhada nos textos que vêm antes do nosso. Depois da transfiguração (9.28-36), nos v. 37-43a, os discípulos não conseguem curar um menino epilético, filho único do pai que vem pedir ajuda. Jesus enfada-se com a falta de fé deles e cura a criança; nos v. 43b-45, Jesus faz o segundo anúncio da paixão: os discípulos não compreendem, mas têm medo de perguntar; nos v. 46-48, à pergunta sobre “quem é o maior?” Jesus responde colocando no meio dos discípulos uma frágil criança; e, enfim, nos v. 49-50, os discípulos zangam-se com alguém que ousa curar em nome de Jesus, sem pertencer ao grupo. Quanta incompreensão! E agora os “filhos do trovão” desejam chamar o fogo do céu sobre os que não recebem Jesus.

Nosso texto, início da caminhada para Jerusalém, começa com o incidente na Samaria, e o que chama mais a atenção nem é a rejeição dos samaritanos – que tinham lá suas razões para agir assim –, mas a incompreensão dos discípulos. Agem com padrões bem humanos. Mas o reino de Deus exige mudança, rompimento com o lugar-comum. O apóstolo Paulo diz na Carta aos Gálatas: “Deixem que o Espírito de Deus dirija a vida de vocês e não obedeçam aos desejos da natureza humana” (5.16). O reino de Deus exige misericórdia.

O texto vai num crescendo. Uns buscam Jesus, outros são chamados. De nenhum deles, afinal, se diz se aceitou o desafio ou não. Fica para os leitores pensarem. Misericórdia, pensar diferente, agir diferente. E também desprendimento: aquilo que parece tão normal e necessário precisa ser relativizado. Além do que, desprendimento não é uma ação única, mas um processo. É preciso romper com as seguranças, ainda que relativas, se elas impedem o ir além – como Abrão. Romper até com os deveres da Lei – deixar que os mortos sepultem os seus mortos –, pois nem sempre ela promove a vida, por vezes amarra. Fiquei me perguntando sobre o “não olhar para trás”. Mas, realmente, quando as coisas complicam, vem a tentação “de olhar para trás”, para as seguranças antigas, vêm as saudades de uma felicidade ou facilidade inexistente. E, olhando para trás, perde-se o rumo, perde-se a coragem, fi ca a dor da perda, quem sabe até raiva pelo que poderia ter sido e não foi. Talvez por isso não se deva tomar o arado e olhar para trás. Jesus nunca escondeu nada do que poderia acontecer por causa do Reino, mas não se permitiu cair em tentação.

Olhando para as exigências de Jesus, vê-se que elas podem ser até duras, mas não são impossíveis de ser postas em prática. Misericórdia e desprendimento:
tudo avisado e documentado. A decisão de seguir Jesus não pode ser fruto de uma emoção de momento. É preciso assumir sua opção conscientemente, com todos os riscos que ela envolve. Lucas mostra Jesus como o messias dos pobres e dos oprimidos. Segui-lo é optar pelo caminho da cruz.

4. Imagens para a prédica

Pensando no desafio aceito, apesar de todas as consequências, veio-me a história de Dietrich Bonhoeffer, que é para nós um belo exemplo: abrir mão das certezas, voltando para uma Alemanha em guerra; aceitar os riscos do discipulado, tomando o arado, sem olhar para trás, apesar da dor. O poema “Quem sou eu?” fala da dor e angústia que vêm, sim, mas também da certeza maior: “sou teu”.

Quem sou eu?
Quem sou eu? Seguidamente me dizem
Que deixo a minha cela
Sereno, alegre e firme
Qual dono que sai do seu castelo.
Quem sou eu? Seguidamente me dizem
Que falo com os que me guardam
Livre, amável e com clareza
Como se fosse eu a mandar.
Quem sou eu? Também me dizem
Que suporto os dias do infortúnio
Impassível, sorridente e altivo
Como alguém acostumado a vencer.
Sou mesmo o que os outros dizem a meu respeito?
Ou sou apenas o que sei a respeito de mim mesmo?
Inquieto, saudoso, doente, como um pássaro na gaiola,
Respirando com dificuldade, como se me apertassem a garganta,
Faminto de cores, de flores, do canto dos pássaros,
Sedento de palavras boas, de proximidade humana,
Tremendo de ira por causa da arbitrariedade e ofensa mesquinha,
Irrequieto à espera de grandes coisas,
Em angústia impotente pela sorte de amigos distantes,
cansado e vazio até para orar, para pensar, para criar,
desanimado e pronto para me despedir de tudo?
Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?
E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que ainda há em mim será como um exército derrotado,
Que foge desordenado à vista da vitória já obtida?
Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces,
Sou teu.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados:

Senhor, meu Deus, Tu vens com paz no meu mundo em guerra; Tu vens com força na minha fraqueza imensa; mãos abertas a tocar meus punhos cerrados.
Perdoa meu medo de abrir os olhos e aceitar o diferente; perdoa minha mágoa pelo que não foi e minha inveja pelo que os outros receberam. Deus de misericórdia, ouve minha súplica, perdoa os pecados, ensina-me a amar. Amém.

Bibliografia

LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985.
VOIGT, Emilio. Auxílio homilético sobre Lucas 9.51-62. In: Proclamar Libertação 20. São Leopoldo: Sinodal, 1994.


Autor(a): Ramona Weisheimer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 6º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 51 / Versículo Final: 62
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2012 / Volume: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25423
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