1 Coríntios 1.3-9

Auxílio Homilético

01/12/2002

Prédica: 1 Coríntios 1.3-9
Leituras: Isaías 63.16b-17 e Marcos 13.33-37
Autor: Valério Guilherme Schaper
Data Litúrgica: 1º Domingo de Advento
Data da Pregação: 01/12/2002
Proclamar Libertação - Volume: XXVIII
Tema: Advento

1. Introdução

Essa é terceira tematização desse texto no PL. No PL V, o texto foi tematizado no 18° domingo após pentecostes. No PL XVI, como agora, foi tematizado no 1° domingo de advento. Também as leituras são praticamente idênticas (ligeiras mudanças no texto de Isaías). O texto sugerido era sempre l Co 1.3-9, mas os autores acabavam tematizando os v. 4-9. Evidentemente, a divisão proposta por PL, v. 3-9, não se mantém senão por razões homiléticas, ou seja, arredonda o texto para pregação, introduzindo um trecho da saudação no proêmio. Vale, então, a sugestão do PL para a leitura dominical com vistas à pregação (v. 3-9), mas consideraremos para a reflexão aqui os v. 4-9. Uma vez que o texto já foi objeto de estudo em duas oportunidades, as reflexões exegéticas restringir-se-ão ao mínimo necessário. O leitor e a leitora encontrará informação exegética e teológica de qualidade nos estudos anteriores.

2. Considerações exegéticas e teológicas

A) Ação de graça: um recurso retórico? Não há dúvida de que o tom generoso do proêmio apresenta dificuldades exegética e teológica, pois no correr da carta esse tom muda consideravelmente e, em algumas passagens, prevalece uma linguagem agressiva (p. ex.: 4.19-21). Antes, porém, de adiantar qualquer reflexão, é preciso tecer algumas considerações.

a) Em primeiro lugar, é preciso lembrar que este tipo de proêmio com ação de graça não é estranho ao estilo epistolar paulino (Fascher, p. 84) .É possível encontrá-lo em outras cartas (l Ts 1.2-10; 2.13-16 -também 2 Ts 1.3-12, se desconsiderarmos aí a polêmica sobre a autenticidade paulina -, Fp 1.3-6, Cl 1.3-8).

b) A questão é se essa utilização de um proêmio de ação de graça tem uma intenção unicamente retórica (captatio benevolentiae) ou também teológica. Uma resposta conclusiva demandaria um estudo detalhado dos diversos proêmios (linguagem, conteúdo, etc.) e a razão de sua ausência em outras cartas. Não cabe, porém, na proposta de um auxílio homilético.

c) Se tomarmos, porém, como ponto de partida a carta aos Gálatas, em que falta uma ação de graça e Paulo inicia com observações críticas, é preciso, então, tomar em consideração a intenção teológica de Paulo na ação de graça. Aí é determinante a análise do vocabulário empregado.

d) Ainda que possa falar de um certo caráter retórico da ação de graça nos v. 4-9, é inegável a intencionalidade teológica da parte de Paulo. Fascher se recusa até mesmo a ver nessa fórmula de abertura qualquer resquício de retórica pedagógica ou meio de influência psicológica. Paulo, nessa abertura, fala como profeta (Fascher, p. 84).

B) Intencionalidades teológicas

O primeiro grande tema é a graça (v. 4). Nesse primeiro versículo, Paulo não deixa de reconhecer a graça de Deus presente na vida da comunidade de Corinto, mas formula isso de tal modo que é inseparável da afirmação de que essa graça é dada em Cristo Jesus.

Mas, no que consiste concretamente a graça de que fala Paulo? Ele reconhece a presença da graça no fato da comunidade de Corinto ter sido, em Cristo (nele), enriquecida em tudo. Essa riqueza manifesta-se em tudo o que diz respeito à palavra (v. 5: lógos) e ao conhecimento (v. 5: gnôsis). Esses conceitos ainda não têm aqui um conteúdo preciso. Isso ocorrerá apenas no capítulo 8 e 12 da carta (Fascher, p. 85). Vale mencionar que também nesse contexto da riqueza, Paulo menciona que não falta à comunidade nenhum dom (v. 7: chárisma). Aparecem aqui, então, os três conceitos (lógos, gnôsis e chárisma) que estão no cerne das questões debatidas ao longo da carta, como se Paulo já enunciasse os temas a serem desenvolvidos, indicando, à semelhança de uma abertura musical, já de saída a direção da sua argumentação (Fascher, p. 85).

A argumentação de Paulo é circular, pois o leitor não esquece o enunciado do v. 4: a graça, em toda a diversidade de sua riqueza, é dádiva, presente de Deus e só a ele cabe a gratidão, como fonte de onde emana todo poder, toda a riqueza da graça. Essa argumentação é acentuada no capítulo 4, onde se lê: (...) que tens tu que não tenhas recebido, e se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido? (l Co 4.7). E, em seguida, com certa ironia, Paulo acrescenta: Já estais fartos, já estais ricos: chegastes a reinar sem nós”.(l Co 4.8).

Determinante em toda a argumentação paulina é o fato de colocar tudo isso em perspectiva escatológica. O testemunho de Cristo é confirmado (torna-se firme) nos (entre os) Coríntios (v. 6) e o próprio Cristo os confirmará até o fim (v. 8). Também é nessa perspectiva escatológica que Paulo descreve a situação dos Coríntios: eles estão aguardando (termo recorrente em Paulo: Rm 8. 19,23,25; Gl 5,5; Fp 3.20) a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 7), que também os confirmará para que sejam irrepreensível, até o dia do nosso Senhor Jesus Cristo (v. 8). Deus, que chamou para, comunhão de Cristo, seu Filho e Senhor nosso, é a garantia do valor dessa promessa (v. 9). Ele é fiel!

C) Considerações pastorais

É evidente que a intenção fundamental de Paulo com esse proêmio, com essa carta, é pastoral (admoestar, conforme 4.14). Paulo tem recebido informações acerca da comunidade que fundou e as informações são preocupantes: tanto há desvios como incompreensões bem-intencionada. Se Paulo defende aqui uma justa compreensão do evangelho não é por apego à ortodoxia, mas por amor às pessoas e ao evangelho que pode tornar a vida delas mais plena. Por isso, inicia mostrando a profunda riqueza da graça de Deus na vida da comunidade, riqueza esta que vem exclusivamente de Deus em Cristo e que não pode ser egoisticamente malbaratada. Paulo aponta para riqueza espiritual em posse da comunidade na esperança de estimulá-la que, em humilde consciência da origem da riqueza, administre condignamente esses bens e, com justiça, partilhe a mesma equitativamente.

A posse provisória desses bens, dessa riqueza, concedida gratuitamente por Deus em Cristo, deve ser conduzida, administrada, partilhada no horizonte escatológico da posse plena e definitiva de todos os bens de Cristo. O caráter de provisoriedade, precariedade da posse – não da riqueza (logos, gnôsis, chárisma) - coloca sob suspeita o aferrar-se a esses bens como se a posse fosse plena e definitiva. Quem age dessa forma é, por essa argumentação, exposto ao ridículo de estar tomando as coisas penúltimas por últimas. A irrepreensibilidade no dia de nosso Senhor Jesus Cristo “passa pelo gerenciamento da riqueza presenteada. A firmeza (confirmação) tanto do testemunho como irrepreensibilidade é assegurada em Cristo. Deus é que chamou para a comunhão em Cristo e ele, através de Cristo, e quem confirma a todos.

3. Considerações litúrgicas

a) O texto é indicado para o 1° domingo de advento. O tema da espera e da vigilância está bem atestado nos textos previstos para a leitura dominical (Is 63.16b-17 e 64.1-8; Mc 13.33-37). No texto do profeta Isaías, há um trecho primoroso que pode ser usado como tema desse domingo: Porque desde a antiguidade não se ouviu (...) nem se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera. Sais ao encontro daquele que com alegria pratica a justiça, daqueles que se lembram de ti nos teus caminhos (...) (Is 64.4-5).

b) O Deus que trabalha para aquele que nele espera é também o Deus de que fala Paulo, pois ele é o Deus que chama para a comunhão, concede generosamente a riqueza de sua multiforme graça, mantém a firmeza dos seus enquanto esperam e permanece fiel até o fim.

c) No texto de Marcos (13.33-37), predomina o tema da vigilância na espera, que, no texto de 1 Co, aparece na afirmação de que os Coríntios estão aguardando a revelação (v. 7). Esse aguardar em Paulo inclui a paciência (Rm 8.25), a justiça que provém da fé (Gl 5.5) e a vinda do Senhor (Fp 3.20). Aqui retorna a reflexão do ponto anterior, sobretudo o segundo parágrafo.

d) Todo o culto deveria ser permeado pela ideia do advento, da espera. O fato de acender-se a primeira vela da coroa de advento poderia ser trabalhado ao longo do culto. Uma sugestão seria elaborar a coroa toda ao longo do culto, relacionando cada uma das partes da coroa com as partes do culto e marcando as seguintes idéias-chave: * Deus trabalha para os que esperam; * Os que esperam já foram e são ricamente abençoados com toda sorte de dádivas (aqui cabe um retrospecto da vida da comunidade no ano eclesiástico que se encerrou, apontando para os grandes momentos de conquista e alegria. Caberiam ainda participações da comunidade. As pessoas dão testemunho da graça de Deus em sua vida ao longo do ano. Podem fazer isso trazendo ramos verdes para a coroa.); * Há uma missão para os que esperam (vigiar e administrar corretamente os bens, as riquezas concedidas por Deus e, com justiça, partilhá-las equitativamente na comunidade). Essa missão pode ser representada pela luz que a vela irradia.

Bibliografia

FASCHER, Erich. Der erste Brief des Paulus an die Korinther: Erster Teil: Einführung und Auslegung der Kapitel 1-7. 2. Aufl. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1980.
MEEKS, Wayne A. Os primeiros cristãos urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulinas, 1992.
PORATH, Renatus. l Coríntios 1.4-9. In: KILPP, Nelson; WESTHELLE, Vítor (Coords.). Proclamar Libertação : Auxílios Homiléticos. São Leopoldo: Sinodal, 1985. v. XVI, p. 51-55.
STIEGEMEIER, Werno. l Coríntios 1.4-9. In: KIRST, Nelson (Coord.). Proclamar Libertação: Auxílios Homiléticos. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985. v. V, p. 228-234.

Proclamar Libertação 28
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Valério Guilherme Schaper
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 1º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 3 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2002 / Volume: 28
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7196
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