1 Coríntios 12.1-11

Auxílio Homilético

20/01/2013

Prédica: 1 Coríntios 12.1-11
Leituras: Isaías 62.1-5 e João 2.1-11
Autor: Wilhelm Sell
Data Litúrgica: 2º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 20/01/2013
Proclamar Libertação - Volume: XXXVII


1. Introdução

Estamos no segundo domingo da Epifania. É revelação de Deus, graça revelada. É tempo oportuno para analisarmos o que é ser cristão e, consequentemente, igreja na perspectiva do Deus que se revela por meio de sua Palavra às nossas vidas. No texto indicado do Antigo Testamento (Is 62.1-5), lemos sobre a promessa de Deus em revelar-se de maneira admirável. Já o texto do evangelho (Jo 2.1-11), indicado como leitura por parte do Novo Testamento, mostra-nos Jesus de Nazaré revelando-se em seu primeiro milagre: é o início da admirável revelação do Deus encarnado num mundo carente de sentido, amor e esperança.

O texto de 1 Coríntios 12.1-11, abaixo analisado e indicado para pregação, fala sobre os dons. Temos o apóstolo Paulo orientando uma comunidade famosa por seus problemas. O desafio é que, em conjunto com essa comunidade, olhemos essa temática em sua relação com o que é ser igreja. Deus revela sua intenção com os diversos dons existentes e a função desses no corpo de Cristo. O intento é que este estudo exegético seja um auxílio para que a palavra de Deus possa ser anunciada de maneira relevante para a vida das pessoas, motivando-as a viver em união, a servir com seus dons, sendo desafiadas a testemunhar e a viver a partir da fé e do amor de Deus.

2. Exegese

A antiga cidade de Corinto foi destruída em meados de 146 a.C. César refundou a cidade em 44 a.C. como colônia romana. Em meados de 29 a.C., a cidade torna-se a capital da província romana de Acaia e moradia de um procônsul. Servida por dois portos (um ao ocidente e outro ao oriente) e localizada num excelente eixo de comércio, tornou-se uma cidade aberta ao mundo e numerosa em habitantes (algo em torno de 500 mil). Em 49 d.C., o apóstolo Paulo chega a Corinto para anunciar as boas-novas do evangelho de Jesus Cristo.

Em Atos 18.1-18, somos informados sobre o início da igreja. Paulo encontra na cidade o casal Áquila e Priscila, fazedores de tendas por profissão. Primeiramente, Paulo trabalha com eles para seu sustento. Em seu tempo livre, ele visita a sinagoga judaica e participa da exposição da Torá. Posteriormente, ele dedica-se ao ministério da Palavra, sustentando-se com ofertas trazidas por seus colaboradores Timóteo e Silas. Paulo professa Jesus como o Messias de Israel, e isso leva-o à ruptura com a sinagoga. Começam então as reuniões em casas, com famílias judaicas ou simpatizantes do judaísmo, que passam a crer em Jesus Cristo. Muitas outras pessoas são evangelizadas, resultando na conversão de judeus, gregos, gentios e escravos. Com essas pessoas é formada inicialmente a comunidade de Corinto.

Depois de um ano e meio de ministério em Corinto, Paulo viaja para Antioquia, na Síria, passando pela Ásia Menor. Em Éfeso, ele deixa o casal Áquila e Priscila, que encontra posteriormente um judeu de Alexandria chamado Apolo, que se destaca pela oratória e empolgação com o evangelho (At 18.23-28). Após algumas instruções acerca da fé, ele é enviado a Corinto. A comunidade havia crescido. Aparentemente, Apolo torna-se, por causa de sua capacidade teológica e argumentativa, importante na comunidade, a ponto de posteriormente haver aqueles que se chamavam “os de Apolo” (1Co 1.12; 3.4). Ele apoiou os membros nas discussões com judeus, demonstrando pelas Escrituras Sagradas que Jesus Cristo é o Messias esperado.

Chegaram também a Corinto alguns cristãos do Oriente, talvez de Jerusalém. Eram cristãos judeus que criam que a unidade da igreja estaria garantida se todos se submetessem a Pedro. Eles são os de Pedro (1Co 1.12). Esses, aparentemente, desconheciam Paulo e seu ministério. Um outro grupo denominava-se os de Cristo, aparentemente se considerando melhores do que os outros, garantindo, assim como os de Apolo e os de Pedro, que sua maneira de viver o evangelho era a mais correta. É a esse grupo, os de Cristo, que Paulo dá atenção especial, movido pela preocupação de que poderia estar levando a igreja de Corinto a desviar-se da verdadeira essência do evangelho.

Os de Cristo questionam se Paulo tem o Espírito Santo (1Co 7.40), se ele é um verdadeiro apóstolo (1Co 9.2; 15.9), se ele tem o dom de línguas (1Co 14.18), se ele recebeu revelações de Jesus (2Co 12.1) e se Cristo de fato falou por meio dele (2Co 13.3). Mas seus questionamentos vão além de uma controvérsia pessoal. Eles proclamam uma nova doutrina. Pelas respostas de Paulo a esse grupo, podemos perceber algumas características: eles não veem problema algum no fato de que os homens da igreja estavam se envolvendo sexualmente com moças de Corinto (1Co 6.12); exigem abstinência sexual dentro do casamento (1Co 7.1- 7); validam o divórcio por motivos espirituais (1Co 7.10-12); querem liberdade para participar de festas a ídolos (1Co 10.23); falam muito do Espírito Santo, enfatizando demasiadamente o falar em línguas como marca do verdadeiro cristão (1Co 12-14).

O conteúdo das cartas à comunidade revela uma igreja complexa e cheia de problemas. Paulo escreve na tentativa de orientar a comunidade em relação a perguntas que lhe são feitas por membros da comunidade e a partir de informações que recebe acerca da vivência diária das pessoas em relação à fé recebida. E ele faz isso de maneira incisiva e direta. A comunidade está inserida numa das principais cidades comerciárias da época e, concomitantemente, num contexto muito eclético quanto a credos, costumes e orientações. O fato de ser cidade portuária propiciava a vinda de muitos estrangeiros e, com eles, certa ênfase no desejo de diversão, evoluindo para conduta desregrada. Paulo, na carta em questão, dá a entender que o contexto no qual os membros da igreja estão inseridos influencia negativamente a relação entre a vida pessoal e a fé recebida.

Paulo fala acerca de algumas irregularidades morais na comunidade: caso de incesto (1Co 5), procura de tribunais pagãos (1Co 6.1-11), envolvimento com prostitutas (1Co 6.12-20). Responde a algumas perguntas éticas feitas (1Co 7.1- 11.1): matrimônio e celibato, sacrifícios e carne sacrificada, idolatria. O texto em estudo pertence ao contexto de 1 Coríntios 11.2-14.40, em que o apóstolo dá instruções para as reuniões da comunidade: uso de véu pelas mulheres nos cultos (1Co 11.2-16), correta celebração da Eucaristia (1Co 11.17-34), necessidade dos dons serem medidos segundo sua contribuição para a edifi cação da igreja e em sua função missionária (1Co 12.1-14.40). As orientações que Paulo dá revelam uma situação complicada na vivência dos membros da igreja. Há partidarismos, briga de egos.

A maioria dos membros da comunidade de Corinto era formada por pessoas pobres e escravas (1Co 1.26-28; 7.21; 12.13). Havia também uma minoria rica que participava da comunidade (1Co 11.21s). Tratava-se, portanto, de uma comunidade com múltipla composição, assim como seu contexto. Pessoas com diferentes modos de vida, cosmovisões, são alcançadas pelo evangelho. Querem ser igreja, mas falham pela falta de maturidade espiritual. Os coríntios não entendiam a importância da unidade. Facilmente se tornam partidaristas. Não estavam conseguindo entender o que é ser corpo de Cristo. E, consequentemente, não compreendiam a finalidade dos dons espirituais.

3. Meditação

É interessante notar, primeiramente, que Paulo emprega poucas vezes, neste bloco, o termo pneumatika (traduzido como dons espirituais em 1Co 12.1 e 14.1 e, aparentemente, utilizado pelos interlocutores da comunidade). Paulo prefere falar em carismas (charismata). Como dito no tópico anterior, há um grupo em relação ao qual Paulo se mostra seriamente preocupado. Esse grupo, os de Cristo, orgulhava-se muito da posse dos dons do Espírito Santo. Acreditava que o Espírito Santo revelava-se exclusivamente em eventos miraculosos, como cura de enfermos e falar em línguas. O problema visível e perturbador é que isso estava dissociado da conduta moral e da vivência real do evangelho na vida prática. Há uma separação muito forte entre carnal e espiritual. Deus manifestar-se-ia exclusivamente no extraordinário. No ordinário, tudo é permitido (1Co 6.12). Alguns exegetas observam aqui a influência de uma espécie primitiva de gnosticismo.

Havia um especial orgulho sobre alguns dons, pois seus portadores podiam ganhar atenção, respeito e influência, destacando-se dentre os demais como aqueles particularmente mais próximos de Deus. Se na igreja de Corinto havia partidarismos e vários grupos, surge esse grupo que se destaca justamente por afirmar que os dons miraculosos revelam que eles são os verdadeiros cristãos. Diante disso, Paulo, falando de carismas, passa a ensinar que todos os dons aplicados na igreja são dádivas de Deus. Não devem ser motivo de orgulho ou distinção de importância (1Co 12.12-31), pois eles têm a sua eficácia e razão de ser quando usados para a edificação da igreja, como manifestação de amor ao próximo (1Co 13).

Paulo enfatiza a necessidade de manter a unidade dentro da diversidade de dons existente (v. 4). Esse enfoque é percebido quando ele fala que é o mesmo Senhor que concede todos os dons. Ele não defende a uniformidade, mas a unidade na diversidade. Os dons têm uma razão para coexistir. Eles estão aí para o serviço no reino de Deus. Por esse motivo, é ilógico e um absurdo haver divisão justamente por essa razão. Quando uma parte do corpo não desenvolve o seu papel, todo o corpo sofre com isso. Nesse sentido, nenhum dom é mais importante do que outro, mas codependente. Nenhum dom é distintivo de um verdadeiro cristão, mas a possibilidade dada por Deus de servir tendo em vista as outras pessoas.

No texto, Paulo coloca essa questão de maneira tal que fica claro que o Espírito Santo não despacha ninguém de mãos vazias, mas todos têm a sua função dentro do corpo de Cristo. Também esse corpo, com todos os dons que nele existem, não tem finalidade em si. O objetivo do corpo, da igreja, é o agir missionário. Somente é possível entender o apóstolo Paulo quando se o percebe como missionário, preocupado para que o evangelho seja levado adiante. Em nossa perícope e em seu contexto, isso se torna claro quando se afirma que também os dons têm essa finalidade: a edificação da igreja em vista do outro. Dietrich Bonhoeffer disse, certa vez, uma frase que se encaixa perfeitamente aqui: “Igreja só é igreja quando é para os de fora”.

Esse também é o desafio nos tempos atuais. A igreja/corpo de Cristo tem como finalidade ser missionária e relevante para a vida das pessoas, tanto as que fazem parte desse corpo como as de fora. Para que isso aconteça, dons e talentos são dados pelo Espírito Santo para engrandecer a obra de Cristo neste mundo.

4. Imagens para prédica

Lemos o texto para a pregação deste final de semana procurando entendê-lo em seu contexto, mas também já visualizando o contexto vivencial de nossas comunidades. Não falo nenhum absurdo ao dizer que também em nosso meio facilmente surgem brigas de egos e partidarismos. A pergunta essencial que nos deve nortear é: o que é ser igreja?

Essa pergunta deve ser respondida olhando para nossa realidade. A impressão, muitas vezes, é que a igreja é uma estrutura física nas quais pessoas fazem parte ao estar arroladas num cadastro de membros. Estando em dia com as mensalidades ou anuidades, tem-se o direito a certos atendimentos religiosos. Com isso, a igreja corre o risco de flagrar-se como “associação prestadora de serviços religiosos”, o que certamente não é a intenção do ser igreja de Cristo. Nesse sentido, o texto traz à reflexão a pergunta sobre quem é a igreja. A igreja são os membros! Igreja não é o templo, as estruturas, mas sim as pessoas que vivem a fé que receberam de Deus. Essas pessoas são chamadas a servir através do sacerdócio geral em prol da Missio Dei, a partir dos dons que cada uma recebeu. E, como Paulo afirma, não há nenhum dom que é dispensável ou mais importante, mas todos são igualmente essenciais para o ser igreja na perspectiva de sua vocação.

É perceptível que vivemos numa cultura de consumo. A ideia é que tudo pode ser comprado. A igreja não está livre ou isenta dessa realidade. As pessoas que fazem parte da igreja também trazem consigo essa referência do consumismo e querem transferi-la para dentro de sua vivência de fé. Algumas “igrejas” encaram bem esse papel de prestadoras de serviços religiosos, em que o produto principal é Jesus e em que se ofertam o sucesso profissional, a felicidade e o fim de todo e qualquer problema. Com isso não há compromisso ou envolvimento com dons e serviços, é apenas uma negociata. Existem também igrejas que se negam a esse papel, mas que tem um público que somente quer participar da vivência comunitária como quem está num teatro ou cinema. São pessoas que não querem envolver-se, nem servir, somente receber. E aqui somos desafiados a mudar essa realidade por meio do ministério da palavra e do ensino.

O texto a seguir pode servir como ilustração:

“Qual será o lugar mais rico deste mundo? Seriam os campos de petróleo do Kuwait, do Iraque ou da Arábia Saudita? Seriam as minas de ouro e diamante da África do Sul? Seriam os poços de urânio da Alemanha? Ou seriam as fontes de prata da África?
“De acordo com um sábio, os depósitos mais ricos de nosso planeta podem
estar há alguns quarteirões de nossas casas. Estão no cemitério local, enterrados embaixo da terra. Dentro das paredes daqueles túmulos estão sonhos que nunca se realizaram, canções que nunca foram escritas, pinturas que nunca encheram uma tela, ideias que nunca foram compartilhadas, visões que nunca se tornaram realidade, invenções que nunca foram criadas, planos que nunca passaram da prancheta e propósitos que nunca foram realizados. Os cemitérios estão repletos de um potencial que permaneceu inerte. Não enterremos nossos talentos” (Jaziel Guerreiro Martins).

5. Subsídios litúrgicos

Oração de confissão:

Senhor Deus e Pai! Diante de ti estamos neste culto para confessar que somos pecadores e precisamos de teu perdão. Perdoa-nos, Senhor, pelas vezes em que não vivemos de acordo com a tua Palavra, que nos motiva a viver como irmãos e irmãs. Perdoa-nos quando ignoramos o sofrimento das pessoas que nos cercam. Perdoa-nos quando usamos palavras duras para falar com os nossos familiares. Perdoa-nos quando enterramos nossos dons e talentos e negligenciamos a nossa tarefa de ser instrumentos para engrandecer o teu Reino. Enfim, Senhor, perdoa-nos por todos os nossos pecados e faltas, por tudo o que pesa em nosso coração. Isso te pedimos por Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador, que vive e reina hoje e sempre. Amém.

Oração do dia:

Bondoso Deus! Nós te somos gratos por ter o privilégio de estar na tua casa e por ser servidos pela tua santa Palavra. Pedimos: Abre nossos corações e mentes para que a tua Palavra seja transformadora de vidas. Faze de nós terra fértil para que a tua Palavra produza frutos em nós e através de nós. Dá-nos disposição para colocar nossos dons a serviço do teu Reino. Fala conosco, Senhor. É o que te pedimos, por Jesus Cristo, teu amado Filho, nosso Senhor e Salvador. Amém!

Sugestão de hinos: 85 (HPD) – Vem Espírito Divino; 320 (HPD) – Espírito Santo de Deus.

Bibliografia

HÖRSTER, Gerhard. Teologia do Novo Testamento. Curitiba: Editora Esperança, 2009.
MARTINS, Jaziel Guerreiro. Cento e uma belas ilustrações. Curitiba: AD Santos Editora, 2010.


Autor(a): Wilhelm Sell
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 2º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2012 / Volume: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25450
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Se a Palavra desaparecer, o mundo fica escuro. Aí ninguém mais sabe onde se abrigar.
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