1. O caso
Suicídio. Homem de pouco mais de 60 anos. Agricultor, que viveu com sua família em ambiente suburbano. Os filhos em parte são operários na indústria. A situação econômica é relativamente confortável. A família tem pequena propriedade rural, boa moradia de alvenaria. O grande problema dele — e de toda a família — são dois filhos excepcionais: um com grau de excepcionalidade mais leve, mas que ainda assim requer a presença constante de alguém, quando consegue executar pe¬quenas tarefas na lavoura e em casa; outro com alto grau de excepcionalidade, muito agressivo, que está sob vigilância constante e só dorme mediante tranquilizantes. A única pessoa que realmente conseguia lidar com esse filho era o pai.
O pai torna-se depressivo em alto grau, com forte tendência para o suicídio. O filho mais velho, e depois a família toda, é informado desse perigo pelo psiquiatra, que continua o tratamento. A família vigia o doente.
Não sei se houve outras tentativas concretas de suicídio. Mas, certo dia, ele levantou-se de madrugada e cometeu suicídio por enforcamento.
2. Alocução
Texto: Acaso não sabeis... que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo (l Co 6.19b-20).
Cara família enlutada: esposa, filhos, netos, demais parentes, vizinhos e amigos; cara comunidade de Jesus Cristo!
Toda morte nos choca; cada morte nos abala e nos atinge profundamente... Quanto mais então uma morte como a que aconteceu aqui hoje de madrugada.
Nós dois, caro filho H., conversamos longamente sobre isso. Vocês sabiam da sua doença no espírito e na alma. Vocês lhe proporcionaram tratamento médico e psiquiátrico com profissionais de reconhecida capacidade. Vocês, caros familiares, sabiam que ele corria risco de atentar contra a própria vida. A sua enfermidade trazia isso consigo. Por isso vocês o vigiaram, justamente para o impedir... E assim mesmo aconteceu. É duro aceitar isso... É difícil admiti-lo... É um golpe muito duro...
Pois nós não podemos concordar com tal ato. Como cristãos, nós cremos e sabemos: A vida que nós temos é um presente, uma dádiva de nosso Deus. Somente Ele no-la pode dar. E somente Ele tem o direito de no-la tirar, de pôr um fim nela. O nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo e deu a sua própria vida na cruz, pai n que nós pudéssemos ter o perdão de nossos pecados e herdar a vida eterna. Ou, para dizê-lo em outras palavras, como diz Paulo em l Co 6.19b-20: Acaso não sabeis. que não sois de vós mesmos? Fostes comprados por um preço (isto é: com a morte de Cristo na cruz). Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo. Assim é vontade de Deus, Assim o cremos; e assim deve continuar a ser.
Mas quem somos nós para julgar e condenar?
Eu penso que cabe a nós, como comunidade de Jesus Cristo, muito mais estar com a nossa compreensão, com os nossos sentimentos e com a nossa solidariedade ao lado de vocês, cara família. Porque um ato desses, como o que cometeu o nosso H., ninguém comete gratuitamente. Por trás desse ato está um desespero, uma desorientação, um não conseguir mais viver e suportar a vida. Também sobre isso nós dois conversamos, caro filho H. Mesmo que nós possamos e devamos dizer: Aquilo que lhe era tão pesado, quando ele achava que as pessoas tinham algo contra ele, quando ele se sentia perseguido e desconfiava de tudo e de todos... tudo isso não era real, era apenas fruto da imaginação doentia dele. Para ele, porém, para o seu sentir e pensar, isso era real. E isso o fez sofrer tanto, que por fim ele sucumbiu e cometeu suicídio hoje de madrugada.
O que nos resta? Resta um sentimento de amargura e de impotência em todos nós, e especialmente em vocês familiares. Nós não conseguimos ajudá-lo. Nós não conseguimos ajudá-lo a carregar esse seu fardo. E ele sucumbiu sob o peso do mesmo... e partiu espontaneamente dessa vida...
Nós agora temos de sepultá-lo. Sepultá-lo e recomendá-lo a Deus. Nosso Deus, que nos ama tanto, que nos comprou com o sangue de seu Filho Jesus Cristo na cruz, em suas mãos vamos colocar o vosso esposo, pai e avô. Somente a Ele cabe julgar... Mas uma coisa podemos saber: também por H. Jesus Cristo morreu na cruz.
E nós? Nós precisamos pedir perdão a Deus porque fracassamos em todas as nossas tentativas de ajudá-lo. E saibamos mais uma vez: Nós fomos comprados por um preço. Por isso glorifiquemos a Deus em nosso corpo! Paulo diz: Acaso não sabeis... que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por um preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo (l Co 6.19b-20). Amém.
