1 Corintios 7.29-31

Auxílio Homilético

23/01/2000

Prédica: 1 Corintios 7.29-31
Leituras: Jonas 3.1-5 (6-9) e Marcos 1.14-20
Autor: Heinz Ehlert
Data Litúrgica: 3º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 23/01/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV
Tema: Epifania

1. Considerações exegéticas

O breve trecho indicado para a prédica é extraído do contexto maior de l Co 7.1-40, que trata da orientação ética que o apóstolo dá à comunidade de Corinto a respeito de matrimônio e celibato, que por sua vez se inclui na terceira parte da epístola (7.1-11.1), que disserta sobre questões éticas da vida comunitária.

No trecho em pauta o apóstolo, tendo argumentado a favor do celibato nas circunstâncias atuais da comunidade, passa a traçar a perspectiva dentro da qual toda a situação da Igreja deve ser vista: é a perspectiva do fim do mundo, ou seja, a perspectiva escatológica. Não é a visão de um cristianismo que se instalou e pode viver tranquilamente neste tempo presente, não. Toda a vida dos cristãos, tanto a individual e familiar como a comunitária, deve, constantemente, levar em consideração esse fim do mundo, o eschaton. Vejamos, pois, o que nos dizem os versículos do trecho.

V. 29: O tempo que resta é breve. Mostra-se aqui, sem dúvida, a concepção escatológica do apóstolo. Não quantifica a duração, apenas ressalta que é breve. Evita precisar qualquer dia ou hora, bem de acordo com o sermão profético do próprio Cristo segundo os evangelhos sinóticos. Mas nisto se traduz toda a tensão que a expectativa do fim ou do tempo que se esgota traz consigo.

Diante do porvir assim descrito, cabe à comunidade e ao cristão uma atitude de liberdade do mundo: ter como se não tivesse. Poder num momento ter, possuir, curtir sentimentos, participar da gestão de negócios e logo mais abrir mão de tudo isto. Começa por referir-se à vida matrimonial: o assunto que veio tratando de modo especial, porque a comunidade teve problemas a esse respeito. A união íntima entre homem e mulher, que existe desde o início da criação como boa ordem divina e garante a continuidade do gênero humano, não é excluída da estrutura deste mundo, da era presente e, portanto, faz parte do provisório.

V. 30: As experiências de choro e alegria, as grandes emoções que marcam a vida das pessoas, também dos cristãos, têm a sua razão de ser, o seu grande valor, mas não podem tomar conta da vida dos cristãos. O mesmo vale para os negócios, comprar e administrar, tão importantes no ambiente urbano e, certamente, para a sobrevivência de tanta gente.

V. 31: Os que lidam com o mundo (Almeida: os que se utilizam do mundo) completa a enumeração justamente das ocupações que fazem parte do dia-a-dia das pessoas e caracterizam sua existência no presente século. Neste último lidar com o mundo podemos ver incluído tudo que afeta a vida cotidiana, quer queira quer não, no âmbito familiar, mas também no campo social e político.

Toda essa lida está sob o signo do provisório, do passageiro ' 'porque este mundo passa. A fé cristã, a fé no Deus eterno, o conhecimento do evangelho que anuncia a vida eterna deve aceitar para a sua vivência e ação que não temos aqui cidade permanente (Hb 13.14). A convicção de que a estrutura deste mundo é a deste mundo mau (Gl 1.4). Embora seja a esfera, o espaço da atividade humana (e que caminha rapidamente para o fim), é ao mesmo tempo a esfera do poder anti-divino que governa neste mundo e sob cuja influência também os cristãos se encontram (l Co 2.6,8 e 2 Co 4.4). A liberdade do mundo (p. ex., ter como se não tivesse) e de tudo que também envolve os cristãos deve ser a forma de existência escatológica.

Nunca, pois, poderá haver uma entrega ao mundo, mas, pela entrega ao Senhor, a liberdade que pode, a qualquer momento, largar tudo isso. A Igreja tem que viver neste mundo que passa, no qual anuncia a vinda do Senhor e Salvador que inaugura o novo mundo, o novo tempo — o reino de Deus. O tempo da Igreja, antes do fim deste mundo, é o tempo em que o Senhor reina pela palavra e acompanha e dirige a comunidade cristã até a consumação do século (Mt 28.20). Com isso fica claro que o apóstolo não advoga uma fuga do mundo nem um desprezo das coisas deste mundo, mas lhes atribui um valor provisório e convoca à permanente atenção para o reino vindouro de Deus.

2. Meditação

O anúncio da vinda ou epifania (= aparição, revelação) do messias é ao mesmo tempo a declaração de que o mundo, de que este século ingressou na sua fase final. É também a fase final da história da salvação de Deus.

Essa etapa da história é também a história da Igreja cristã. Assim, lembrar a Epifania é apontar para a obra contínua de Cristo neste mundo, também com a sua Igreja e através dela.

Em sua oração sacerdotal, Jesus orava em favor de sua Igreja: Não peço que os tires do mundo; e, sim, que os guardes do mal (Jo 17.15). É uma das passagens que evidenciam, também a partir do seu contexto, que a história dos cristãos não será uma história de vida tranquila e mansa, mas, antes, de luta e sofrimento. Tal luta e sofrimento pode mudar de intensidade em diferentes épocas e circunstâncias, mas estará sempre presente e não deve causar estranheza aos cristãos.

O trecho indicado para a pregação aborda assuntos e, eventualmente, problemas da vida cotidiana de qualquer época e de qualquer pessoa — em vista do fim!  É a perspectiva especial dentro da qual o apóstolo Paulo convida a comunidade cristã a encarar a sua existência neste mundo.

É bem provável que justamente a aproximação da virada do século e milénio (ano 2000) teve por si este efeito: pensar no fim. No fim do mundo e da própria vida. Vivemos no tempo que passa e que terá um fim. Este fato traz consequências para o sentido de nossa vida, do que queremos, fazemos e podemos esperar. Mas será que temos claro isso? Será que realmente contamos com o fim como iminente, que poderá ser logo? Ou é apenas como uma hipótese entre outras que momentaneamente desafia à reflexão, que no fundo não mexe muito com o que é importante na vida, não é muito relevante para as questões existenciais?

É justamente nessas questões, porém, que o apóstolo insiste em mexer. E logo se refere a um dos temas mais complicados da vida humana: o convívio íntimo entre homem e mulher — o matrimônio. Quando os meios de comunicação hoje nos dão conta do enorme número de matrimônios que acabam em divórcio, percebemos como é sensível o assunto. Por outro lado, os jovens, em sua grande maioria, almejam encontrar o(a) parceiro(a) para a vida e casar-se. E isto mesmo que muitos não pensem logo numa união legal (de papel passado). Mas desejam uma união duradoura. Nisto a nossa época não é diferente de épocas passadas, p. ex. da do apóstolo Paulo. Ha/, parte da ordem divina da criação. Mas o que significa neste aspecto o fim de todas as coisas, o fim do mundo? Fica desvalorizado o matrimônio? De jeito nenhum! A argumentação do apóstolo e toda a mensagem do Novo Testamento evidenciam que nem o matrimônio nem o mandamento a respeito dele (que o protege) perdem algo de sua validade, importância e seriedade. Pelo contrário: tanto mais devemos cuidar de conduzir-nos conforme a vontade de Deus, porque amanhã poderá ser o nosso último dia. O apóstolo defendeu o celibato (tanto para o homem como para a mulher), mas como uma alternativa também válida — em vista do fim próximo, conforme ele esperava. E isto com vistas a uma dedicação mais radical ao Senhor. Para ele ainda não entrou em cogitação um eventual celibato de clérigos. O contexto, porém, deixa claro justamente que o celibato não pode ser uma exigência.

Para os casados ele diz aquela estranha palavra de que os casados sejam como se não o fossem''. O que poderia significar isto para um casal cristão, ser como se não fosse casado? O mesmo como se não que é também recomendado para todas as demais importantes áreas e âmbitos da vida humana? Será que eu não valorizo tanto mais o que tenho no momento, se sei que no momento seguinte posso perdê-lo ou ter de largá-lo? Será que muitos maridos e muitas esposas não tratariam melhor o seu cônjuge, sabendo que amanhã não o terá mais? Por isso, é de suma importância que a comunidade tenha programações que visem o fortalecimento do matrimônio, como cursos para nubentes e encontros de casais.

Existem hoje tantos fatores de desagregação da família — entre eles os próprios meios de comunicação (p. ex., novelas e séries na TV) — que é imprescindível que a Igreja crie oportunidade para jovens e casais refletirem sobre o matrimônio e novas possibilidades de uma convivência mais sadia e agradável. No fim dos tempos, para o tempo que resta, uma comunidade cristã precisa estar bem preparada e equipada para a missão. Essa missão também consiste em ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16).

O tempo que resta é o tempo da Igreja e o tempo oportuno para exercer a sua missão no meio do mundo. Para vários aspectos desta vivência e atuação no mundo o nosso trecho ainda chama a atenção. Fala, p. ex., das emoções como chorar, alegrar-se. Quão atual nos parece esta referência! Não é por acaso que os consultórios de psicologia e psiquiatria nas cidades estão cheios. Por outro lado, há pessoas procurando ajuda em centros ou igrejas que oferecem curas. Muitas doenças, como é sabido, têm causas psíquicas. Originaram-se em distúrbios emocionais. Evitar isso? Como? Adquirindo o equilíbrio emocional através da meditação da Palavra de Deus. Nada, pois, de exercícios esotéricos ou meditações transcendentais tão propagados hoje. O cristão não precisa disto. O culto, os estudos bíblicos, a clínica pastoral, os encontros de grupos na comunidade, enfim a vivência da comunidade terapêutica, fornecem os meios para a saúde emocional das pessoas. Diante do tempo que se escoa e do mundo que caminha para o fim, o crente não precisa apavorar-se, porque conta com a segunda vinda (aparição = epifania) do Senhor. Em outras palavras: Deus é o Senhor da história.

Isto também vale com respeito aos demais assuntos que o apóstolo ainda aborda e que demonstram a tremenda atualidade do texto. Dos que compram.... Somos uma sociedade de consumo que compra, compra, compra... Fico impressionado com a quantidade de lojas e lojinhas, bares e camelos numa mesma quadra de rua, e todos buscam os consumidores, às vezes, oferecendo nada mais do que bugigangas supérfluas. Aliás, falando em supérfluos: talvez a consciência de que este tempo e o mundo passam pudesse impedir o cristão de lançar-se também nesta corrida desenfreada para consumir. O cristão é desafiado a refletir sobre o que realmente é necessário para ele e seu semelhante e não simplesmente deixar-se arrastar pela onda do momento.

Os que lidam com o mundo.... Estou inclinado a pensar no mundo da economia, das finanças e da política. De uma forma ou de outra participamos dele, ora de maneira mais ativa, ora de maneira mais passiva. Não parece existir uma lei própria regendo a economia e a política, pedindo sempre mais? Como manter aí uma liberdade do mundo, uma distância das coisas, quando somos como que levados ou até arrastados? Como lidar de maneira inteligente com a chamada globalização com a qual somos confrontados e com a qual se debatem líderes em todas as áreas? Justamente os líderes cristãos que querem dar atenção à palavra de Deus devem unir-se e refletir em conjunto, seja em âmbito local, regional, nacional ou internacional. Como cristãos não podemos omitir-nos. Porque cristãos têm os melhores critérios. Sentem-se responsáveis, não somente perante alguma instância deste mundo, mas perante o Senhor, criador e salvador. liis aqui o lugar especial da missão da comunidade cristã, num sentido mais amplo. Anunciar o reino de Deus é anunciá-lo como Senhor também na lida deste mundo. O testemunho cristão certamente acarretará aborrecimento, perseguição, luta, sofrimento. Então cabe lembrar — em vista do fim — ... que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a se revelada em nós (Rm 8.18).

3. Indicações para a prédica

Para a formulação da prédica seja levado em consideração o que se apre¬sentou, seja nas considerações exegéticas, seja na meditação. A partir daí a prédica poderia ser desenvolvida nos seguintes passos:

1. A mensagem do fim faz perguntar pelo começo

A virada do século (20) e milénio (2° depois de Cristo) provocou pensamentos e prognósticos sobre o fim (dos tempos e do mundo). Pode até ter causado pânico. A nós convém lembrar o começo, não tanto teorias sobre o surgimento do universo, mas a epifania, i. é, a vinda de Cristo que inaugura o tempo da Igreja, a nossa era. A obra redentora de Jesus e a vocação da Igreja. Enfatizar que a segunda epifania de Cristo está iminente. É realmente a mensagem a nós confiada. Disso precisamos tirar consequências.

2. Aprendendo a lidar com o próximo e o mundo

A existência no meio deste mundo é o destino de todas as pessoas. É a situação também dos cristãos. A diferença é que os cristãos têm acesso a uma orientação segura: a palavra de Deus, o evangelho. Enorme importância tem o convívio na família, a começar pelo matrimônio. Mas também tudo que afeta nossa vida emocional, a situação econômica e política no âmbito nacional e internacional. Nesta altura aproveitar o que se disse a respeito disso na meditação. Apontar para as necessidades específicas existentes e as oportunidades que a comunidade já oferece ou poderia criar.

3. A nossa missão em vista do fim

Nunca esquecer que o tempo realmente se escoa e que o fim é iminente. Tal fato não deve desanimar ou até paralisar, mas desafiar a cumprir a tarefa recebida do Senhor. Levantar sinais: iniciativas, mesmo modestas, que mudam a convivência no lar, no trabalho, na sociedade, melhoram as condições de vida,enfrentam injustiças. Exemplificar! A força e o fôlego para isso provém da certeza que o Senhor rege a história e que voltará em breve. A sua promessa continua válida: Eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século. (Mt 28.20)

4. Subsídios litúrgicos

Hinos: Do hinário Hinos do povo de Deus, n° 40, 42 (antes da prédica), 41 (depois da prédica) e 95 (final).

Confissão de pecados: Envergonhados confessamos que mergulhamos demais nas coisas deste mundo sem contar contigo, Senhor. Perdoa-nos, porque pensamos demasiadamente em nós e não no próximo. Vivemos só no hoje, e lembramos pouco a tua presença entre nós e a tua segunda vinda. Tem piedade de nós, Senhor!

Oração de coleta: Senhor, reunidos em teu nome, agradecemos por mais esta oportunidade de vivermos a comunhão na fé. Prepara os nossos ouvidos e corações para ouvirmos como discípulos. Toma-nos sensíveis para percebermos, através da tua palavra, a mensagem que tens para nós neste encontro de adoração. Dá-nos. Senhor, vontade e coragem para participar. Amém.

Oração final: Mencionar situações específicas de problemas nas famílias ou na comunidade, de relacionamento ou saúde; situações referente a desemprego; orar pelo trabalho com crianças e jovens e pelo trabalho diaconal da comunidade; orar pelos obreiros na Igreja, em geral, e nos campos missionários, especificamente.

Bibliografia

BULTMANN, Rudolf. Theology of the New Testament. New York : Charles Scribner's Sons, 1951. vol. l, cap. 26.
CONZELMANN, Hans. Grundriss der Theologie des Neuen Testaments. 2. ed. München : Cristian Kaiser, 1968. cap. 32, II e cap. 35.
FASCHER, Erich. Der erste Brief des Paulus an die Korínther : erster Teil. 2. ed. Berlin : Evangelische Verlagsanstalt, 1980.
WENDLAND, Heinz-Dietrich. Die Briefe an die Korínther. 5. ed. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1948. (Das Neue Testament Deutsch.)

Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


 


Autor(a): Heinz Ehlert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 7 / Versículo Inicial: 29 / Versículo Final: 31
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12120
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Nós te damos graças, ó Deus. Anunciamos a tua grandeza e contamos as coisas maravilhosas que tens feito.
Salmo 75.1
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