1 João 5.11-13

Auxílio Homilético

26/12/1985

Prédica: 1 João 5.11-13
Autor: Carlos Musskopf
Data Litúrgica: 2º. Dia de Natal
Data da Pregação: 26/12/1985
Proclamar Libertação - Volume: XI
Tema: Natal


I — Introdução e contexto

O tema específico da perícope, sem dúvida, é a vida eterna.

No entanto, o falar a respeito da vida eterna não se dá no vazio; não é palavra desconectada da vida. Tem uma palavra que engancha nosso texto ao precedente: testemunho. O testemunho que Deus dá. E não podemos entender o texto sem ter em mente os vv. 1-10: os vv. 1-5 falam da vitória das pessoas de fé sobre o mundo; os vv. 6-10, daquele que torna possível esta vitória: o testemunho do Espírito Santo, E o nosso texto reforça o poder da fé, a confiança plena e inabalável que os que crêem podem ter em Deus.

O testemunho liga necessariamente o texto aos versículos anteriores. Não um testemunho qualquer, mas o testemunho que Deus dá (v. 10). Neste ponto, nos lembramos do tema do ano de 85 — o Espírito da verdade concede a vida. Negar ou desperdiçar este Espírito é colaborar com a morte e todos os seus sinais (fome, injustiça, exploração...).

O Espírito da verdade aponta para a fé em Jesus Cristo. Isto é radical e definitivo. Mais precisamente, o Espírito da verdade confirma que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Não se trata de um homem qualquer, que faz prodígios e sinais maravilhosos. Trata-se de Deus mesmo, que na pessoa do Filho vem em carne e osso à terra, viver a vida das pessoas, para dirigi-la a um outro rumo. Conforme o v. 3, não são penosos os mandamentos de Deus. Penosos são os arreios e as travas que o mundo coloca sobre nossa cabeça, sobre nossa mente, de forma que muitas vezes tem a vitória sobre nosso pensar e agir. Mas, o que é nascido de Deus vence o mundo (v. 4). Isso é novo! Aqui está uma direção diferente — vencer o mundo. Não só desfazer os arreios e travas dentro de nós, mas suas fontes no mundo da competição, do poder, do materialismo.

Numa época como a de agora, quando fomos bombardeados pela máquina de propaganda em favor de um Natal mais feliz por causa dos presentes que se pode dar, nosso texto ganha relevância. Ávida está no Filho de Deus. A vida está radiante na manjedoura. A vida tem carne e osso. A vida tem sentimentos, impulsos, alegrias e decepções. O testemunho do Espírito não permite dúvidas ou vacilações: ou se crê na vida, ou se aposta na morte. Isto quer dizer — somente temos vida a partir daquele que nasceu em Belém. Esta é a proposta de Deus. Quem segue?

II — Comentário

Não há unanimidade na delimitação do texto. Pelo contrário, existem as mais diversas propostas. Sem entrar na discussão do porque, acho que podemos concordar com a divisão da perícope como está (vv. 11-13), considerando o que foi dito acima e considerando que este é o fim da carta. Opto por concordar com os que afirmam serem os vv. 14 ss um acréscimo posterior.

V. 11 — Toda vida que existe no planeta, é obra de Deus. Não só a vida animal, como a vegetal também. É a vida física, biológica, química. Como tudo que é matéria e tem energia, esta vida se transforma, e assume outros papéis, outras funções e assim continua neste processo infinitamente. Esta vida, mesmo que criada por Deus, se rege pelas leis da natureza, não tem vontade própria, nem capacidade de determinar sua função presente ou futura.

Somente aos que têm vida animal pensante existe a possibilidade de assumirem seu papel, sua função no mundo. Podem conduzir ou alterar os rumos da história. Eles são a obra-prima da Criação e significam, ao mesmo tempo construção ou destruição do mundo. Dependendo da forma como encaram a vida, vão assumir um compromisso positivo ou negativo com relação a ela.

Os animais pensantes recebem, de Deus, algo mais que vida biológica fatalista, sobre a qual não têm domínio. Para eles, Deus coloca a possibilidade de elaborarem projetos de vida que ultrapassem os limites da lei natural. Esta possibilidade é impulso, orientação, convocação, feitos por Deus através de Jesus Cristo (v. 6a). É propriedade divina, que Ele dá. Uma vida que não se limita à existência física, biológica, mas que dura para sempre.

V. 12 — Cuide-se com o verbo ter. No contexto, ter não é ser dono, mas estar possuído por. Aquele que está na posse do Filho, está possuído pela vida eterna. Eles são, no dizer de Paulo Freire, biófilos. Tem vida, são agentes de vida.

Com clareza Impar o texto mostra que vida eterna é vida que se vive hoje, aqui e agora. Usando da razão, quem tem a vida tem o Filho, é dominado pela Sua vida, pelos seus interesses, tem as preocupações voltadas para realizar Sua vontade.

Aquele que não tem (é possuído) pelo Filho, está capenga. Tem vida biológica, mas não tem o prazer máximo de viver, que consiste justamente em lutar pela vida. Se o Filho não está na pessoa, ela é fria, amorfa e sem gosto. Não cabe, aqui um juízo, sobre esta pessoa. Somente a constatação de que é assim.

A Comunidade de fé é desafiada a ser sinal visível de vida no mundo.

V. 13 — A mensagem de João é para aqueles que crêem. Não está julgando nem condenando os que não crêem. Só diz que crer significa ter a marca da propriedade de Deus. Marca não como sinal visível, mas como disposição de vida.

Certamente nas Comunidades da época havia dúvidas com relação a isto. Comunidades perseguidas, sem garantias, sem templos, sem quaisquer sinais visíveis de fé, dependiam única e exclusivamente do que se passava na mente dos adeptos. Estar convicto de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, era o único elemento de ligação entre os cristãos. Gestos, cruzes, vestes que poderiam identificar os irmãos, estavam proibidos.

Mas eles não precisam ter dúvidas. A vida se tem pela fé. E fé se tem na mente.na consciência. Consciência de ser possuído, amparado, por Deus, de ser liberto da ideologia dominante, seja ela qual for.

A fé que eles receberam não os tira do mundo, nem faz viver num mundo a parte, mas considera os valores do mundo, os avalia conforme a vontade de Deus e leva a transformar os valores que trazem morte em valores que distribuem vida.

III – Reflexão

O tema geral da perícope pode ser resumido em: FÉ E VIDA ETERNA.

A carta se dirige a uma Comunidade, mas não ignora que ela é composta por pessoas, com seus valores e sentidos. Assim, dá uma força a cada pessoa em particular. É lógico, à pessoa que crê. Está dizendo ao crente que ele é eterno. Que sua vida é muito mais que vida física ou biológica. Que sua vida ultrapassa os limites da finitude natural, e se dirige ao eterno.

Uma planta, um cachorro, uma minhoca tem vida, tem sentimentos, mas sua vida se limita aos dias em que tem esta função orgânica. Depois, morre e se transforma em outra, em outra, num ciclo determinado pelas leis da natureza, que se torna permanente se não for alterado. Para os que crêem, é diferente. Uma vida que se sabe eterna é uma vida comprometida com a própria vida, com o sentido que ela tem, aqui e agora.

Aquele que sabe que tem a vida eterna não se deixa desanimar pelas dificuldades da vida. Mas pode olhá-las com serenidade e definir formas de luta para erradicá-las. Nisto consiste a vida eterna: estar disposto a lutar por um mundo onde cada ser humano possa realizar-se como tal. Onde seus interesses não estejam limitados pelo ter ou pelo aparecer. Estes dois inimigos da vida acompanham a humanidade desde o início. São os elementos necrófilos que tem dirigido a vida da maioria das pessoas; tanto as que vencem, quanto as que perdem nesse jogo.

Na verdade, não é fácil viver dentro deste mundo, com toda ideologia dominante (que impõe os valores do ter e do aparecer) e não se deixar dirigir por eles. Os que crêem só podem viver subversivamente dentro deste mundo. É organizando os biófilos, reunindo os que querem trazer vida, não sendo cúmplices dos necrófilos, que os que sabem que sua vida é eterna realizam sua missão dentro do mundo. Não penso num grupo de santos e perfeitos que querem santificar e aperfeiçoar os outros, mas num grupo de pessoas pecadoras e imperfeitas que procuram transformar-se a si mesmas e as relações que existem entre elas.

Sendo assim, a fé só tem sentido em Comunidade. A Comunidade dos que se sabem possuídos pela vida eterna é fonte de paz, de consolo, de alegria e de estímulo. A Comunidade não é um local pesado, triste, formal, superficial. Onde isto acontece, não há verdadeira Comunidade. Se não há vida plena, transbordante, não se pode dizer que está presente o Filho de Deus. Esta é uma Comunidade que existe em função de si mesma, dirigida pelos valores e interesses da ideologia dominante. Ali se prega para alimentar o ego das pessoas e o testemunho é dado através de construções, festas e assistência social.

A Comunidade dos que têm a vida eterna valoriza o ser humano como criatura de Deus, criativa, livre e alegre e seu testemunho se expressa justamente em saber que tem a vida eterna, ou seja, na luta ao lado dos que querem transformar as estruturas necróf ilas da sociedade, em estruturas biófilas. É evidente que esta luta se dá em duas frentes: na igreja, onde se ora, se lê a Bíblia, se celebra a fé; nas instituições da sociedade, onde o confronto com os poderosos é mais direto.

IV — Prédica

A prédica deve levarem conta a Comunidade onde é feita. Sugiro um certo impacto. O pregador pode dizer que, hoje, a prédica talvez não vai ser para todos, mas só para os que crêem verdadeiramente no nome do Filho de Deus.

Estes têm a vida eterna. Falar de como deve ser entendido aqui o verbo ter. Aqui também entram as palavras de consolo e alegria para os que têm a vida eterna.

Continuar dizendo que saber ter a vida eterna significa viver esta consciência na Comunidade e no mundo. Quer dizer, saber significa fazer. Seria interessante fazer um levantamento (na preparação da prédica ou no culto mesmo) de quantos grupos interessados em lutar pela vida existem na localidade, e quantos participam destes grupos.

No final um chamado àqueles que ainda não sabiam que crer significa ter a vida eterna, uma vida que vale mais que a vida física, biológica e que leva a fazer mais vida no mundo.

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, eu reconheço o quanto tenho sido formal e superficial na fé, buscando na Comunidade a satisfação das minhas vontades e a confirmação dos meus valores.

2. Oração de coleta: Senhor, nosso coração é duro e nossa mente está dominada pela vontade de aparecer. Mas Tua Palavra tem poder para nos transformar e dar um novo rumo em nossas vidas. Assim, agora, quando vamos ouvi-la, opera com Teu Santo Espírito em nós, para que ela encontre em nós um terreno fértil.

3. Para a oração final: (Lembrar que orar é comprometer-se. Não é esperar que Deus faça, mas dizer que Ele pode contar comigo). Por aqueles que — não crêem no Nome do Filho; são perseguidos por causado Seu Nome; vivem na alegria de se saberem possuídos pela vida eterna; atuam na Comunidade com humildade e disposição; atuam nos grupos interessados em trazer vida na localidade.

VI — Bibliografia

- BALZ, H. Der erste Johannesbrief. In: Das Neue Testament Deutsch, v. 10, Göttingen, 1973.
- BARCLAY, W. El Nuevo Testamento, v. 15, Buenos Aires, 1974.
-— LOHSE, E. Introdução ao Novo Testamento, São Leopoldo, 1974.
- Comentários introdutórios da Bíblia de Jerusalém e da Bíblia latino-americana.


 


Autor(a): Carlos Musskopf
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal

Testamento: Novo / Livro: João I / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1985 / Volume: 11
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17602
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