1 Pedro 1.17-23

Auxílio Homilético

08/05/2011

Prédica: 1 Pedro 1.17-23
Leituras: Lucas 24.13-35 e Atos 2.14a, 36-41
Autora: Odete Liber Adriano
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 08/05/2011
Proclamar Libertação - Volume: XXXV 


1. Introdução

Os textos propostos para o terceiro Domingo da Páscoa assinalam a importância da ressurreição de Jesus para a fé cristã, além de trazer a ideia de pertença, de inclusão na promessa de Deus, de comunhão e proteção mútua. Lucas 24.13-35, a narrativa do encontro do Cristo ressuscitado com os discípulos no caminho de Emaús, mostra que os discípulos estavam tristes e desanimados (v. 17), frustrados e decepcionados com a religião de sua época (v. 20), desiludidos quanto às esperanças que haviam depositado em Jesus (v. 21), céticos quanto aos testemunhos que ouviram de outros (v. 22-24).

Atos 2.14a,36-41, a parte final do sermão de Pedro no dia de Pentecostes, cujo tema é a ressurreição de Jesus, afirma que Deus fez daquele Jesus Nazareno humilhado na cruz o Senhor e Cristo. Essa afirmação de fé é obra do Espírito Santo, conforme o apóstolo Paulo. “Messias” ou “Cristo” significa o rei ungido, que traz o reinado de Deus. A afirmação a respeito do Crucificado/Ressuscitado prepara o caminho para o responso dos ouvintes e leitores, que consiste em voltar para Deus e ser batizado em nome de Jesus.

1 Pedro 1.17-23 assinala o senso de comunidade, de comunhão, acolhida e proteção mútua. Os exilados a quem Pedro se dirige são “povo de Deus” pela ressurreição de Cristo e reconhecem que Deus não faz acepção de pessoas, pois os escolheu. No mundo em que os destinatários da carta sofriam acusações falsas e injúrias sem proteção da lei, ter um Pai que não faz acepção e que, na cruz de Jesus, foi solidário com os sofredores e com os que não têm lugar, era e é uma porta aberta para a edificação de um povo que vive em relações fraternas, igualitárias e de hospitalidade.

2. Exegese

1 Pedro 1.17-23 é considerado pelos comentaristas como parte de uma seção maior que se estende de 1 Pedro 1.13-2.10, chamada “renascimento e nova conduta”, “o novo status dos cristãos e suas consequências” ou “a conduta moral como dom e a tarefa do novo nascimento”. 1 Pedro relembra aos cristãos o dom que receberam (1.3-13), e o desenvolvimento da carta extrai as consequências das declarações apresentadas. A esperança futura não está desvinculada do presente. Assim, a seção, que é tipicamente de admoestação, apresenta seções indicativas e imperativas: as seções indicativas fundamentam as imperativas, quase como explicações do porquê de assim proceder.

O texto continua o tema da santidade, iniciado em 1.13. A salvação em Cristo deve conduzir à santidade; a salvação, “doação do Espírito de santidade”, deve expressar-se em santidade vivida. O fundamento da salvação é a morte de Cristo na cruz (1.19), o sangue derramado para nos resgatar de um modo de vida anterior fora da esfera divina. O v. 17, que assinala a transição para a sequência de indicativos, afirma que os leitores podem chamar a Deus de Pai. O nome de Deus não é mencionado, segundo o costume judeu, mas Ele é designado por um de seus atributos: “Aquele que julga sem acepção de pessoas”. Ao assinalar a responsabilidade de cada um por suas obras, o texto não deve ser entendido no sentido de uma intransigente justiça das obras. Paulo fala da mesma forma. Exige a fé, que se manifesta nas obras do amor, mas exclui a vanglória das obras. 1 Pedro fala também, como complemento e tensão dialética, da necessidade da graça.

Depois da afirmação de que os cristãos são peregrinos na diáspora (1.1), o texto acrescenta: “Portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação” (1.17). 1 Pedro fala repetidamente sobre a peregrinação do povo de Deus na terra, em especial devido ao influxo das expressões tipológicas do Antigo Testamento.

O temor do juízo, no início do texto, tornou-se agora conhecimento, cheio de temor reverencial. Aquele que foi redimido sabe que sua situação anterior era de desespero e que sua libertação custou o sangue do Cordeiro. Esse sentimento se manifesta na gratidão e alegria, mas também no temor de Deus, que determina cada momento de sua vida. Assim, ao lado do compromisso com uma nova conduta de vida por meio de Deus, o Juiz, surge a fundamentação para tal pela lembrança da redenção oferecida.

O resgate aconteceu “não mediante coisas corruptíveis”. Não aconteceu por meio de “prata ou ouro”, bens que potencializam a avareza, usualmente utilizados para pagamento de resgate no comércio. A fixação no que é passageiro não possibilita a liberdade da futilidade dessa existência. Para que isso ocorra, a doação de uma nova vida é necessária. Os cristãos “foram comprados” dessa fútil existência, de modo que o texto, referindo-se à ação libertadora de Deus na história, deixa claro que o resgate por Deus sinaliza uma mudança de propriedade, além da libertação das relações vividas anteriormente, compreendidas como escravidão.

O resgate através do sangue de Jesus é comparado em seu efeito redentor com o cordeiro sacrificial do Antigo Testamento. O sacrifício, muito mais do que mero desempenho humano substitutivo, é a reconciliação com Deus. Significa, no grande dia da reconciliação, a doação vicária da vida, possibilitada por Deus, a fim de que possa novamente voltar a estar no meio de seu povo, cuja vida havia sido arruinada. É também a doação de vida de Jesus Cristo. Não foram os seres humanos que se reconciliaram com Deus, mas Deus os reconciliou consigo mesmo, não só a eles, mas a todo o mundo, através de Jesus (2Co 5.19). A redenção aconteceu segundo o plano salvífico de Deus, “concebido antes da fundação do mundo, oculto durante algum tempo, mas agora revelado”. Cristo é o fundamento da fé, é aquele que Deus ressuscitou dos mortos e glorificou: Ele preexistia antes de todas as coisas, foi revelado nos últimos tempos, ressuscitou dentre os mortos e foi exaltado nas alturas.

A santificação, como “filhos da obediência”, requerida antes (1.14) é agora retomada na solicitação de purificar as almas na “obediência à verdade”. “Tendo purificado as vossas almas” destaca um fato passado que tem relevância para o presente. Ao aderirem à verdade do evangelho, reconhecendo sua pecaminosidade e ignorância e aceitando em fé o resgate propiciado pelo sacrifício de Cristo na cruz (1.19-20), as suas vidas foram purificadas. Foram também “resgatados do individualismo egoísta que caracteriza a existência humana no pecado” e colocados num “novo tipo de ‘existência corporativa’, como membros do povo de Deus, onde cada um não deve ter em vista ‘o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros’” (Fp 2.4). O propósito real da nova vida em Cristo é o amor fraternal. Originalmente, amor estava relacionado com Cristo, mas agora é o amor ao próximo que, como consequência da fé na salvação, deve determinar a maneira de viver de todos aqueles que creem. O fundamento do mandamento do amor ocorre pela renovação da referência à “regeneração”. Apesar do esforço próprio, necessário para um comportamento renovado, a nova existência não se fundamenta na ação própria, mas no cuidado divino antecedente, responsável pela renovação do ser humano. Dessa forma, fica novamente acentuada a proveniência “não-mundana” do meio de salvação redentor, nesse caso a antítese semente “corruptível” e a palavra de Deus, “incorruptível, viva e permanente”.

3. Meditação

Os cristãos foram resgatados de um modo fútil de vida, herdado de seus antepassados, “não mediante coisas corruptíveis”, isto é, “prata ou ouro”, mas através do “precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue e Cristo”. Duas contraposições destacam-se no texto: o sangue de Cristo com os bens terrenos; o metal precioso “corruptível” com o sangue de Cristo como o “cordeiro sacrificial, sem mancha e sem mácula”. O evento redentor assinalado pela obra de Cristo é, portanto, apresentado em oposição à esfera terrena da transitoriedade.

Dessa forma, a vida humana redimida passa a ter um valor excepcional, ou seja, ela é envolta pela ação salvífica de Deus através de Jesus Cristo. A vida humana é medida a partir da morte de Jesus Cristo. Nenhum esforço ou sacrifício humano se iguala ao sacrifício que Deus realizou através de seu Filho. Ele demonstrou em atos e palavras todo o seu amor por nós, quando veio ao nosso encontro, “assumindo a forma humana e tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.7-8). Os cristãos foram “resgatados do individualismo egoísta que caracteriza a existência humana no pecado” e colocados num “novo tipo de ‘existência corporativa’”, razão por que cada um não deve ter em vista “o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fp 2.4). O propósito real da nova vida em Cristo é o amor fraternal. O amor, originalmente relacionado com Cristo, é agora amor ao próximo, o qual, como consequência da fé na salvação, determina a maneira de viver de todos os que creem.

Nesse contexto, destaca-se a importância do v. 17: “Ora, se invocais como Pai aquele que sem acepção de pessoas julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo a vossa peregrinação”. Temor não é simplesmente um sentimento de medo, mas o reconhecimento amoroso da presença do Deus justo. Ademais, para não arrefecer os ânimos no empenho por uma vida de justiça, a “verdadeira e mais profunda medição dos valores tem de ser posta na perspectiva do eterno que irrompe em Cristo, pois na sua gratuidade Ele põe em cheque as nossas falsas perspectivas e valores”, nossos sonhos vãos e fúteis.

Todo cristão/ã é chamado a construir sua vida numa nova base: a realidade de Deus. Isso acontece todos os dias, pois todo dia é tempo de renovação e conversão. A tarefa cristã é testemunhar os feitos de Deus em suas vidas, dia a dia. Afinal, Deus é nosso alicerce, e em Jesus somos fortalecidos constantemente. Com Ele nossa esperança não se perde, nossa fé é fortalecida e, como comunidade de fé, nossos sonhos e angústias nos unem e nos fortalecem, pois não andamos sós, somos corpo! O preço dessa nova forma de relações foi alto. O texto deixa claro que a constituição do povo de Deus não está baseada em coisas perecíveis, como prata ou ouro, “mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (v.18-19). O importante a destacar aqui não é o sangue, mas o que ele representa – o dinamismo da vida. O sangue de Jesus derramado no calvário não pode ter sido em vão. Antes foi “por causa de vós” (v. 20), ou seja, por nossa causa mesmo, nós que hoje afirmamos que somos o povo sacerdotal de Deus.

É importante trazer à memória o sinal batismal do nascimento para a esperança, para o novo em Cristo. O nascer de novo pela palavra deve ser entendido como outra forma de dizer: “vocês oram resgatados”. Páscoa significa mudança de vida. Novas possibilidades de vida, mudança dos valores banais para os valores do reino. Da tristeza para a alegria; da decepção religiosa para a vida em comunidade; de uma visão errada do Cristo a uma visão correta; da morte para a vida. Enfim, somos desafiados a renascer e viver uma nova conduta todos os dias de nossa vida.

4. Imagens para a prédica

Um ramo seco com brotos verdes. O galho seco representa a nossa vida, e s brotos, a esperança e a força que vêm de Cristo. Significa que, mesmo quando achamos que nada é possível, com Ele, o Cristo, sempre é possível recomeçar. É possível, todos os dias, construir e reconstruir uma nova base, um novo alicerce em e com Cristo.

5. Subsídios litúrgicos

Colocar os galhos secos com pequenos brotos à frente da mesa da Eucaristia.

Oração:

Deus, contigo a vida tem um novo valor, porque somos envolvidos/as pela ação salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo. Sabemos que nenhum esforço humano se iguala ao sacrifício que realizaste em nosso favor através de Jesus Cristo. Com isso, pela gloriosa ressurreição de Jesus, teu Filho, destruíste a morte e trouxeste à luz a imortalidade. Concede a todos/as nós, que fomos ressuscitados com Ele, que permaneçamos na sua presença e nos alegremos na esperança da glória eterna; por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo, e pelo Espírito Santo, um só Deus, por todo o sempre. Amém!

Confissão comunitária de pecados:

Deus da graça e da verdade, muitas vezes perdemos a ligação contigo e com o próximo. Nós confessamos que, muitas vezes, nos esquecemos de que nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz e ressuscitou por amor a todos nós. Nós confessamos que, muitas vezes, nos esquecemos dos valores do reino e que o propósito real da nova vida em Cristo é o amor fraternal. Nós confessamos que nos esquecemos de testemunhar os teus feitos em vidas. Apresentamos-te nossa grande culpa e te pedimos perdão. Perdão, Senhor!

Bibliografia

MÜLLER, Ênio R. 1 Pedro: Introdução e contexto. São Paulo: Mundo Cristão/ Vida Nova, 1988.
FELDMEIER, Reinhard. A primeira carta de Pedro: Um comentário exegético-teológico. São Leopoldo: Sinodal/Faculdades EST, 2009.


Autor(a): Odete Liber Adriano
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 3º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Pedro I / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 17 / Versículo Final: 23
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2010 / Volume: 35
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25040
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