1 Pedro 2.1-10

Auxílio Homilético

27/06/1976

Prédica: 1 Pedro 2.1-10
Autor: Dario G. Schaeffer
Data Litúrgica: 2º. Domingo após Trindade
Proclamar Libertação - Volume: I


l - Sugestão de tradução

Colocando de lado, agora, toda a maldade, tudo o que machuca, a hipocrisia, a inveja e todas as destruições} desejem ardentemente, como crianças recém-nascidas-, o leite espiritual, sem maldade, para que nele cresçam para a salvação, caso já experimentaram como é bom o Senhor.

Vão chegando-se a ele, a pedra que vive, rejeitada por homens, mas por Deus escolhida como (sendo) preciosa; também vocês, como pedras vivas, são construídos (como) casa espiritual, para sacerdócio santo, para que ofertem sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por intermédio de Jesus Cristo.

Por isto está escrito na escritura: Vejam, coloco em Si ao a pedra escolhida, pedra fundamental precioso, e aquele que crer nela não será envergonhado. Para vocês, portanto, os que crêem, é preciosidade, mas para os que não crêem a pedra que os construtores rejeitaram transformou-se na pedra fundamental e a pedra da ofensa e a pedra do escândalo. Os que desobedecem à palavra tropeçarão, para o que também foram determinados.

Vocês, porém, são raça eleita, sacerdotes do Rei, nação santa, povo para posse (de Deus), para que proclamem os feitos milagrosos daquele que os chamou das sombras para a sua maravilhosa luz. Vocês não eram povo , mas agora são povo de Deus. Não haviam recebido misericórdia, mas agora receberam misericórdia.

II - A carta de Pedro em geral

Escrita pela comunidade de Roma (Babilônia – 5.13) a comunidades da Ásia Menor, certamente entre 90 e 100 d.C. Era época das perseguições aos cristãos, evidentemente, o que também é atestado pela carta: sujeição às autoridades (2,13ss; 18ss). 3.15 reporta-se ao caso de cristãos serem interrogados. Isto tudo mostra uma época em que os cristãos entravam em conflito com a sociedade em que viviam por causa de sua confissão e seu respectivo modo de vida. Incluam-se nesta sociedade as autoridades constituídas que torturavam os que seguiam a nova fé (2.20ss).

Os cristãos, numericamente poucos, já começavam a tornar-se um problema social por transgredirem normas até aí ainda sagradas. Com isto a sociedade da época se chocava e a tendência natural era a de eliminar o cancro que ameaçava crescer com persistência e argumentos que exigiam o emprego da força.

Este background temos que ter em vista para entender 1 Pedro 2.1-10.

Não podemos esquecer também que o próprio fato do ser cristão trouxe consigo situações difíceis que nem sempre conseguiram ser resolvidas, como por exemplo na família, onde a esposa crente deveria subordinar-se a seu marido, pois não parece ter havido possibilidade de solução.

Á primeira carta de Pedro mostra a preocupação de manter os cristãos como cristãos, fazer de tudo para que fiquem na fé adquirida e não venham a sair dela de novo, por ela exigir demais deles. Talvez com isto se expliquem posições que para nós possam parecer não cristãs, no primeiro mandamento, como p.ex. a sujeição as autoridades civis, ou a de escravos a seus senhores.

Não podemos naturalmente esquecer que não é possível - de modo fundamentalista - extrair programas sociais - pró ou contra o status social e político - diretamente da Bíblia para a nossa época. Mas mesmo assim fica a pergunta referente ao fato de a ação cristã na época da carta concordar com situações de injustiça.

Diversos comentários (G. Barth, A primeira epístola de Pedro, São Leopoldo, 1967; K.B.Kuemmel,Einleitung in das N.T.; W. Ullmann, Predigtmeditationen, caderno 3, 1970, p. 285ss.) procuram explicar o assunto colocando o peso nas admoestações para o servir, e caracterizam daí a carta. E este servir deve acontecer em qualquer situação naquela situação em que nos encontramos.

Acredito, no entanto, também, que a realidade da época colocava os cristãos frente a duas alternativas: Ou lutar por aquilo que achavam certo, e sucumbir - decisão tomada por milhares de cristãos; ou permanecer no underground, obedecendo e sendo fiéis as estruturas que não conseguiam mudar e com isso viver, servindo desse modo onde era possível. E a l Pedro optou pela segunda alternativa.

Que a subordinação, no entanto, tinha seus limites, a própria história da igreja crista registra em suas perseguições e mortes em massa. Nenhuma carta neotestamentária, no entanto (é de estranhar!), fala desta posição anti-governamental da época. Pelo menos não tão claramente como falam da posição de subordinação dos cristãos.

III - O texto

a - Tudo o que prejudica outras pessoas deve ser deixado de lado, deve ser abolido pelos que se confessam a Cristo. Deve-se apontar neste contexto para duas existências contraditórias:

filosofia humana - o velho (vers. 1)
leite espiritual - o novo (vers. 2)

O novo homem, que depende da palavra - como o recém--nascido do leite - desiste da desumanização do outro.

b - Salvação é um processo e não um acontecimento único e indelével (vers. 2). É realizada existencialmente por aqueles que experimentaram que salvação provêm da bondade de Deus com o mundo.

c - A vontade e a aceitação de Deus - que dá vida - mostra-se naquilo que é rejeitado pelo homem. Quem sabe, procurando-se entre aquilo ou aqueles que são rejeitados pela sociedade diariamente encontramos hoje a pedra viva - o Cristo? (vers. 4)

Os que vêem os sinais divinos no dia-a-dia de sua existência e os que procuram com ansiedade por eles, também serão pedras vivas na construção do templo, são sacerdócio santo, que ofertam sacrifícios a Deus etc.

d - O vers. 4 é fundamental para a prédica - compreensão de igreja e culto. Perguntas críticas a serem feitas e, quem sabe, respondidas: Quem é igreja (casa espiritual)? Que é culto (sacrifício agradável a Deus)?

Agradar a Deus não significa apaziguar um Deus raivoso com boas obras. Agradável a Deus é vida segundo a sua vontade, vida sem religiosidade, vida que não procura formalizar cultualmente a fé cristã, mas que molda a existência secularizada na vontade que Cristo nos revelou.

e - A sociedade humana não pode prescindir da fé é um reconhecimento da psicologia. Mas que tipo de fé pode ser normativa e tem o direito de sê-lo? A fé cristã ainda vive tão livre de instituições e de construções que possa fazer raça eleita, nação santa, povo de Deus dos brasileiros? (vers. 9)

f - A compaixão e a misericórdia de Deus são grandezas seculares, diárias, necessidades urgentemente imediatas do povo de Deus (vers. 10). A pobreza, a miséria , a solidão por um lado, o egoísmo, a pobre riqueza e o exagero em todos os sentidos por outro lado, clamam por sentido e solução: por misericórdia. O povo de Deus a recebe - e por isso pode dá-la.

IV – Pregação

Para a pregação deste texto escolheria como temática central Igreja e culto, baseado na oferta direta dos vers. 4 e 5 - vocês também são sacerdócio santo e casa espiritual. A partir daí pode-se seguir os seguintes pontos (As ideias abaixo terão conseguido seu intento também se o leitor chegar a conclusões diferentes, quiçá opostas, levado por elas):

a - Análise:

Culto é feito em igreja, em determinado momento. Só o fato de pessoas se revoltarem quando são feitos “cultos em formas novas já diz o que se pensa com respeito a esta tradição sacrossanta em si. E pode-se até chegar ao ponto de afirmar, depois de um culto de debates: Eu vou à igreja para ouvir o pastor, e não para pensar! Isto pode ser sintomático...

O culto dominical reúne elite religiosa, muito preocupada em manter presença. O necessitado de ajuda, o solitário, o necessitado de calor humano, de comunhão real e não teórica, procura um círculo religioso mais íntimo, como o oferecem as religiões orientais... ou um bar! Raramente a igreja.

As mudanças na vida de nossa igreja são na maioria das vezes mudanças de organização (remodelação da Secretaria Geral, preocupação acentuada com Caixa Central, com os veículos dos pastores, escolha de candidatos para esta ou aquela vaga). São formalidades. Deveriam acontecer mudanças de conteúdo - olhemos para a igreja católica...

A pedra que vive ainda chama outras pedras que vivem e constrói igreja - povo de Deus. Mas também na IECLB? Ou nossas preocupações principais são outras? Quais as preocupações maiores de nossas comunidades? Além do pastor, quantas pessoas se preocupam com o culto?

b - Todo cristão (ou toda pessoa rejeitada pelos homens?) é responsável por culto. Não por culto com talar, agenda, velas, hinos sacros. Mas por culto-vida , constante, insistente, desafiador, confrontador, incômodo, mas consolador, areia na engrenagem desumana e por isso humanizante. Realidade-Deus fazendo a realidade-homem.

Culto dos que são pedras vivas, tornadas vivas pelo constante exercício do convívio com a realidade-Deus , é deixar de lado aquilo que desumaniza e colocar em seu lugar a salvação. Se não, culto é hipocrisia. Também domingo na igreja!

Salvação acontece aqui e agora, (Salvação que acontece apenas depois da morte é alienação religiosa .) Salvação de errinhos e errões.

Mas ninguém se salva a si próprio. Aqueles que sabem das possibilidades de Deus e das chances que ele dá podem ser salvos e podem salvar outros. Salvação é diálogo restaurado com um filho; o arrependimento de uma fofoqueira, a humanização do trabalho operário; salário medido na necessidade essencial e não na capacidade produtiva; o perdão a quem errou, o abraço amigo e uma palavra de apoio a um solitário. Deus está presente no homem em crise, no homem rejeitado. Culto de salvação acontece lá. Com ou sem pastor. Sem liturgia prefixada. Na ação -no sacrifício agradável a Deus. Na comunhão de braços, mãos e cérebros que se entendem engajados por Cristo para serem igreja onde o homem mais necessita dela lá onde se mostra mais fraco.

c - Mudança de culto não é questão formal.

É questão de mentalidade.

Saber que igreja é construída com vida humana a serviço de Deus é saber que culto é possibilitar a existência e a coexistência humana. E neste trabalho, louvar a Deus.

Igreja é formada por pessoas cujas vidas são moldadas no confronto com o evangelho.

Poderia-se ficar abatido e desesperado ao comparar cifras: gente que sabe o que é igreja e culto versus gente que pensa que sabe o que é igreja e culto. Mas sabendo que somos raça eleita, isto é, batizados e por isso aceitos e perdoados, devemos nos alegrar com sinais e pistas da ação de Deus. Não apagá-los com nosso pessimismo. Mas cuidar para que cresçam das sombras da ignorância para a maravilhosa luz de Deus.

É trabalho árduo e ingrato, mas não podemos esperar de mão beijada um mundo perfeito, pronto para nos receber. Precisamos, isto sim, lutar por um mundo perfeito - o mundo de Deus. Como loucos.

Assim, se alguém ainda ora, precisamos ajudá-lo para que ore certo. Se alguém ainda lê a Bíblia, orientá-lo para que veja nela evangelho, boa nova, e não lei que escraviza. Se alguém ainda fala de Deus em sua família, na firma, na roça, com o pastor, fazer com que não seja hipocrisia religiosa.

Procurar com ansiedade por estas pistas é construir igreja - e construir uma sociedade e um mundo novo (talvez pedra por pedra - mas pedra viva).

d - O povo que é posse de Deus não aguenta a dicotomia entre fé cristã e vida social. Mas faz a vida social ficar dependente da fé cristã, isto é, a misericórdia divina é misericórdia para o mundo e identifica aqui o povo de Deus. E este povo aproveita tudo para concretizar esta identidade.

Isto é culto.

E onde acontece este culto há igreja.

Proclamar Libertação 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Dario Schaeffer
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Pedro I / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1976 / Volume: 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7257
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