1 Reis 17.8-16

Auxílio Homilético

11/11/2012

Prédica: 1 Reis 17.8-16
Leituras: Marcos 12.41-44 e Hebreus 9.24-28
Autora: Matthias Tolsdorf
Data Litúrgica: 24º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/11/2012
Proclamar Libertação - Volume: XXXVI


1. Introdução

O texto indicado para a pregação deste domingo já foi trabalhado duas vezes em Proclamar Libertação (XVI, p. 292-301; XXXI, p. 286-292). Recomendo o estudo desses dois auxílios homiléticos.

Friedrich E. Dobberahn (PL XVI) dá três sugestões de abordagem do texto: a) atualização da situação da viúva de Sarepta por intermédio da leitura e discussão de uma história de uma viúva da seca contemporânea, que, apesar de sua pobreza, consegue alimentar seus filhos e dar esmola a outras pessoas em situação de risco (esse relato é verídico e muito impressionante); b) tematizando o “confronto político entre a fé em Javé dos pobres e a religião estatal na capital da Samaria”, aliado à defesa dos interesses da classe dominadora; c) enfatizando o aspecto histórico-salvífico do texto: as palavras “a vasilha de farinha não se esvaziará, e a jarra de azeite não acabará, até o dia em que Javé enviar a chuva sobre a face da terra” devem ter sua origem numa canção popular antiga que o povo de Israel havia cantado por ocasião da entrada na terra prometida.

Valdemar Witter dá uma introdução mais ampla ao primeiro livro dos Reis e sugere abordar na pregação o desprendimento da viúva, a sua solidariedade ou a partilha na pregação. Mencionando o “pão como símbolo concreto das necessidades básicas das pessoas” (tanto materiais como espirituais), ele acaba sugerindo a utilização do pão como símbolo na pregação e aponta para as explicações de Lutero sobre a petição pelo pão na oração do Pai-Nosso.

2. O texto

Depois da primeira leitura do texto de 1 Reis 17.8-16, fiquei impressionado. A história da provisão de Deus que manda Elias para Sarepta e promete que ele será alimentado (mantido) justamente por uma viúva, pobre, desesperada, que já precisa cuidar de um filho e que está prestes a morrer de fome, é inacreditável. Como uma viúva pobre e desesperada daria primeiro um pão a um estranho antes de se alimentar, mesmo sendo pela última vez? Será que a promessa muito improvável “não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro” convenceu a viúva a dividir o pouco que tinha com Elias? Esse relato é tão incrível (literalmente falando), que penso: Só por Deus mesmo! Será?

3. Exegese

No contexto do trecho indicado para a pregação (enfatizando a “Composição da Seca – 1 Reis 17.1-18.46), encontramos – além do anúncio da seca “não vai cair orvalho nem chuva durante os próximos anos” por Elias frente ao rei Acabe (v. 1) – mais relatos de milagres “operados” por Deus: a alimentação de Elias no seu esconderijo perto do riacho de Querite (a leste do rio Jordão), onde Elias toma água do riacho e recebe pão e carne trazidos por corvos de manhã e de tarde – todos os dias (v. 3-6); a ressurreição do filho da viúva, em que Elias ora com muita insistência a Deus pedindo pela ressurreição do filho da viúva até que Deus atende (v. 17-24); o milagre do sacrifício, em que Elias desafia 450 profetas de Baal a uma prova do seu deus e acaba convencendo o povo de Israel de que Javé é vivo, poderoso e o Deus de Israel (1Rs 18.19-39); o relato do fim da seca com a volta de chuvas pesadas (1Rs 18.41-48). Todos esses relatos reforçam a primeira impressão sobre o texto indicado para a pregação: o poder de Deus é ilimitado, ele consegue fazer o que está fora do nosso alcance.

Uma possível conclusão da crítica redacional do texto é que a ênfase no poder de Deus se deve a mudanças mais recentes. A composição atual dos capítulos 17 e 18 de 1 Reis apresenta algumas incoerências e descontinuidades. Simplificando os resultados:

a) Em 17.1, a relação entre Elias e Acabe parece hostil e de inimizade, enquanto a relação dos dois parece amigável em 18.41ss. Essa divergência evidencia que houve uma redação/manipulação da função de Elias: nos textos mais antigos (antes da primeira redação pela tradição deuteronomista), Elias não era revelado como profeta de Javé, mas como homem carismático com poderes/habilidades extraordinários e como conselheiro e assessor do próprio rei Acabe. Ele não agia em nome e nem por ordem de Deus.

b) A composição da seca é interrompida por três relatos (que não fazem alusão à situação da seca ou tratam a seca apenas na margem): a ressurreição do filho da viúva, em que Elias aparece como “homem de Deus”; a cena com Obadias, que é enfaticamente apresentado como uma pessoa temente a Deus (1Rs 18.2-16); a prova do poder de Javé por meio do sacrifício no monte Carmelo, em que a autoridade de Javé é revelada, em que o povo de Israel se converte novamente a ele e em que a morte de 450 profetas de Baal é justificada. Todos esses relatos enfatizam poder, soberania e autoridade de Javé e usam o personagem de Elias apenas como seu instrumento.

c) Estilo e conteúdo de vários versículos evidenciam ainda mais a redação deuteronomista na composição da seca: a ordem direta de Deus a Elias nos versículos 17.2,8 e 18.1b são “marca registrada” dessa tradição e ajudam na estruturação do capítulo 17; a introdução da promessa de Elias no v. 14 com a fórmula que dá autoridade a Javé: “Pois o SENHOR, o Deus de Israel diz isso” e o anexo no final do mesmo versículo: “até o dia em que eu, o SENHOR, fizer cair chuva” também retratam Javé como aquele que age e controla tudo nesse texto.

Análise do relato sobre Elias e a viúva de Sarepta:

O v. 7 informa que, depois de algum tempo, o riacho secou e, por isso, a permanência de Elias é impossível. Esse versículo liga o relato de Elias perto do riacho de Querite à narrativa sobre Elias em Sarepta.

V. 8-9 – Javé dirige-se a Elias e manda que vá a Sarepta e procure uma viúva que – por ordem de Javé – alimentará (e provavelmente abrigará) Elias. Estes dois versículos, inseridos pela redação deuteronomista, apontam para a provisão de Deus, que se preocupa com seu profeta Elias e continua a cuidar de sua sobrevida.

V. 10 – Elias chega a Sarepta. Antes das alterações pela tradição deuteronomista, a chegada de Elias a Sarepta deu-se porque ele era compreendido como profeta itinerante (como Eliseu), que – em função da seca do riacho de Querite – seguiu viagem e chegou a Sarepta, longe de sua terra de origem (Tisbé fica na região de Gileade – veja v. 1, e Sarepta faz parte de Sidom – v. 9). Na entrada de Sarepta, ele encontra uma viúva (Elias provavelmente a reconhece por causa de sua roupa – veja Gn 38.14), que está catando lenha. Elias dirige-se à viúva e pede um pouco de água para beber. Na hierarquia social da época, viúvas ocupavam uma das classes mais baixas – pouco acima de criminosos e fugitivos.

V. 11 – Quando a viúva está prestes a buscar a água, Elias também pede um pedaço de pão. Esse pão era preparado apenas com farinha e água ou óleo.

V. 12 – Reagindo a esse pedido, a viúva fala de sua situação de pobreza e desespero: ela não tem mais quase nada para comer, a não ser um restinho de trigo e de óleo. Já que não tem esperança de conseguir mais comida, ela estava prestes a preparar uma última refeição para seus filhos e para si, antes de todos morrerem de fome. O texto na Septuaginta fala de filhos; somente o texto massorético utiliza o singular, igualando o número de filhos entre o relato do milagre da multiplicação da farinha e do óleo e a narrativa da ressurreição do filho da viúva.

V. 13 – Ciente da situação fatal da viúva e de seus filhos, Elias insiste em pedir o pão e exige que a viúva prepare primeiro o pão de Elias e, somente depois, a comida para si e para seus filhos.

V. 14 – Como argumento e motivação da viúva para obedecer ao pedido de Elias, ele faz uma promessa em nome de Deus: “não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro”. Essa promessa, originalmente, era palavra de Elias – do homem carismático; a sua palavra garantia a sobrevida da viúva e não a palavra de Deus.

V. 15 – A viúva confia na palavra/promessa desse homem estranho e atende seu pedido. Em seguida, ela experimenta que a palavra de Elias não era uma promessa falsa: a comida era suficiente para todos durante muitos dias.

V. 16 – A confirmação da promessa de Deus, o registro de sua concretização – “não faltou farinha na tigela nem azeite no jarro” – é típico para a redação deuteronomista.

Resumo: O contexto da narrativa é a cidade de Sarepta (longe da terra de origem de Elias), num período de seca que ameaça a vida de muitas pessoas. Três “personagens” dominam o nosso relato: Deus, Elias e a viúva. Todos os três assumem posições e funções de ajuda/apoio nessa história. Dependendo do ponto de vista, da matriz de interpretação, um dos personagens se sobressai na capacidade de ajudar:

a) A tradição deuteronomista e a nossa leitura teologizadora desse texto enfatizam a ação de Deus, seu poder, sua autoridade. Além de enfatizar Elias como o profeta de Deus que enfrenta o culto a Baal e Asherah, a redação deuteronomista visou, provavelmente, aumentar a esperança daqueles israelitas que se encontravam longe de sua terra por causa do exílio babilônico: o profeta Elias, mesmo estando longe de sua terra, é acompanhado, amparado e sustentado por Deus.

b) Na composição da seca – antes da redação deuteronomista –, o homem Elias foi ao encontro da viúva para anunciar nova esperança e garantir sua sobrevida por meio de sua palavra. E a partir de uma leitura crítica e desmistificadora, poderíamos interpretar que Elias pediu alimento e abrigo para a viúva de Sarepta, porque, em comunhão, era mais fácil encontrar alguma saída nessa situação de ameaça. Nesse caso, a promessa de Elias deveria soar mais ou menos assim: “Eu coloco os meus dons à disposição. Quando juntarmos o que temos – forças, capacidades, mas também os nossos bens materiais –, teremos mais chances de sobreviver”.

c) Olhando para a situação desesperadora da viúva e a partir de uma leitura existencial do texto, podemos (junto com a leitura do evangelho) afirmar que a maior ajuda de todas foi a disposição da viúva de partilhar o pouco que tinha até com um homem estranho, viabilizando também a sobrevida dele por mais um período. A motivação da viúva para essa partilha não é mencionada no texto e, consequentemente, não será possível afirmar com certeza o que a moveu – plena confiança na promessa milagrosa de um estranho, solidariedade de uma viúva com um fugitivo (que tinha menos status ainda), apoio “político” a um revolucionário que enfrentava o sistema injusto ou uma atitude profundamente enraizada em favor da vida – que persiste mesmo quando a própria morte é evidente.

4. Meditação

Enfatizar o poder de Deus (em exagero) pode levar ao comodismo – “Deus vai cuidar disso; não preciso me preocupar e nem tomar alguma atitude” – e manter esse relato de um milagre surpreendente e encantador distante da situação de vida dos ouvintes da pregação. O relato é tão fantástico quanto inacreditável...

Focar a pessoa de Elias (antes e depois das alterações redacionais pela tradição deuteronomista) pode aproximar nossa realidade de cristãos batizados, ou seja, pessoas justas e pecadoras ao mesmo tempo, com a realidade do profeta: ele é tanto homem com limitações e problemas (fugitivo do rei, ameaçado pela fome, dependente de outras pessoas) como homem de Deus (enviado, fortalecido, protegido e acompanhado por Javé).

O exemplo da viúva representa o maior dos desafios para nós: não se preocupar, em primeiro lugar, com o próprio sustento e o da família em situação evidente de ameaça de vida contraria nossa lógica. Em muitas situações, avaliamos e julgamos: se as pessoas em situação de risco fizessem um planejamento melhor de seus recursos e controlassem os gastos, elas teriam mais condições de “crescer na vida”. Não entrando no mérito da questão, até que ponto esse julgamento tem razão, a atitude da viúva representa, em todo caso, um descuido (ou até uma imprudência, uma burrice). Nesse sentido, a história da viúva da seca contemporânea sugerida por Dobberahn em PL XVI pode ajudar na descoberta de que existem outros raciocínios (até mais nobres), em que todos os bens alimentícios e materiais são colocados à disposição da vida e não na conta bancária com o intuito de garantir uma segurança no futuro que permanece incerta. A meu ver, é importante não julgar a nossa tendência de nos preocupar com o futuro de forma moralista, mas nos conscientizar de que bens acumulados em excesso representam um capital morto, ou seja, capital que não promove a vida.

Julgo importante identificar que o milagre da multiplicação do óleo e da farinha – de certa forma – é um resultado de uma conjuntura: nessa história, Deus envia e promete (tem que se confiar em Deus como criador, mantenedor e promotor da vida); Elias obedece, desloca-se e procura a viúva para prometer ajuda e aceitar comida e abrigo (confiando em Deus e reconhecendo as próprias habilidades e limitações como pessoa humana em situação de risco, Elias torna-se capaz de doar e receber); justamente a viúva que enfrenta risco de vida dá a maior importância à vida, não só à sua própria e à de sua família, mas também à vida de Elias (com essa atitude, a viúva – mesmo pertencente a outro povo – torna-se instrumento e colaboradora do Deus da vida: Javé).

A meu ver, a concretização fragmentada do reino de Deus em nosso meio e em nossos dias também se dá, muitas vezes, como resultado de uma conjuntura “divina”: quando confio em Deus e inspiro minhas escolhas e atitudes em sua vontade, torno-me capaz de reconhecer minhas limitações e enxergar o próximo como irmão/irmã, que também recebeu muitos dons de Deus, mas sofre igualmente com as necessidades da vida e a condição humana.

Uma concreção possível para atitudes que contribuem para a conjuntura que promove o reino de Deus seria a reflexão sobre a importância do ouvir e do falar: Quando precisamos ouvir mais? Quando devemos falar mais? Quais as palavras que edificam?

Elias teve coragem de falar e anunciar a seca ao rei Acabe (v. 1 – antes de nossa perícope). Mas Elias também soube ouvir quando Deus o enviou à Sarepta. Na frente da viúva, Elias falou e utilizou palavras conhecidas que lembravam a história da salvação entre Deus e seu povo, quando prometeu que a farinha e o óleo não acabariam. A viúva ouviu e aceitou a promessa de Elias e convidou-o para a refeição e hospedou-o em sua casa. Mas a viúva também soube falar quando cobrou uma resposta de Elias pela morte de seu Filho. Elias pede a Deus pela ressurreição desse filho, e Deus escuta.

Ao refletir sobre o equilíbrio entre ouvir (aprender, estudar, refletir) e falar (testemunhar, consolar, alertar) para promover o reino de Deus, não se pode deixar de alertar que as palavras podem ser como armas que causam feridas: cura-se a ferida de uma espada, mas é incurável a ferida de uma língua (anônimo).

5. Subsídios litúrgicos

Hinos:
HPD I – 170: Nem só palavra é amor
HPD I – 184: Vamos nós trabalhar, somos servos de Deus
HPD II – 336: Quando o povo se reúne para a Deus juntos louvar
HPD II – 359: Te ofertamos nossos dons ao serviço do teu Reino
HPD II – 437: Quando o Espírito de Deus soprou
HPD II – 438: Quando se abate a esperança
HPD II – 432: Se caminhar é preciso

EG 268 (hinário das igrejas luteranas na Alemanha): Strahlen brechen viele

Tradução de algumas estrofes do hino alemão:

(Nas comunidades em que não se celebram mais cultos em alemão, talvez seja interessante ler uma das seguintes estrofes em algum momento do culto; segue a tradução de três das cinco estrofes desse hino:

1. Muitos raios partem da mesma luz; nossa luz é Cristo. Muitos raios partem da mesma luz, e essa luz nos une.
2. Existem muitos dons a serviço do amor, amor de Jesus Cristo. Existem muitos dons a serviço do amor que une todos nós.
5. Formamos muitas partes do mesmo corpo; nosso corpo é Cristo. Formamos muitas partes do mesmo corpo, que une a todos nós.)

Oração/Bênção:

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade,
Onde houver desespero, que eu leve a esperança,
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria,
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais
Consolar do que ser consolado,
Compreender do que ser compreendido,
Amar do que ser amado,
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado
E é morrendo que se vive
Para a vida eterna.
Amém.

Francisco de Assis

Bibliografia

LOPES, Mercedes. Narrativas do ciclo de Elias. Uma leitura da narração em 1Rs 17.1-24, in: Dimensões sociais da fé do Antigo Israel. Uma homenagem a Milton Schwantes. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 69-79.
WÜRTHWEIN, Ernst. Die Bücher der Könige. 1. Kön. 17 – 2. Kön. 25. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1984.
BUIS, Pierre. O Livro dos Reis. São Paulo: Paulus, 1997.


Autor(a): Matthias Tolsdorf
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 24º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Reis I / Capitulo: 17 / Versículo Inicial: 8 / Versículo Final: 16
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25534
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Tu és o meu Senhor. Outro bem não possuo, senão a ti somente.
Salmo 16.2
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