1 Reis 17.8-16

Auxílio Homilético

08/11/2015

Prédica: 1 Reis 17.8-16
Leituras: Marcos 12.38-44 e Hebreus 9.24-28
Autor: Humberto Maiztegui Gonçalves
Data Litúrgica: 24º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 08/11/2015
Proclamar Libertação - Volume: XXXIX

Desafio para ação ecoprofética

1. Introdução

A categoria social “as viúvas e os órfãos”, apresentada no texto de prédica, geralmente designa as pessoas mais pobres (cf. Êx 22.2; Dt 10.18; Jr 22.3). Duas das três leituras indicadas para este domingo abordam o assunto, relacionado com a oferta de tudo o que tinham: as duas pequenas moedas (Mc 12.42,44) e o resto de óleo e farinha (1Rs 17,11-12). Nesse sentido, podemos relacionar esses dois textos com o que propõe a Epístola aos Hebreus no texto selecionado para este domingo, quando apresenta Cristo como aquele que se oferece “uma vez para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28a). Assim, tantos as viúvas como Cristo dão tudo o que têm em favor da realização da vontade salvífica de Deus.

Em contraste com essas viúvas e com Cristo estão, bem explicitamente no texto do evangelho, aqueles que, usando a própria religião como pretexto, exploram e maltratam pessoas que têm muito pouco, entre elas as próprias viúvas (Mc 12.40). Denúncia implícita na Epístola aos Hebreus quando afirma que os sumos sacerdotes – diferentemente que Cristo – não ofereciam de seu próprio sangue, mas “sangue alheio”(Hb 9.25b). No caso da viúva de Sarepta, a denúncia encontra-se antes do texto citado, quando o profeta se dirige a Acabe (rei de Israel), declarando que a seca (que depois afetará a viúva e seu ilho) é consequência da rejeição de Deus à política de exploração e abandono dos princípios da justiça e da verdade (1Rs 17.1).

2. Exegese

A saga do profeta Elias começa em 1Rs 17.1-7, tendo como marco uma grande seca que atinge Israel (reino do norte, durante a dinastia de Onri, com capital na Samaria). A narrativa apresenta o fenômeno natural como uma advertência de “JAVÉ, o Deus de Israel” contra a política dos governantes. Nesse momento, a questão parece girar em torno destas duas figuras: a) o(s) profeta(s) do Deus de Israel; b) o rei Acabe (com Jezabel e os profetas de Baal) a partir das bases teológico-ideológicas do seu governo e seus projetos. No entanto, a própria narrativa amplia os horizontes quando coloca Elias em Sarepta, na Fenícia. Ali ele deve encontrar uma viúva e seu ilho (1Rs 17.8-16). Segundo Lucas, Jesus usou essa memória para provocar seu auditório na sinagoga de Nazaré ao enfatizar que essa viúva não era israelita (Lc 4.25-26). A escolha da Fenícia não é aleatória, pois a viúva e o órfão pertencem ao mesmo povo que a rainha Jezabel, esposa de Acabe e promotora da teologia e ideologia de Baal (1Rs 16.31). Essa teologia do “deus-patrão” (significado de Baal) justificava o poder absoluto do rei. Portanto essa ideologia fornecia a base necessária para um Estado monárquico absolutista, eliminando completamente os direitos assegurados ao povo a partir da revelação de Deus (Javé, SENHOR ou YHWH) como libertador da opressão do Egito.

A viúva e o órfão, do ponto de vista deuteronomista (teologia retirada do Deuteronômio, que inspira essa narrativa e que dá base para a revisão histórica feita por essa Obra Historiográfica – Js; Jz; 1 e 2Sm; 1 e 2Rs), representam “os pobres dos pobres”, nesse caso vistos como símbolos de todas as vítimas de uma ideologia do poder abusivo não só em Israel, mas também na Fenícia, de onde Jezabel “importa” esse sistema. Assim fica demonstrado, pela ação divina, que a teologia e a ideologia de Baal atentam contra os direitos “divinos” ou “fundamentais” das pessoas pobres (cf. Dt 24.17; 27.19).

A perícope apresenta uma estrutura bastante clara, que gira ao redor da tensão entre a vida e a morte:

a) a “palavra do SENHOR” (debar-YHWH) nos v. 8 e 9;

b) narrativa da viagem do profeta para Sarepta, encontro e diálogo com a viúva (v. 10-13);

c) CENTRO – O anúncio do profeta (“porque assim diz o SENHOR” – ‘amar YHWH) no v. 14;

b’) retomada da narrativa sobre a ação da viúva conforme a palavra anunciada (v. 15-16a);

a’) conclusão conforme a “palavra do SENHOR” (qi - debar YHWH) em 16b.

No centro, após proclamar a fé no “Deus de Israel”, há dois “não” contra a falta do sustento; no texto original, afirma-se duas vezes que o SENHOR “dará”, literalmente: “ele dará, dará o SENHOR”. Sendo que por trás dessa narrativa há várias duplas: a seca e a chuva; a farinha e o óleo; a viúva e seu filho; Elias e YHWH. Essas duplas são complementares sempre. A questão é o relacionamento entre elas e de umas com outras e, finalmente, o que esses relacionamentos produzem. A relação entre a viúva e seu filho é de preocupação constante, de medo, ficando bem evidente na resposta da mulher a proposta do profeta: “para (...) que comamos e morramos” (v. 12b). A relação entre Elias e YHWH é de confiança e total obediência – “levanta-te e vai a Sarepta (...) Então ele se levantou e foi a Sarepta” – nos v. 9a e 10a. A relação entre a farinha, o óleo é o pão (lehem), que depois é feito na forma de “bolo” que o profeta chama de ‘ugáh (7.13) e que antes a mulher fenícia chamou de ma’og (7.12), enfatizando o fato de estar em terra estrangeira com duas formas diferentes de falar do mesmo pão. O ilho é a esperança da viúva, e a viúva – como mãe – é a vida do filho.

Há também duplas implícitas nesse texto. A primeira dupla é de Acabe e Jezabel, e a segunda de Baal/Asheráh e seus profetas (apresentados como braço ideológico de Jezabel por “comer na sua mesa”, cf. 1Rs 18.19b). Acabe é muitas vezes mencionado sozinho como responsável pelo sofrimento do povo de Israel (1Rs17.1; 2Rs 8.27). No entanto, a narrativa faz questão de mostrar que a rainha Jezabel exercia o poder junto com ele (1Rs 19.1, 21,7.15). Baal (que era a divindade que devia garantir a chuva) e seus profetas são desmascarados no monte Carmelo (1Rs 18.19). Essas duplas implícitas são responsabilizadas pela situação de morte gerada a partir da seca. As duplas explícitas, por outro lado, da viúva e seu filho, da farinha e do óleo, de Elias e do SENHOR, mostram relações de vida. Essa intencionalidade fica ainda mais clara quando o resultado é coletivizado. No v. 15, diz-se que comeram ela (a viúva), ele (o profeta) e a casa dela (não apenas o filho, mas toda a família, que antes não foi mencionada).

3. Meditação

A viúva e seu filho, além de sua condição naturalmente vulnerável (por ela ser viúva e o filho ainda criança), encontram-se em situação de extrema miséria devido à seca prolongada e à fome decorrente dela. No entanto, o aparente desastre natural (seca) que provoca essa situação é denunciado como “não natural”, mas provocado por um sistema ideológico e político representado principalmente pelo rei Acabe e, indiretamente, pela rainha Jezabel através da propaganda dos profetas de Baal (sustentados por Jezabel). Esse quadro sensibiliza-nos em relação à situação de fome e extrema miséria em diversas partes do mundo e aqui no Brasil.

Apesar de dizer que houve uma diminuição da pobreza extrema, há outras condições, inclusive a seca, que poderiam ser corrigidas, não apenas com megaprojetos, como a transposição do rio São Francisco, mas com a priorização de sistemas que não atendam apenas a chamada “agroindústria”, mas que, como o profeta Elias, vão ao encontro da agricultura de subsistência, da agricultura familiar, da reforma agrária e da preservação do meio ambiente (inclusive das fontes de água). A falta de água – água limpa e realmente potável – impede também melhores condições de vida, especialmente nos bairros periféricos, favelas e vilas. Não há nada de natural nessa realidade. Sabemos onde estão a viúva, o seu filho e a casa dessas pessoas que sofrem a seca provocada por um sistema de prevalecimento do poder econômico e destruição do meio ambiente. Mas onde estão as Elias e os Elias?

De fato, algumas pessoas têm ouvido, profeticamente, esse chamado e levado projetos como as cisternas da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), projetos de geração de renda através da economia popular solidária, entre outros. No entanto, são vozes abafadas pelos profetas de Baal, que detêm total domínio sobre os meios de comunicação de massa – TV aberta, rádios e jornais – e que comem na mesa do poder econômico e seus aliados. Como igrejas, temos que assumir nosso papel profético! Esse ministério profético só se faz junto às viúvas, seus filhos e filhas.

A seca como sinal do julgamento de Deus contra os desmandos dos governantes deve ser hoje, até urgentemente, interpretada do ponto de vista eco-político. Entre os muitos manifestos publicados pelo Conselho Mundial de Igrejas, podemos também ouvir a voz de Deus e do profeta Elias: “O modelo de desenvolvimento mundial está ameaçando as vidas e os meios de subsistência de muitas pessoas, especialmente entre as pessoas mais pobres do mundo, e destruindo a biodiversidade. A visão ecumênica é de superação desse modelo baseado no excesso de consumo e na ganância” (Disponível em: http://www.oikoumene.org/en/ what-we-do/climate-change).

Hoje, como na época de Elias, sob o sistema promovido por Acabe e Jezabel, através do aparato de propaganda dos “profetas de Baal”, há um grande investimento publicitário que estimula o consumo desenfreado, sem chamar a atenção sobre as nefastas consequências desse modelo do “descartável” e do “provisório”. A ação de Elias com a viúva de Sarepta e seu filho indica que pequenas ações podem dar grandes sinais e começar a reverter esse processo de morte. Para que isso aconteça, precisamos de companheiros e companheiras, em duplas, em grupos, que aceitem o desafio de multiplicar a farinha e o óleo através de relacionamentos alternativos aos propostos pelo sistema de morte, a promover a valorização do meio ambiente urbano e rural, o consumo consciente, o reaproveitamento e da reciclagem etc.

4. Imagens para prédica

Tanto no meio rural como urbano há exemplos de formas de vida que valorizam o ambiente através da agricultura orgânica, reaproveitamento, reciclagem, valorização do meio ambiente. Alguns, inclusive, são projetos em que há participação das igrejas. Fotos ou relatos sobre esses projetos e até formas de apoiar essas iniciativas seriam imagens bem apropriadas.

O contraste entre imagens de quilômetros e mais quilômetros quadrados de plantações de soja e fumo e, do outro lado, imagens de pessoas famintas ou mal alimentadas, imagens de inundações e de seca e outras catástrofes e tragédias provocadas pelo fenômeno do aquecimento global poderiam ilustrar aquilo a que o profeta Elias se opôs e nós devemos nos opor.

Colocar no altar, de um lado, lixo e restos de computadores, pilhas, equipamentos eletrônicos, óleo de cozinha, detergentes, que jogamos na natureza por ignorância ou por não ter meio de lhes dar o devido destino; e, do outro lado, flores, adubo orgânico, produtos reciclados ou reaproveitados, colocando num lado Baal ou “deus da morte” e no outro Javé ou “SENHOR da Vida”.

5. Subsídios litúrgicos

O Conselho Mundial de Igrejas promove o chamado “Tempo da Criação”. Nesse espaço, há diversas sugestões de orações. Entre elas adaptamos este rito de confissão:

Peçamos perdão a Deus nosso Pai e Mãe, pelo mal que temos feito à sua criação: perdoa-nos por todos os males contra a natureza, principalmente a poluição de rios, mares, oceanos, açudes, lagos, riachos e as águas de um modo geral. Por estarmos destruindo matas, florestas, matando os animais selvagens, silvestres, poluindo o ar, a atmosfera, desequilibrando a ecologia, destruindo a camada de ozônio, por estarmos destruindo a natureza, motivados pela cobiça e ganância de poucas pessoas, levando fome para muitas outras e ameaçando a vida de todas as criaturas (Kyrie).

Perdoa-nos, ó Senhor, Deus da Vida, e ajuda-nos, pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo, a nos conscientizar e agir no sentido de preservar o que ainda resta da natureza e procurar recuperar o que ainda pode e deve ser recuperado (Kyrie).

Perdoa-nos, Deus que és Vida, que queres a plenitude da paz para todas as pessoas e abençoa-nos para que sejamos pessoas melhores e tenhamos mais consciência de nossas responsabilidades em relação a tudo o que nos cerca, em relação a nós mesmos e, em especial, com as pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade e com todas as que buscam meios alternativos de vida e de subsistência (Kyrie).
(outras em http://tempoparaacriacao.blogspot.com.br/2013/08/ciclo-de- oracoes-dominicais-no-tempo.html).

Bibliografia

CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS (CMI/WCC). Disponível em: http://www. oikoumene.org/es/press-centre/events/time-for-creation. Acesso em: 15/5/2014. MAIZTEGUI GONÇALVES, Humberto. Comunidades proféticas da resistência: um exercício hermenêutico. In: Cadernos da ESTEF, Nº 50, p. 41-50. Porto Alegre: ESTEF, 2013/1.


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Autor(a): Humberto Maiztegui Gonçalves
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 24º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Reis I / Capitulo: 17 / Versículo Inicial: 8 / Versículo Final: 16
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2014 / Volume: 39
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 34296
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Quando eu sofro, eu não sofro sozinho. Comigo sofrem Cristo e todos os cristãos. Assim, outros carregam a minha carga e a sua força é também a minha força.
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