1 Reis 3.5-12

01/08/1999

Prédica: 1 Reis 3.5-12
Leituras: Romanos 8.28-30 e Mateus 13.44-52
Autor: Ilo Utech
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 01/08/1999
Proclamar Libertação - Volume: XXIV
Tema:

Introdução

Estamos frente a um texto muito especial, em que Salomão pede sabedoria e inteligência para governar e dirigir seu povo. Se o vemos de forma isolada, imediatamente nos identificamos com esse personagem chamado Salomão, que foi muito sábio e astuto ao fazer um pedido com um conteúdo comunitário. Naturalmente, ao continuar lendo o texto, constatamos que Salomão não soube utilizar essa sabedoria e inteligência que Deus lhe deu para governar e beneficiar o povo. Ele governou para si e só para si. Bem, a verdade é que às vezes é difícil saber se primeiro se deram fatos e depois se ajeitaram as palavras e os pedidos. O fato é que a história nos ensina que quando um dirigente se apresenta como bom e generoso e fala de fazer reinar a justiça, é preciso seguir seus passos com atenção.

Salomão é ungido como rei depois de muitos complôs políticos contra ele e artimanhas que ele próprio usou (caps. 1-3). Nosso generoso rei utilizou mão dura contra aqueles que tentavam tirar-lhe o poder; sabiamente soube limpar o terreno. Nenhum membro de importância do grupo de Adonias ficou vivo. Já estando no poder, não deixou de usar todos os recursos possíveis, sujeição de outros reinos a seus desígnios, mão-de-obra escrava e tributos exagerados sobre seu povo para conseguir riqueza e fama, sem levar em conta que Deus já as havia dado a ele, desde o momento em que as pediu.

Em síntese, podemos dizer que precisamos aprender a reler e entender esses grandes personagens bíblicos como Saul, Samuel, Davi e nosso Salomão. Precisamos relê-los à luz da realidade e à luz de Jesus, de seu reino, e à luz da comunidade de fé. Uma comunidade de fé madura, vigorosa e equipada com as diferentes ferramentas que ajudem a formar um juízo ético dos monarcas que hoje em dia querem dirigir seu povo. E de tal modo também que a comunidade possa, com maturidade crítica, utilizar a oração para entender e orientar os líderes em qualquer nível da sociedade e na Igreja.

Falando sobre o texto

Estando Salomão em Gibeom, apareceu-lhe Javé durante a noite em sonhos c disse: Pede-me o que queres que eu te dê. Normalmente, os lugares altos eram recintos usados para os cultos. Segundo o v. 4, aí se faziam sacrifícios e se queimava incenso. Gibeom era um desses lugares altos, um antigo santuário cananeu dedicado ao deus Baal e que os israelitas dedicaram a Javé. É preciso dizer que Salomão buscava em sonhos, como era costume na época, ser oficialmente aceito e abençoado como rei por Deus.

Num sonho durante a noite: A revelação em sonhos é muito comum nas histórias bíblicas e em outras culturas. Salomão já havia recebido a bênção de Davi para assumir o trono, mas é nesse sonho que Deus se apresenta e ratifica os planos; é a bênção divina para o reinado de Salomão.

Nos vv. 6-9 temos a oração de Salomão. Pede-me o que queres, diz Javé a ele. Salomão não responde ao pedido de Javé, mas primeiro destaca a pessoa de Davi, um homem leal que reinou com justiça e retidão. Em Davi havia méritos a serem destacados que ainda era prematuro ver em Salomão. Este confessa que é jovem, que não sabe como se conduzir e que o povo é muito numeroso. É com esta consciência que Salomão pede a Deus um coração sábio para julgar, discernir entre o bem e o mal. Coração sábio para julgar refere-se à sabedoria para poder governar e dirigir o povo. Capacidade para julgar refere-se a decidir sobre diferentes pleitos e disputas (exemplo: as duas mães que apresentam o menino). Ele quer sabedoria para governar seu povo com justiça. A confissão que faz ao dizer que não sabe se conduzir é em função de sua imaturidade ou falta de experiência para tomar decisões. Saber conduzir-se significa que em qualquer situação se conhece a solução adequada, se sabe o caminho a tomar.

Os vv. 10-12 dizem que Deus se agradou do pedido de Salomão, e, por este não haver pedido riquezas e a morte de seus inimigos, e sim inteligência para ouvir juízos, Deus lhe iria conceder isso e também riqueza, fama e vida longa. Estas são bênçãos de Deus por causa da humildade de Salomão.

Mensagem

Pede-me o que queres !

Salomão pediu a Deus, com uma sabedoria prática, conhecimento para poder servir melhor. Essa sabedoria foi concedida por Javé. Um pedido para atuar para o povo e com o povo. O mérito do pedido é o sentido comunitário do mesmo, porque beneficia a comunidade e não só uma pessoa. Por outro lado, na conversa de Salomão com Deus existe uma autêntica relação de diálogo. Salomão parte do fato de que Deus o colocou como rei. Sua oração está baseada na continuidade. Salomão sucede a Davi. É rei porque Deus havia leito um pacto com Davi e ele é parte desse pacto. É por isso que todos os louvores são dirigidos a Davi. A oração de Salomão está cheia da sinceridade e humildade de um jovem de 20 anos.

Pede-me o que queres é a oferta que Deus fez, faz e fará em qualquer tempo e lugar a todos os que cremos nele. Deus tem seus próprios planos e os oferece aos seres humanos. Através da experiência de vida de fé, condensada em sua palavra, nos dá as pautas éticas para atuar no mundo. Isto é, nos dá critérios para poder escolher os peixes bons e os peixes ruins.

Cristo ensina o caminho

Em Jo 14.4 Jesus nos diz: Vocês sabem o caminho para onde eu vou. Sabemos o caminho porque Cristo no-lo ensinou, durante seu ministério de amor e sacrifício pela humanidade.

É difícil hoje em dia fazer um pedido para os demais. Como pediria Salomão hoje na América Latina, quando as ditaduras disfarçadas de democracia nos transformam em robôs do consumo? A palavra de Deus também é exposta no mercado da vida como mercadoria que pode comprar facilmente.

Poderia parecer que, por ser nada mais do que graça gratuita, o sacrifício de nosso Senhor Jesus Cristo não tem maior valor. A globalização mundial envolve todos os elementos da vida e nos transforma em mercadoria, dando-nos a ilusão de que podemos comprar tudo.

Com a globalização da economia que rege todo o mundo atual, o governo mais sábio é o que melhor aplicar as políticas neoliberais. Um governo louvado é o que aplica os ajustes estruturais (redução dos gastos públicos, menos saúde pública, menos escolas, etc.), ou seja, bom e sábio é o governo que tem a melhor artimanha para realizar isso.

Separar o bom do mau significa ver quem serve, quem ajuda seu projeto e quem não. Os que são aliados são bons e os outros são inimigos da paz. Esta é a sabedoria da política neoliberal.
Estamos vivendo numa época de desconcerto social, em que quase não se vê a esperança no Deus da vida. Estamos envolvidos numa concorrência pelo consumo, de tal forma que só vale o que se pode comprar e vender no mercado, e é esse mercado que define o que é bom e o que é mau.

Amem-se uns nos outros... (Jo 13.34)

Como cristãos devemos resistir a essa situação e voltar ao caminho que Deus nos ensinou amando-nos uns aos outros como ele nos ama. Esta tarefa só é possível se a realizamos coletivamente, onde o Espírito Santo se apresenta com mais força e nos impulsiona para ser homens e mulheres transformadores da sociedade. Assim a mensagem de Salomão ao povo de Israel se transforma em mensagem da comunidade à comunidade.

Se respeitamos nossos critérios de fé em que predomina o amor, teríamos de buscar a forma de unir-nos para nos defender desse capitalismo selvagem vestido de neoliberal. Temos de fortalecer os diferentes sujeitos sociais: as organizações de mulheres, o movimento negro e o indígena, os movimentos ecológicos, os trabalhadores do mercado informal, etc. Mas não apenas fortalecer, e sim tentar unir; é preciso tecer e formar uma teia (de aranha) para que realmente esses setores populares e suas demandas sejam agentes de mudança na sociedade.

E nessa tarefa coletiva em que também os cristãos nos inserimos, a partir de nossa fé e do Espírito Santo que nos impele e capacita, queremos ser homens e mulheres transformadores da sociedade.

Uma leitura comunitária

Se tomamos a leitura de l Rs e a passamos pela leitura comunitária a mensagem vai ser distinta. Em l Pe 2.9, p. ex., lemos: Vocês são uma raça eleita, um reino de sacerdotes, uma nação consagrada, um povo que Deus escolheu para que fosse seu e proclamasse suas maravilhas. A comunidade cristã vai transformar-se na instância mediadora para discernir. Por isso necessitamos dotar de poder, capacitar, equipar nossas comunidades e congregações para que sejam sal e fermento. Comunidades sábias e inteligentes que saibam discernir entre as políticas que favorecem a vida e as que favorecem a morte. Comunidades criativas e com muito vigor que saibam discernir entre o bem e o mal (como pedia Salomão em suas orações). Onde o bem e o mal já não tratam do que afeta a mim ou não, e sim ao outro (o mandamento de amor de Jesus). Se chegarmos a essa maturidade ou, como diz o apóstolo Paulo, à estatura, poderemos ser sal e luz no inundo.

Assim, como comunidades cristãs e Igreja não estamos isolados dessa sociedade civil que mencionei antes. Nossa contribuição será a partir de nossa fé, de nossa ética cristã, mediante a qual queremos emprenhar de esperança essa sociedade civil que luta por espaços de vida, para que todos sejamos parte de um novo mundo onde não haja excluídos nem descartados.

Em toda a América Latina vão surgindo alternativas frente às políticas globais que destroem. Estamos falando desse novo sujeito histórico chamado sociedade civil. Se temos uma sociedade civil vigorosa, madura, esta terá mais capacidade para propor alternativas, para avaliar as políticas que estão sendo implementadas.

Uma possível caminho para a pregação

Trabalhei com o texto em duas comunidades aqui em Manágua. Tentei envolvê-las perguntando no início: Se pudesses pedir algo a Deus, o que lhe pedirias? Tive muitas respostas: saúde, trabalho, paz, menos violência nos lares e nas ruas, eliminação da pobreza... Como resultado disso, havia pedidos individuais, comunitários e coletivos.

Depois desse processo de pergunta e diálogo, passar à leitura de nosso texto (l Rs 3.5-12). Centrar a reflexão principalmente no conteúdo do pedido de Salomão. Enfatizar o aspecto da inteligência para governar e da sabedoria para separar entre o bem e o mal.

Tomar alguns exemplos do ministério de Jesus. Destacar a coerência entre o anúncio e a prática dele. Analisar também o papel da comunidade hoje em dia em nossa realidade.

Também se pode perguntar o que significa atualmente em nossa vida e em nossa comunidade separar o bem do mal. Bem e mal sob que critérios...?

Expor alguns exemplos em que certos valores considerados bons e positivos para a vida por um setor são considerados maus por outros. Podem-se enumerar alguns valores do mercado em oposição aos valores e interesses dos setores populares.

Bibliografia

SAN JERÓNIMO. Comentário bíblico : tomo I. Madrid : Cristiandad.
SCHÖKEL, Luis Alonso. Comentário de Reyes. Madrid : Cristiandad, 1973. p. 40-55.

Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Ilo Utech
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 10º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Reis I / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 5 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1998 / Volume: 24
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 6954
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A vida cristã não consiste em sermos piedosos, mas em nos tornarmos piedosos. Não em sermos saudáveis, mas em sermos curados. Não importa o ser, mas o tornar-se. A vida cristã não é descanso, mas um constante exercitar-se.
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