1 Samuel 2.1-10

Auxílio Homilético

11/09/1977

Prédica: 1 Samuel 2.1-10
Autor: Martin Weingärtner
Data Litúrgica: 14º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 11/09/1977
Proclamar Libertação - Volume: II


1. Versão

1 - Então Ana orou, dizendo:
'Alegra-se o meu coração no Senhor;
Minha força é exaltada pelo Senhor.
Abro a minha boca contra os meus inimigos,
porque me alegro de tua salvação.

2 - Não há santo como o Senhor -
pois não há outro além de ti
-e não há rocha como o nosso Deus.

3 - Não multipliqueis vosso falar orgulhoso,
nem saiam palavras atrevidas de vossa boca,
porque o Senhor ê Deus do conhecimento.'
Todos atos são avaliados por ele:

4 - O arco dos poderosos é quebrado,
mas os cambaleantes cingem-se de poder!

5 - Os fartos empregam-se por pão,
enquanto que os famintos deixam disto para sempre!
A estéril dá à luz a sete,
a que tem muitos filhos murcha!

6- 0 Senhor tira a vida e vivifica,
faz descer à sepultura e faz subir!

7- 0 Senhor empobrece e enriquece,
rebaixa e também eleva!

8 - Ergue do pó o fraco,
do lixo tira o necessitado,
para assentá-lo com os chefes
e dar-lhe o lugar de honra,
porque do Senhor são as colunas da terra
e ele assentou nelas o mundo!

9 - Os pés de seus fiéis ele protegerá,

porém os descrentes fará emudecer na escuridão,

pois o homem não vencera pela sua força!

10 - 0 Senhor destruirá os que o combatem;
sobre eles fará trovejar dos céus!
O Senhor julgará os confins da terra,
dando poder ao seu rei
e engrandecendo a força de seu escolhido.


2. Análise

A tradição veterotestamentária nos legou este salmo como oração de Ana, a mãe de Samuel. Este fato por si já implica numa interpretação que de modo algum poderemos ignorar, se realmente quisermos transmitir a mensagem bíblica: Nós ouvimos este salmo da boca de Ana, e assim ele quer ser mensagem para nós.

2.1. Contexto

Num primeiro passo queremos sintetizar a situação de Ana (l Sm 1): Seu problema não era apenas o simples fato da esterilidade, nem tampouco as provocações de Penina, sua rival. Se considerarmos a importância da promissão de filhos no agir salvífico de Deus no AT (p.ex.: Gn 12), então compreenderemos que a crise de Ana era crise de fé: Sem filhos ela não estaria à margem da salvação? Se filhos são dádiva de Deus, sinal de sua graça, e se ‘o Senhor lhe havia cerrado a madre’ (v. 6), isto não evidenciava que ela estaria fora de graça?

Precisamente este é o horizonte teológico da petição de Ana por um filho, bem come de seu cântico que nos propomos a interpretar.

2.2. Enfoque detalhado

V. l - Ninguém pode dar alegria a si mesmo. Ela sempre é resposta e fruto duma dádiva recebida. A alegria que enche a vida de Ana é alegria 'no Senhor’. Em Deus ela reconhece a fonte doadora de sua alegria. É importante observarmos que a alegria de Ana não gira em torno do filho que recebera; ela não é mera alegria de ter-se tornado mãe. A dádiva do filho foi apenas a chave para uma descoberta maior, pois agora ela sabe estar incluída na 'salvação' de Deus. O filho foi meramente sinal desta graça, e por isto não precisamos estranhar que ele não seja mencionado mais na oração de Ana. O agir gracioso de Deus foi descortinado ante seus olhos, e, agora, ela sabe que sua vida faz parte da obra de Deus: Por intermédio de sua serva, Deus dera uma líder ao seu povo. Esta experiência gratificante enche sua vida de alegria, pois a palavra 'coração’, em hebraico 'leb', abrange tanto o sentimento e desejo como a razão e vontade do homem. Assim, a integridade da vida de Ana é transformada pela alegria.

‘A boca fala do que está cheio o coração’ (Lc 6,45). A continuação do salmo confirma o dito de Jesus: A alegria no Senhor é comunicativa, abrindo a boca outrora fechada para a exaltação de Deus. O testemunho é fruto da grande descoberta que não pode permanecer oculta nem mesmo diante dos ‘seus inimigos’. Como ainda veremos mais adiante, estes inimigos são adversários da obra do Senhor e somente como tais também adversários da testemunha.

V.2 - Este testemunho é essencialmente louvor a Deus, que transcende toda experiência pessoal. O louvor de Ana não se limita ao que tem experimentado pessoalmente do poder de Deus, pois seus olhos foram abertos para a plenitude da obra de salvação de Deus da qual ela, agora, tinha certeza de estar participando. Assim Ana louva a Deus, crendo que ele ultrapassa toda experiência e todo entendimento humano: Deus é incomparável! Até os nossos conceitos, 'santo' e 'rocha’ somente servem para descrevê-lo, se for negado simultaneamente que haja outro santo ou outra rocha além dele.

Vv. 3 a 8 - A exaltação do poder de Deus implica no fim de todo orgulho humano. Quem aprendeu a louvar ao Senhor, reconhece ao mesmo tempo que toda auto-afirmação deve silenciar. Disto também resulta a advertência aos outros. Advertência esta que visa chamar para a descoberta da alegria no Senhor e para o louvor a Deus, pois, enquanto que ela soa, ainda é tempo de graça: Deus está no centro e ele julga todos os egocentrismos. Este juízo ë uma verdadeira revolução divina que derruba todos os usurpadores de poder e pão, de fecundidade e vida, de capital e honra. Isto é, destitui todos os usurpadores das dádivas de Deus. Deus mesmo derruba os que querem apoderar-se de sua criação, para concedê-la aos que a recebem de sua mão. Este juízo dos que querem 'vencer pela própria força’, e a agraciação dos fracos são exemplificados em seis majestosas antíteses que poderíamos resumir com as palavras de Paulo em 1 Co 1. 27ss.: 'Deus escolheu as cousas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as cousas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus. '

A exaltação do Deus que agracia e julga, não se baseia em análises da realidade, nem em constatações empíricas. Isto é confissão de fé. Ana testemunha o poder de Deus, baseada na fé no criador, e ela o faz até mesmo contra as aparências da realidade. Mesmo que os poderosos ainda oprimam e os abastados ainda festejem, mesmo que a morte grasse com violência e os machões se gabem como nunca, mesmo que o capital domine e todos honrem os 'chefes’, Deus, o criador,os 'fará emudecer na escuridão'. Ana confia no seu Senhor, que excede todo entendimento, pois ele assentou o mundo em suas 'colunas'. Esta expressão descreve a criação na terminologia da cosmovisão dos antigos, que entendia o mundo fundado no mar cósmico sobre colunas qual plataforma marítima da Petrobrás no oceano.

Vv. 9 e 10 - O poder do criador não esta limitado ao presente. Como ele garantiu e garante a sua salvação e, com Isto, a alegria no Senhor dos que dela participam, assim Deus garantirá também sua obra e a nossa participação da mesma no futuro.

A mudança de tempo dos verbos nos últimos dois versículos quer conduzir-nos a compreender esta perspectiva da fé, da alegria no Senhor. Assim como Deus em sua graça a concedeu no passado e no presente, assim também a 'protegerá' no futuro. Os fiéis são justamente aqueles que não garantem nada, mas que aceitam que Deus os garanta, enquanto que os 'descrentes' procuram assegurar seu futuro pela sua força. Também no futuro, os 'self-made men ' estarão sob o juízo de Deus, que alcançara até mesmo os últimos recantos da terra.

Esta proteção e este juízo no futuro estão confiados ao obscuro personagem do 'rei' e ‘escolhido’ de Deus. Não ignoramos que aqui ele seja descrito com auxílio de terminologia proveniente do cerimonial de entronização de um soberano, mas o alcance da incumbência deste 'rei ' nos proíbe identificá-lo com um rei histórico de Israel. O personagem do futuro de Deus, vislumbrado por Ana, ainda não tem contornos claros. Apenas uma cousa esta clara: Em sua 'força' Deus guardará os seus fiéis. Isto já é o bastante para Ana.

2.3 Intenção querigmática

Pelo filho que lhe nascera, Ana descobre que sua vida participa da salvação de Deus. Esta descoberta gratificante enche sua vida de alegria no Senhor e resulta no louvor de Deus, que agracia e julga. Através do louvor e da advertência, Ana chama o ouvinte de seu cântico a mesmo descobrir esta alegria no Senhor.

3 – Meditação

Quem ouve este cântico, post Christum natum, não poderá ignorar que Deus continuou sua obra de salvação. O personagem que Ana apenas vislumbrava no futuro, por quem ela esperava, foi revelado e esta diante do que tiver olhos para ver: Jesus Cristo é o 'rei' e 'escolhido' de Deus. Por seu intermédio Deus agracia e julga. Ele e o protetor dá alegria no Senhor. Em sua morte e ressurreição foram destituídos todos os usurpadores da criação de Deus, e lhe foi conferido 'todo o poder no céu e na terra! Nele Deus realiza sua salvação, a agraciação dos fracos. Sem margem de dúvida, a proximidade literária do cântico de Maria (Lc 1,46-55) com este salmo de Ana é motivada por esta certeza.

Inevitavelmente a pregação cristã é confrontada neste texto com a justificação por graça. Somente a doutrina da justificação nos possibilita entender verdadeiramente este salmo. E este, por sua vez, focaliza a justificação dum ponto de vista singular: Apenas a justificação por graça impede que a alegria no Senhor seja pervertida em ‘Schadenfreude’ do piedoso sobre o descrente. Da emboscada do farisaismo que espera por uma compensação da fé - ao menos no além -, somente escapa quem reconheceu que os cambaleantes e os famintos, a estéril e os moribundos, o pobre e o fraco não são agraciados por algum mérito seu, mas sim desmerecida e gratuitamente. Nisto a agraciação divina se distingue da humana, que contempla o benemérito. A graça de Deus somente podemos receber de presente, silenciando toda a vaidade e entoando o louvor a Deus.

Na IV Assembleia da Federação Luterana Mundial em Helsinki, ficou patente que temos dificuldades de comunicar a doutrina da justificação ao nosso tempo. Estas dificuldades nos levam a procurar por uma nova terminologia, por novos odres para transmití-la. O cântico talvez pode ajudar-nos nesta busca: Ele fala da alegria no Senhor que de maneira singular expressa justificação por graça. Esta alegria não e fruto de esforço próprio, mas sim um presente recebido de Deus. Esta alegria é, portanto, a única e verdadeira resposta à ansiedade por felicidade.

Num aspecto a situação de Ana e a nossa conferem: Também nós esperamos pela revelação plena do agir de Deus. Nossa alegria não se funda na realidade visível, mas se baseia na fé em Jesus Cristo, que garantirá nossa alegria contra todas as aparências. Neste ínterim em que a realidade de Deus ainda não está plenamente revelada necessitamos do convite e da admoestação 'Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos’ (Fp 4.4), para não desanimarmos e permanecermos na graça.

4. Esboço da Prédica

Nosso anseio por felicidade não é saciado


(Introdução). Ex.: Propaganda na TV ('Coca-cola é que é!’... Ah!... ') promete felicidade, mas, o mais tardar, quando tomamos a coca, descobrimos a ilusão.

À procura da verdadeira felicidade.

a. O caso de Ana: contexto e texto.
b. Alegria no Senhor - um presente a ser descoberto em nossa vida (v. 1).
c. Esta descoberta abre a boca para o louvor (vv. 2-8).
d. O louvor implica no fim da vaidade! v. 3).
e. Esta alegria é protegida pelo rei para sempre (vv.9-10).

5. Bibliografia

- BUBER,Martin. Bücher der Geschichte. Köln, 1956.
- GUTBROD.Karl. Das Buch vom König: Das 1. Buch Samuel.Stuttgart, 1956.
- HERTZBERG. Hans W. Die SamueIbücher. Göttingen. 1956.
- STÄHLIN, Wilhelm. Predigthilfen III. 2a ed., Kassel, 1963.
- STOEBE; Hans J. Das erste Buch Samuels. Gütersloh, 1973.
- WARTH, Walter. Auxílio homilético sobre l Samuel 2, l-10. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 3. Stuttgart, 1964.


Autor(a): Martin Weingärtner
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Samuel I / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1977 / Volume: 2
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13403
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