2 Coríntios 13.11-13

Auxílio homilético

17/06/1984

Prédica: 2 Coríntios 13.11-13
Autor: Sigolf Greuel
Data Litúrgica: Domingo da Trindade
Data da Pregação: 17/06/1984
Proclamar Libertação - Volume: IX

I — Observação Preliminar

O presente auxílio homilético é fortemente determinado pela nossa vivência com gente que está aprendendo a ver Jesus Cristo presente em sua caminhada de libertação, gente que está conhecendo um Jesus pequeno e encarnado em sua vida e em seu sofrimento. Tanto é que nossa fonte de pesquisa não foram comentários e exposições importados de uma realidade completamente diferente da nossa, mas, sim, a vida deste povo. Devemos, por isso, em grande parte a esta gente o presente estudo sobre a comunidade de Corinto, pois foi no diálogo e reflexão conjunta com eles que nasceu este auxilio homilético. Eles são gente de baixo. Gente que nos ensinou a olhar este texto a partir de baixo.

II — Paulo e Corinto

É preciso tomar em conta, antes de mais nada, que as cartas do apóstolo Paulo não pretendem ser um tratado teológico, mas são respostas a perguntas e situações bem concretas, surgidas no dia-a-dia da vida das comunidades, E o texto em questão não foge à regra.

Corinto, uma florescente cidade portuária, tem no comércio sua principal atividade. Este comércio tornou-se próspero, em grande parte graças ao grande número de escravos, que são a principal força de trabalho de Corinto. E, através de seu trabalho, eles se constituem no sustentáculo da economia coríntia.

Como centro de cultura grega, ocorrem em Corinto confrontos de diferentes correntes de pensamentos e religiões. A vida moral da cidade não é das mais recomendáveis. Marinheiros e comerciantes estrangeiros chegam constantemente a Corinto, sedentos de diversão. E sempre a encontram.

Neste palco, entre fins de 49 e meados de 51, em sua segunda, viagem missionária, vindo de Atenas, Paulo logrou fundar uma pequena comunidade. Permanecendo ali por 18 meses (At 18.1-18), sua mensagem teve aceitação principalmente nas camadas mais pobres da população (1 Co 1.26-29) e entre escravos (7.21 e 12.13). Mas também algu¬mas pessoas de posses ajudaram a constituir a comunidade (11.21 ss.). E esta constituição tão diversificada da comunidade de Corinto, deve ter contribuído grandemente nos conflitos e tensões que apareceram mais tarde. Pois sabemos ser ilusória uma convivência pacífica entre os sustentáculos de uma economia e os que dela usufruem.

A história da comunidade de Corinto é uma história de conflitos e tensões. As divisões dentro da comunidade chegaram a extremos. Vejamos qual o relacionamento do apóstolo com sua comunidade e de que forma ele enfrenta seus problemas internos. Primeira e Segunda Coríntios não são certamente as duas únicas cartas que Paulo escreveu aos Coríntios. Em 1 Co 5.9-13 há uma referência a uma carta pré-canônica, na qual o apóstolo aponta para os perigos implícitos numa vida em comunhão com gente de vida impura e desregrada, como eram, em sua maioria, os habitantes de Corinto. 2 Co 6.14-7.1 bem pode ser um fragmento desta carta.

Por ocasião de sua estada em Éfeso de 54 a 57, Paulo escreve a Primeira Carta aos Coríntios, motivado por notícias trazidas pela gente de Cloé que o notificaram de contendas havidas na comunidade (1.11 e outros), além de uma carta da comunidade com perguntas sobre questões inerentes à fé e à vida da comunidade. Como causa das desavenças apontamos: os diversos partidos surgidos no seio da comunidade (3.1-9); composição da comunidade; irregularidades morais (caps. 5 e 6); orgulhosa auto-confiança de alguns grupos (4.8); mau uso da liberdade (cap. 6), supervalorização da alma em detrimento do corpo por parte de alguns grupos (cap. 6). A partir do cap. 7 Paulo responde as perguntas que lhe são feitas (7.1). Nos caps. 7-11, Paulo se debate com perguntas éticas e, nos caps. 11-14, analisa as reuniões da comunidade. Tudo sob o teto de cap. 15. No cap. 16 aponta para a necessidade da coleta em favor dos pobres de Jerusalém e chega ao fim.

Paulo programa nova visita (2 Co 1.15-16; 1.23-2.1). A primeira carta pressupõe uma estada de Paulo em Corinto. 2 Co 12.14 e 13.1 anunciam uma terceira visita, o que significa que neste meio tempo ele lá esteve uma segunda vez. E parece que nesta segunda visita Paulo teve problemas (2 Co 2.5; 7.12). Ao que parece, ele teve de abandonar a comunidade. E este incidente faz Paulo substituir a visita programada em 2 Co 1.15-16 por uma carta, escrita em meio a sofrimento e angústia, com muitas lágrimas (2 Co 2.4-10; 7.12). Esta carta parece ter produzido bom efeito, pois Tito traz notícias de que ela foi bem digerida (2 Co 7.8-13). Há hipóteses de que 2 Co 10-13 seja parte desta terceira carta de Paulo aos Coríntios.

Em fins de 57, Paulo escreve a Segunda Carta aos Coríntios, sua quarta carta à comunidade. As noticias trazidas por Tito o tranqüilizam. A comunidade puniu o culpado e iniciou a coleta! Consolado e confortado em relação a Corinto, Paulo pode escrever a segunda Carta aos Coríntios. Parece que, neste meio tempo chegaram a Corinto adversários do apóstolo, os quais são judaico-cristãos (2 Co 11.22), que se dizem apóstolos (11.5,13; 12.11). Para eles, Paulo não é apóstolo, pois não tem atestado legal (13.3,7), não exigiu os seus direitos, a saber, que a comunidade o sustentasse (11.8s). Para eles, Pauto, como homem de pequena estatura, não sabe se impor, nem inspira confiança. Suas palavras parecem deploráveis (11.6). Quando ausente, aí, sim, suas cartas são rigorosas (10.1ss). A comunidade está impressionada com estes homens. As tendências entusiastas dentro da comunidade são as que se inclinaram em favor destes pseudo-apóstolos (2 Co 12.1-10). Paulo debate-se desta forma em sua carta com estes novos grupos surgidos dentro da comunidade. Nos caps. 1-7, Paulo analisa sua relação com a comunidade; nos caps. 8-9, comenta a coleta para os pobres de Jerusalém nos caps. 10-13, debate-se diretamente com a questão dos novos adversários surgidos em Corinto.

Através da carta, Paulo quer levar os coríntios a uma decisão. É preciso decidir entre falsos e verdadeiros apóstolos, respondendo assim à pergunta pela legitimidade da vocação apostólica de Paulo.

Como podemos ver, a vida desta comunidade é uma vida conturbada por divisões internas, provocada de certa forma pela constituição da comunidade. Linhas teológicas divergentes, questionamento da autoridade do apóstolo Paulo, enfim, uma grande pluralidade, sem nenhum sinal de unidade, são o prato de cada dia da comunidade de Corinto.

III — O texto

V.11: No mais, irmãos, alegrai-vos;
Deixem-se aperfeiçoar,
Deixem-se advertir,
sejam unidos,
sejam pacíficos, e o Deus do amor e da paz estará com vocês.

V.12: Cumprimentem-se uns aos outros com o beijo santo. Todos os santos mandam lembranças para vocês.

V. 13: A graça do Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo (estejam) com todos vocês.

IV — Deixando o texto falar

O final da segunda carta de Paulo aos Coríntios está mais ou menos dentro das características normais de um final de epistola. Ape¬sar disto, ele tem muito a ver com a situação particular de Corinto, pelo menos no que se refere ao seu conteúdo.

V.11: Para uma carta dura e pesada como esta, o primeiro imperativo é surpreendente. Mas Paulo sabe da importância que a alegria tem na vida da comunidade. Ela não deve morrer, pois é uma das expressões da fé da comunidade e da sua experiência com Cristo. Esta alegria não sobrevive por si, mas precisa ser constantemente alimentada.

O segundo imperativo não é satisfatoriamente traduzido por Almeida. O aperfeiçoar na fé não é obra humana, mas obra da Trindade. É um deixar-se aperfeiçoar. As contendas mostram que, em sua fé, os coríntios ainda estão a meio caminho. Além disso, quando as desavenças estiverem mais ou menos sanadas, os coríntios não devem se conformar. É preciso que, como comunidade, eles saiam de si e deixem-se transformar numa comunidade ativa no serviço para fora.

Igualmente no terceiro imperativo, Almeida falha na tradução. O que determina a tradução de PARAKALEISTE como deixar-se advertir e não como deixar-se consolar é o contexto e a situação da comunidade que descrevemos anteriormente. É preciso que cada um dos membros da comunidade de Corinto reconheça seu erro, sua participação no caos em que está a comunidade e se deixe advertir e corrigir. O fato de encontrarmos estes imperativos no passivo mostra que a nova situação, a nova realidade que deve ser instalada na comunidade não é fruto de esforço ou obra humana. É uma ação que vem de fora.

No quarto imperativo, Paulo deixa claro que há uma participação humana. E somente haverá verdadeira união, se houver mudança de posições, revisão de posicionamentos. Paulo certamente refere-se a uma união íntima que deve se tornar visível no cotidiano.

No quinto imperativo, Paulo exorta a viver em paz, buscando-a no relacionamento com os demais membros da comunidade.

O v.11 traz cinco imperativos seguidos de promessa. E a promessa deve ser vista dialeticamente: Deus só pode morar com eles, se entre eles houver paz e amor; e só pode haver paz e amor entre eles, se Deus habitar com eles. O ser de Deus é caracterizado por paz e amor. E a vida da comunidade deve espelhar este ser divino V.12: Esta nova ordem interior da comunidade se expressa no beijo fraterno que tinha o seu lugar nas reuniões da comunidade. É um sinal de comunhão, fé e amor, que adquire, por causa da situação da comunidade, uma importância e um significado bem especial.

Paulo mostra aos coríntios que eles fazem parte de uma comunhão maior. Não podemos ainda pensar em uma igreja organizada, mas havia, sem dúvida, um elo de ligação, a saber, que todos tinham sido chamados e escolhidos por um mesmo Senhor, para serem propriedade de Deus. Este mandar lembranças não é só mera formalidade. É consolo, é disposição de carregar com os outros os pecados e culpas. Ele carrega um profundo e vivo amor fraternal de uma comunidade para a outra.

V. 13: Como em todas as suas cartas, também nesta Paulo termina com uma benção. O caráter trinitário da benção em nosso texto parece ter algo a ver com a situação da comunidade. O peso da carta confere um significado especial ao seu final. Para Paulo, a graça do Senhor Jesus é decisiva para a comunidade. Ela é esta força de fora que pode modificar a conturbada situação de Corinto. Paulo crê que esta graça é de todos. Todos têm acesso a ela. Basta deixá-la habitar entre eles. Ela é a expressão do amor de Deus. Através do amor de Deus que nos deu Jesus, todos foram aceitos por parte de Deus. Este amor não é algo abstrato e teórico, mas quer tornar-se visível. E esta comunhão se torna visível na presença de Jesus entre nós, através do Espírito Santo. Ele produz comunhão e concede participação na vida de Deus. Em Corinto esta nova realidade vai expressar-se, na medida em que os coríntios deixarem eliminar do seio de sua comunidade as intrigas e divisões. Assim, em 2 Co 13.11-13, temos mais uma vez todo o Evangelho resumido. Também em Corinto, confia Paulo, tensões e rivalidades, ciúmes e brigas podem acabar, pois a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo pertencem a todos.

V — Escopo

Para a comunidade desunida e dividida de Corinto é apresenta¬da uma saída para seu problema: a ação de Deus através de Jesus Cristo que se concretiza no acontecimento da comunhão verdadeira, produzida pelo Espírito Santo. O amor de Deus que se manifesta na graça de Jesus, é a saída para esta comunidade.

VI — Meditação

Unidade na pluralidade, a prioridade colocada por Paulo para a comunidade de Corinto, foi também colocada como prioridade para a IECLB. Quem conhece um pouco a realidade em Corinto, e conhece o dia-a-dia de muitas comunidades de nossa igreja, sem precisar pensar muito, dirá: Doce ilusão!

Em muitas comunidades de nossa igreja convivem por um lado, cristãos engajados na busca pelo Reino de Deus e, por outro, adeptos do trabalho da MEUC, que, à sua maneira, buscam igualmente o Reino de Deus. Ao lado destes, há ainda um terceiro grupo que procura evitar os extremos e busca, assim, sua própria maneira de viver a fé. Isto sem falar daqueles que não querem nada com nada.

Diante de tal quadro se pergunta: Não é de fato a unidade na pluralidade uma doce ilusão? Seria por demais cômodo apelarmos prematuramente ao nosso texto e dizer: a trindade resolverá o problema e nos unirá. É preciso carregar esta impossibilidade humana, senti-la na carne. É preciso descobrir no dia-a-dia que nossas forças são poucas. É preciso descobrir a unidade na pluralidade como uma graça que implica compromisso de nossa parte: o compromisso de revisarmos nossos posicionamentos, nossa maneira de interpretar a Bíblia e de analisar a realidade; de revisarmos nossas prioridades como grupo dentro da igreja; de revermos nossa maneira de agir em relação aos que têm opiniões divergentes das nossas. A unidade na pluralidade dei¬xa de ser uma ilusão, na medida em que ela é obra de graça, realizada por Deus. Obra de Deus em nós e a favor de nós.

VII — Sugestão de prédica dialogada

Seria importante que o texto, com a tradução correta, fosse mimeografado e distribuído no culto. Isso facilitaria o envolvimento da comunidade no diálogo, que poderia desenvolver-se da seguinte forma:

1. Procurar, em conjunto com a comunidade, conhecer Corinto como cidade e como comunidade cristã. Talvez alguém dos presentes no culto saiba algo sobre Corinto. Convém não menosprezar os conhecimentos bíblicos de nossos membros.

2. Depois de esclarecida a situação conflitante dos coríntios, estudar em conjunto com a comunidade o texto. Cuidar para não passar prematuramente para a nossa situação. É importante, neste passo, descobrir como Paulo enfrenta a situação concreta de Corinto.

3. Procurar descobrir, com a comunidade, onde nós somos parecidos com os coríntios. Vale a pena motivar os membros a falarem, eles mesmos sobre onde vêem problemas e conflitos em sua própria comunidade.

4. Em conjunto com a comunidade, tentar descobrir até que ponto o texto representa um auxílio para nossa própria situação. (Este modelo de prédica foi testado em algumas comunidades da paróquia Evangélica de Alfredo Wagner no mês de junho de 1983 com ótimos resultados).

VIII — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: (Seria ótimo se uma pessoa da comunidade pudesse ser encarregada de fazê-la.) Senhor, nosso Pai bondoso: Sabemos que é tua vontade que teus filhos sejam unidos entre si assim como tu e teu Filho Jesus o são. Mas nem sempre temos correspondido à tua vontade. A vida de nossas comunidades deixa muito a desejar. Dividimo-nos na tentativa de melhor compreender a tua Palavra. Revelamos assim nossa arrogância, pois mostramos que não somos capazes de conviver em paz com nossos irmãos, que buscam pelo teu Reino da mesma forma como nós, usando talvez apenas caminhos diferentes Tem Piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Reúne-nos agora, Senhor, em torno de tua Palavra, para que ela nos revele nossa situação diante de ti e diante de nossos irmãos. Que tua palavra aponte diretamente para as nossas falhas e nos mostre a saída. Que ela nos corrija e nos cure. Amém.

3. Assuntos para oração final: Divisões dentro da comunidade, divisões dentro da IECLB, divisões dentro da Igreja universal: a impossibilidade humana de realizar a unidade na pluralidade; pedir que a Trindade a realize também entre nós; agradecer por a Igreja não depender de nosso esforço e de nossas ações para sobreviver, mas por ser obra da Trindade; pedir que o Espírito Santo nos leve a uma avaliação séria de nossos posicionamentos, produza em nós esta verdadeira comunhão dos santos e nos dê, assim, participação na vida de Deus.


 


Autor(a): Sigolf Greuel
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 1º Domingo após Pentecostes - Domingo da Trindade
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1983 / Volume: 9
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13112
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