2 Coríntios 3.1b-6

27/02/2000

Prédica: 2 Coríntios 3.1b-6
Leituras: Oséias 2.14-16,19-20 e Marcos 2.18-22
Autor: Leonídio Gaede
Data Litúrgica: 8° Domingo após Epifania
Data da Pregação: 27/02/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV
Tema: Epifania


Introdução

A Epifania abrange o tempo de 6 de janeiro até Quarta-Feira de Cinzas. Está entre dois tempos badalados na Igreja: Advento-Natal e Quaresma-Páscoa. Por isso a Epifania tem tudo para ser um lempo sem grandes expressões nas comunidades, até porque as férias e o Carnaval meio que “'roubam a cena''. Nos anos em que a Páscoa chega mais tarde, o tempo da Epifania entra, no entanto, março adentro e pega todo o movimento do início das aulas. Para mim, este contexto favorece a reflexão sobre a fé no cotidiano. Esta ideia também se encaixa na compreensão da Epifania como um tempo cm que ligamos as luzes ao redor de Jesus para visualizar bem onde ele está. Podemos dizer assim: nos períodos das grandes datas do calendário eclesiástico já existem artifícios que iluminam (ou não) o centro, que é Jesus. A Epifania está aí para que o fervor do nosso testemunho diário faça a luz de Deus brilhar sobre e ao redor de seu Filho enviado, o Cristo.

Já era

Contrata-se moça para a função de secretária, de boa aparência e com carta de recomendação. Felizmente, um anúncio assim já causa espanto e indignação, principalmente porque temos consciência de quase tudo que se esconde, por exemplo, atrás da exigência de boa aparência. Hoje podemos já supor que uma empresa, publicando tal anúncio, atrairia para si o descrédito de uma imagem discriminadora, além de não conseguir a garantia de contratar uma secretária competente.

Como sociedade, já andamos um bom caminho no sentido da conquista de direitos. E a ideia que está por trás de um anúncio como o citado já foi combatida, pelo movimento de cidadania, com demonstração de algum rancor. Quase caímos do outro lado com a criação da imagem da loira burra.

Um pouco mais complicada é a questão da exigência de uma carta de recomendação. Desta ainda lançamos mão, inclusive na Igreja. Para ser padri¬nho e para ser madrinha de batizandos e batizandas em outras comunidades, pede-se uma carta de recomendação, para citar só um exemplo.

É difícil justificar a necessidade de um documento escrito para provar os assuntos de coração, de fé, de espírito... O sinônimo da procura de garantia expressa como traga uma carta de recomendação é desconfio de você. Já o sinônimo da oferta de garantia expressa como tenho aqui uma carta de recomendação é tenho a prova escrita que me credencia (e mais nada). Por outro lado, as secretarias paroquiais acham difícil abrir mão da exigência de uma prova escrita de qualquer pessoa desconhecida que se apresente para usufruir um direito comunitário.

Meditação

2 Co 3. lb-6: Estamos, você e eu, diante de um texto bíblico que é subsídio de pregação do evangelho. Por isso, nosso compromisso é com a boa notícia da salvação trazida por Deus. Em outras palavras, estamos refletindo, numa medi¬tação, sobre o que o evangelho diz para a comunidade cristã. De outro lado, temos o que chamamos de realidade da comunidade. Este lado, é óbvio, também diz algo. A realidade da comunidade faz as suas exigências. As pessoas que têm a experiência de atuação em comunidade dizem: A teoria é bonita, mas a realidade mostra como funciona. Isto revela que existem os dois lados.

Refletir a partir do evangelho nos dá, porém, a liberdade de questionar inclusive o que está funcionando bem, olhando de fora para dentro. Podemos, por exemplo, denunciar amarras legais produzidas pela instituição-comunidade e projetadas por um pensamento de auto-salvação.

Assim se esclarece, a respeito do assunto em pauta, que a finalidade desta prédica não é produzir um manual de orientação para o bom funcionamento daquilo que foi instituído por concepções humanas e é mantido por contribuintes pagantes, dos quais uma boa parte tenta driblar as leis. Não vamos aqui, como se a questão fosse administrativa, tentar responder a pergunta a respeito do que precisa ser feito para que as comunidades instituídas não virem bagunça do ponto de vista administrativo. Nesta prédica vamos lidar com esse assunto consideran¬do-o uma questão de fé.

Percebo que, na pregação a partir de 2 Co 3.lb-6, a questão da necessidade de prova material está presente, sim, só que ela precisa ser vista como conse¬quência da falta de um princípio. Por isso convém permanecer, na pregação, naquilo que é o princípio, sem se perder no que é artifício. Ter princípio é que vai nortear, sulear, orientar e ocidentar a vida cristã. As regras de convivência estabelecidas devem estar sob o princípio, mas não devem substituí-lo.

Na vida cristã, até quando se trata de lei, de mandamentos, a questão se apresenta de formei apodílica e não casuística. Isso significa que a lei pede de nós uma postura diante da vida e não nos ensina a seguir uma regra diante de determinados casos.

Por isso a pergunta que nos é feita aqui é: A partir de que princípio vivemos? As considerações feitas pelo apóstolo Paulo desvendam quão precariamente nos organizamos e quão facilmente trocamos o valor do princípio pelo da casualidade. Na teologia do apóstolo Paulo não cabe qualquer insinuação de que podemos algo porque casualmente somos algo. Ele diz: ...pelo contrário, nossa suficiência vem de Deus (3.5).

Que anarquia é essa?

Nossa sociedade aprova predominantemente o ato de matar a cobra e mostrar o pau. Para boa parte, graças a Deus, o ditado já não serve mais em sentido real e muito menos em sentido figurado. Mas, no seu sentido real, precisamos ainda reconhecer que as cobras não são poupadas pelo pau. No sentido figurado do ditado, precisamos considerar que, apesar de ainda existir quem se considera um caso valioso, já tem gente entendendo que não resolve mais ser alguém que representa um caso de eficiência no executar e no provar os feitos individualmente.

Dizer eu provo o meu caso (por escrito, na pedra, com tinta, pela letra) é uma proposta anárquica porque desconsidera a existência de um princípio, uma arque, uma cabeça, um acima de tudo que norteia-suleia-orienta-ocidenta a vida. Apresentar prova a seu favor vem da proposta de salvar o seu caso, não o princípio.

Dizer vocês são a minha carta escrita no coração e lida por todos, escrita pelo Espírito do Deus vivente, escrita no coração humano contém também uma proposta anárquica no sentido de abolir toda tentativa de afirmarmos alguém de nós mesmos como o princípio, a arque, a cabeça, o acima de tudo.
Essas duas formas de pensar são diferentes como o café e o leite. Na vida elas aparecem, porém, como café com leite.

A nossa suficiência vem de Deus (2 Co 3.5b)

Às vezes dá vontade de fazer separação entre pessoas verdadeiramente cristãs e as que lá no fundo não são coisa alguma. É que dá um pouco de raiva notar que todo o mundo quer ser, mas ninguém é mesmo, com todas as letras.

Essa tendência de separar o falso do verdadeiro produz mecanismos de identificação. Tem grupos que modificam sua aparência externa para fazer a diferença: mulheres não cortam mais o cabelo e só usam vestido comprido, homens passam a usar gravata. Alguns fazem o domingo no sábado. Jovens vestem roupa de cor laranja e usam corte de cabelo distinto...

Ter um grupo de pertença é muito importante para as pessoas. Melhor ainda é se esse grupo pode ser visualizado facilmente na multidão de anônimos de que é formada a humanidade.

Paulo fala dessa identificação escrita nos corações (v. 2), produzida pelo ministério (v. 3), escrita pelo espírito do Deus vivente nos corações (v. 3). Essa identificação é específica. Ela vem de uma nova aliança (v. 6) e tem base na suficiência que vem de Deus (v. 5).

Este é o nosso grupo de pertença: ' 'Nós somos a única Bíblia que o público ainda lê. Nós somos para os pecadores o evangelho, para os zombadores a confissão de fé. Nós somos a última mensagem de Deus, escrita em palavras e ações (Ani Johnson Flint).

Prédica

1. Sugiro que o primeiro passo da prédica seja feito pela apresentação de uma bandeira de um time de futebol. É bom que seja de um time que tenha grande torcida e que tenha também rivais. O objetivo não é polarizar opiniões, mas trazer para dentro de maneira forte o sentimento de pertencer ou de não querer pertencer. Podem ser oportunas as perguntas: Por que se pode sentir orgulho desta bandeira? e Por que não se pode sentir orgulho desta bandeira?

Em seguida pode-se mostrar uma cruz. Talvez possa ser preparada uma cruz simples e maior que o crucifixo do altar, que seja trazida para dentro da igreja por algum grupo da comunidade (crianças, jovens, mulheres, homens, presbitério, PPDs). As perguntas feitas sobre a bandeira podem agora ser feitas também sobre a cruz: Por que se pode sentir orgulho desta cruz? e Por que não se pode sentir orgulho desta cruz?

2. No segundo momento da prédica, o pregador ou a pregadora pode fazer suas considerações sobre as respostas que ouviu. Metodologicamente é importante não desmerecer as respostas obtidas. Se você percebeu problemas teológicos nelas, não tente resolver isto agora. Louve a Deus pela possibilidade de expressão havida e use seu espaço com a sabedoria que não afugenta. Importante é explicitar que existe uma diferença entre viver respondendo a cada caso como convém e ter um princípio de vida. Por exemplo: existe o agricultor que não usa herbicida porque é contra por um princípio de vida e tem agricultor que também é contra o uso de herbicida, mas reconhece que, em alguns casos, seu uso se toma conveniente. Outro exemplo: todos são contra o roubo, mas uns tentam subornar o guarda de trânsito.

3. Medite agora com a comunidade, a partir do texto e da situarão da comunidade:
sobre o ser de verdade e o representar, sobre a autenticidade e a falsidade das pessoas, sobre a originalidade e a cópia dos gestos, sobre o sentir-se incluído e a exclusão, sobre o envolver-se e a indiferença.

4. Conquiste a simpatia da comunidade para o ensinamento de que dependemos da graça de Deus.

5. Distribua entre os participantes um crachá, um adesivo ou uma bandeirola com a frase:
Nossa suficiência vem de Deus (2 Co 3.5).

Bibliografia

GOPPELT, Leonard. Teologia do Novo Testamento. São Leopoldo/Petrópolis : Sinodal/ Vozes, 1982. vol. 2, p. 338-9.
KÜMMEL, Werner Georg. Síntese teológica do Novo Testamento. São Leopoldo : Sino¬dal, 1974. p. 288-9.
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo : Sinodal, 1972. p. 65.


Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Leonídio Gaede
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 8º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12795
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