2 Coríntios 5.1-10

Auxílio Homilético

18/11/1984

Prédica: 2 Coríntios 5.1-10
Autor: Friedrich Gierus
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 18/11/1984
Proclamar Libertação - Volume: IX

I — O contexto

A nossa perícope faz parte de uma apologia que o apóstolo Paulo redigiu frente a heresias existentes na comunidade de Corinto. Essas doutrinas, de procedência judaica e com características da gnose helenística, ameaçavam não apenas a união da comunidade de Corinto (1 Co 1.10), mas também a verdade básica da fé cristã, como a Teologia da Cruz (1 Co. 2.1ss) e a ressurreição dos mortos (1 Co. 15).

Em nossa passagem o apóstolo fala sobre conhecimentos (sabemos!,5.1) referentes ao destino dos homens que receberam o penhor do Espírito (5.5), já que nos versículos anteriores (4.16-18) ele menciona a fragilidade da vida humana, superada pela fé que alimenta a certeza de uma glória acima de toda compreensão (4.18). E, terminando com a afirmação do julgamento final (5.10), Paulo leva muito a sério sua missão. — Conhecendo o temor do Senhor, persuadimos aos homens ... (5.11) — e chama à reconciliação com Deus (5.20).

II — A estrutura orgânica da perícope

1. Com a morte o homem é levado para uma nova realidade que Deus criou para os que receberam o Espírito (5.1-5).

a) A vida no mundo, ainda que determinada pela morte, desemboca numa nova existência criada por Deus (5.1).

b) A transitoriedade de nossa existência alimenta em nós o desejo de sermos revestidos de maneira que o mortal seja absorvido pela vida (5.2-4).

c) Participamos desse processo porque Deus o garantiu com a dádiva do Espírito Santo (5.5).

2. Ainda que a nova realidade criada por Deus não esteja ao nosso alcance imediato, já vivemos esta nova vida na fé e assumimos, em consequência, os critérios éticos que Cristo delineou (5.6-10).

a) A outorga do Espírito nos deixa bem animados, ainda que não possamos dar provas da nossa convicção (5.6-7).

b) A plena confiança da fé e o desejo de habitarmos com o Senhor não permitem nem quietismo (moleza), nem desprezo da vida no mundo, mas levam o crente a assumir atitudes éticas que ainda serão aprovadas — ou não — por Cristo (5.8-10).

III — Escopo

A fé em Deus, que transforma nossa existência transitória em vida eterna, dá-nos firmeza para assumir uma vida que refuta esperan¬ça no mundo passageiro.

IV - Reflexão exegético-teológica

V. 1: O apóstolo, falando da morte da pessoa humana, usa a figura da casa, da barraca que é desmontada. KATALYÕ, no passivo, indica que a morte é sofrida (passivum divinum). Deus age! Deus desmonta essa barraca. Ao mesmo tempo Deus já tem providenciado outro edifício, completamente diferente, eterno; portanto, uma habitação que não pode ser ameaçada, nem é sujeita a alterações, porque é definitiva! Disso Paulo está convencido: Sabemos! O plural inclui os destinatários da carta. É de conhecimento comum que passamos da moradia corruptível para a incorruptível (1 Co 15.53). O apóstolo nem cogita a possibilidade de desaparecermos com a morte. Esta não é apenas o fim de nossa existência, como o presume o nihilismo. A morte também não é a passagem para a próxima encarnação, de acordo com o Espiritismo e sua doutrina da reencarnação. Não voltamos a ter um corpo corruptível (confira Hb 9.27!). A pessoa humana, na passagem para a vida eterna, não desaparece numa existência perene como a gota se desfaz, caindo no mar, tal como o afirma o Budismo. E ainda que o apóstolo se utilize da ideia do tabernáculo, falando da existência no corpo corruptível ou natural, (1Co 15.44) ou do homem exterior que se corrompe (2Cor. 4.16), ele não compartilha a ideia da filosofia grega de que o corpo seja um cárcere que mantém presa a alma imortal, constituindo-se, por isso, em algo desprezível. (Confira 1 Co 6.12-20, ...glorificai a Deus no vosso corpo!) Em toda a nossa pericope não é mencionada a alma. Aliás, o termo alma aparece apenas quatro vezes em todos os escritos de Paulo (Rm 2.9; 1Co 15.45; Fp 1.27 e 1 Ts 5.23). Em nenhuma passagem o apóstolo usa o termo como referindo-se a algo imortal em contraposição ao corpo mortal. Paulo não divide o ser humano, interessante, neste contexto, é que ele. em 1 Ts 5.23, expressa o desejo: O vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis . Paulo, portanto, ao falar do homem em relação á ressurreição ou à vinda de Cristo, não pensa apenas na alma; ele vê o homem em sua totalidade. E nesta totalidade da existência humana temos que pensar quando ele fala no processo do revestimento, nos w. 2 e 4, respectivamente na absorção do mortal pela vida!

Vv.2-4: Os gemidos neste tabernáculo são a expressão do sofrimento ao qual toda a criação está sujeita. E, junto com a criação, gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo (Rm 8.23). (Observe bem: o apóstolo não diz redenção de nossa alma!)

No v.2 Paulo passa para uma nova figura: o revestimento. Com este pensamento ele complementa a figura do v.1. Na formulação dos w. 1 e 8 fica uma dúvida: a troca de uma habitação para a outra, da casa terrestre para a casa eterna, não pressupõe uma existência intermediária? Onde ficaremos entre deixar o corpo e habitar com o Senhor (v.8)? Esta pergunta Paulo nem reflete! Ela nem surge no decorrer de sua argumentação porque o apóstolo está convencido de que a morte é passagem para a vida eterna. A ideia, de que a alma, presa ao corpo, finalmente se liberte com a morte do indivíduo, não tem cabi¬mento para Paulo. Não queremos ser despidos e encontrados nus! A nudez, de acordo com a convicção cristã (e judaica) exclui a comunhão com o Senhor: Jo 21.7; Êx 20.26; Ap 3.18; 16.15! Aqui Paulo se distancia claramente da gnose helenística que vê a salvação completada no momento em que a alma imortal consegue livrar-se do cativeiro, do corpo.

Paulo não quer se despido, mas revestido (v.4). Quer dizer que aqui não se trata de uma evolução num processo de auto-salvação. O revestimento é um ato que parte exclusivamente de Deus! Ele providencia a nova existência. Ele, Deus, fonte de vida, absorve o mortal! Ele ressuscita! Foi o próprio Deus que nos preparou para isto! (v.4) E, como penhor desta certeza, ele nos deu seu Espírito Quer dizer, ainda que estejamos em nossa casa terrestre, com todos os seus aspectos de corrupção, já temos o penhor do Espírito. Daí vem a noção de que temos uma casa não feita por mãos, nos céus. Mais ainda:

Vv.6-8: Temos sempre bom ânimo! Este bom ânimo não é alimentado pelo pensamento positivo, nem resulta de um esforço humano a partir de uma filosofia que prega a perfeição, como o fazem, p. ex., os adeptos da Ciência Cristã, da Rosa-cruz ou do Seicho-No-Iê! O apóstolo sabe que nossa suficiência vem de Deus (2Co 3,5; veja também 12.9-10; 1Co 1.26-31).

É difícil aguentar num mundo que parece ter razão com seu materialismo, com sua competição, com a estrutura que gera o consumismo! É humilhante ser tratado como touco ou idiota que defende ideias absurdas, lutando por justiça e enfrentando o ódio com amor! Sem dúvida, muitas vezes ficamos cansados e queremos ver sinais mais concretos do Reino de Deus no mundo, e a fraqueza nos faz gemer — desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? (Rm 7.24) — e preferir deixar o corpo e habitar com o Senhor (v.8). Mas o apóstolo chama a atenção para o fato de que andamos por fé e não pelo que vemos (veja também 1 Co 13.12; Hb 11.1).

Vv.9-10: Seja como for — assim interpreto quer presente quer ausente, no v. 9! — temos um compromisso com o Cristo Senhor. A fé não permite moleza; não há lugar para graça barata.

Mesmo que já tenhamos recebido o penhor do Espírito, vivemos ainda num mundo que é qualificado pela corrupção. As nossas atitudes, motivadas pela graça e pelo amor de Deus indicam um novo rumo. Se, porém, em nossas ações defendemos sempre a causa de Cristo, isto será revelado perante o tribunal de Cristo. O v.10 não quer espalhar terror nem medo! Somente moralistas vão abusar do versículo. No entanto, o apóstolo lembra aos leitores que as atitudes do cristão devem ser submetidas a constantes exames à luz da lei e do Evangelho de Cristo.

Muitas vezes defendemos posições teológicas e/ou éticas até ao ponto de nos acusarmos mutuamente de falsidade! No entanto, tais posições são subjetivamente defendidas na intenção de agradar ao Senhor. Como fica, então?

O tribunal de Cristo revelará o bem e o mal! Este juízo final faz o apóstolo exortar: Experimentai qual seja a vontade de Deus (Rm 12.2). Também Fp 1.9-10 vai na mesma direção. A exortação em 1 Co 11.28 reflete a mesma preocupação do apóstolo. Nestes termos temos de entender o final da nossa perícope!

V — Esboço para prédica

1. Introdução: Os homens de hoje têm uma certeza em comum: a da morte. Porém, quanto à pergunta se há vida depois da morte e sobre como obtê-la existem muitas teorias, dúvidas e divergências.

2. A fé cristã sabe, a partir da ressurreição de Cristo, que Deus dá vida eterna a todos que crêem.

a) O interesse pelo além da morte fez surgir muitas teorias e doutrinas teológicas; porém, todas partem da auto-suficiência humana.

b) A fé cristã sabe que somente Deus pode dar-nos acesso à vida eterna. Para isto Cristo nos abriu o caminho com sua morte e ressurreição.

c) Os que aceitam o Cristo crucificado e ressurreto pela fé, recebem o Espírito de Deus e participam da nova vida que já começou mas ainda não é visível em sua plenitude.

 

3. A dádiva da nova vida pela fé dá esperança e bom ânimo na vida do dia-a-dia:

a) em relação à própria fragilidade (ainda que gememos temos bom ânimo!);

b) em relação ao mundo que aparentemente está a fim de exterminar-se (andemos por fé e não pelo que vemos!);

c) em relação ao próximo (viver em função do outro!).

 

4. Nossas atitudes são orientadas a partir do exemplo de Cristo.

a) A certeza da fé não permite acomodação.

b) Em todas as circunstâncias procuramos agradar ao Senhor.

 

5.A noção do juízo final nos mantém vigilantes:

a) sabemos que nem tudo o que tem a etiqueta de cristão realmente recebe o parecer aprovado!;

b) examinamos constantemente todas as nossas atitudes


VI — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, tu nos abriste o acesso à vida eterna pela morte e ressurreição de teu Filho Jesus Cristo. Somos culpados por esta mensagem de esperança não ter penetrado suficientemente no mundo em que vivemos. Não refletimos a alegria que provém da esperança. Muitas vezes fugimos do compromisso que tua mensagem de amor nos impõe. Senhor, tem piedade de nós.

2. Oração de coleta: Deus, nosso Pai no céu. Com gratidão estamos reunidos neste culto para louvar-te na comunhão dos que procuram a tua face. Dá-nos o teu Santo Espírito para que possamos ouvir tua mensagem, sentir a presença no irmão e assumir uma vida condizente com o teu Evangelho, no dia-a-dia. Em nome de Jesus nós te pedimos.

3. Assuntos para a oração final: A certeza, pela fé no Ressurreto, nos faz agradecer pela esperança que nos abre o horizonte para uma vida em plenitude: agradeçamos pela Palavra de Deus e peçamos que o Espírito Santo nos chame e una na busca por uma nova vida em justiça e paz; pensemos nas pessoas que têm dificuldade de aceitar e de viver da esperança que o Evangelho de Cristo representa; intercedamos por todos os que andam desorientados, decepcionados e sem rumo; perguntemos onde nós falhamos no testemunho da nossa fé; peçamos que Deus nos abra os olhos para que enxerguemos possibilidades de colocar sinais concretos do seu amor e da esperança que está em nós: intercedamos pelos pregadores da Palavra de Deus, pelos presbíteros e líderes das comunidades, pela Direção da nossa Igreja para que todo planejamento, todas as realizações espelhem a esperança que testemunha a vitória do Cristo ressurreto e que proclama seu senhorio hoje e eternamente.


 


Autor(a): Friedrich Gierus
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1983 / Volume: 9
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13441
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