A minhoca que descobriu o sol
• Mary Rute Gomes Esperandio •
Era uma vez uma minhoca que vivia, como todas as outras minhocas, debaixo da terra. Revirava a terra o tempo todo.
Aparentemente, era uma minhoca comum, igual a todas as suas amigas. Mas algo a diferenciava das demais. Chamavam-na de sonhadora e insatisfeita, porque vivia perguntando: ¨Será que não há mais nada neste nosso mundo além de terra?¨
A minhoca estava começando a enxergar além daquilo que concretamente via ao seu redor. Imaginou a possibilidade de existir um outro mundo, diferente daquele em que ela vivia. Isso poderia ser mesmo possível? Ou era apenas mais um de seus tantos sonhos...?
Até que um dia, virando a terra, sentiu que seu corpo todo aquecia. E não era como aquele calor úmido que ela já conhecia. E estava tudo incrivelmente claro. O que era aquilo? Que mundo era aquele?
Percebeu que era o sol. Que gostoso! Foi uma sensação que nunca havia sentido antes.
Minhoquinha, como era seu nome, só não sabia de um detalhe: tempo demais no sol pode torrar, desidratar, e ela não tinha creme com filtro solar.
Minhoquinha quase virou churrasco, ou melhor, salsicha assada.
O jeito foi entrar de novo para dentro da terra.
Mas, lá debaixo da terra, só ficava pensando nas sensações que tivera lá em cima... e desejando tudo aquilo outra vez.
(Nossas experiências têm mesmo esse poder — Nos deixam diferentes depois de passarmos por elas).
E agora, quietinha, só pensando em suas lembranças, Minhoquinha foi ficando ¨ensimesmada¨, triste, não fazia mais suas tarefas de minhoca... suas amigas já estavam preocupadas... ela já nem se alimentava e estava ficando tão fininha, que sequer se parecia com uma minhoca. Era como um fio de linha rosa, perdido sob a terra. Ela até se lembrou de sua amiga Minhocona —que também reclamava como ela. Só não deixava de se alimentar.
No caso da Minhocona, não percebendo saída para suas insatisfações, disparou a comer. Ingeriu tanta terra, que sua pele de tão esticada arrebentou. A Minhocona explodiu! Integrou-se à terra. Deixou de existir.
E agora, tal qual a Minhocona, Minhoquinha também não estava feliz com aquele jeito de viver. Mas parecia que não havia nada que ela pudesse fazer sobre isso... a não ser ficar ¨curtindo¨ a dor de não poder fazer o que na verdade gostaria.
Foi então que apareceu o Minhocão. Ele era sábio. O mestre das minhocas. Sempre que havia problemas que ninguém conseguia solucionar, chamavam o Minhocão. E lá estava ele para conversar com Minhoquinha.
O diálogo deles foi mais ou menos assim:
— Olá, Minhoquinha, você parece infeliz!
Com um fio de voz, Minhoquinha respondeu:
— É, querido mestre. Viver aqui embaixo nesta escuridão e sempre fazendo a mesma coisa já não é mais suficiente para mim. Não quero mais viver assim.
— Humm, que bom que você percebeu que para ser uma minhoca feliz não basta fazer o que os outros esperam de você!
— Pois é... ser minhoca... mexer com terra o tempo todo... ficar aqui neste lugar úmido e escuro não tem mais graça para mim.
— Mas quem lhe disse que minhoca tem que ficar aqui embaixo todo o tempo? Minhoquinha arregalou os olhos. Minhocão continuou:
— Você pode ir de vez em quando tomar um sol, ver as coisas diferentes lá de cima, conhecer novas coisas... só não deve ficar muito tempo lá para não ficar com insolação. Depois volta para debaixo da terra, se alimenta dela... e de novo pode ir em busca do seu querido e fascinante sol. O que você não pode é fugir da vocação do seu próprio ser: ser minhoca e ser uma minhoca feliz!
Minhocão era, realmente, muito sábio. Seu conselho ajudou muito Minhoquinha. Ela pensou bastante em tudo o que o mestre lhe falou, e então se deu conta de que ir em busca da realização dos mais íntimos desejos, fazer as coisas que mais dão prazer e alegria não significa deixar de ser o que é. Significa, sim, dar cor e sabor à própria vida.
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