Alocução para Sepultamento - 1 João 4.9

18/02/1988

ALOCUÇÃO PARA SEPULTAMENTO

Pessoa idosa

I João 4.9

Wilfrid Buchweitz

I — A situação

Há muitos anos a família de NN tinha morado em São Leopoldo, onde também tinham sido membros da Comunidade Evangélica. Depois foram a Porto Alegre para desempenhar atividades profissionais. Na cidade grande, nunca chegaram a se filiar a uma comunidade. Os filhos todos encontraram jovens católicas e casaram na igreja católica. Agora NN faleceu, 93 anos. Cada falecimento provoca sobressaltos. Além do mais, sepultar alguém numa cidade grande é complicado e caro. Alguém se lembrou do túmulo do pai do falecido em São Leopoldo. Decidiram realizar o sepultamento aqui.

Mas e igreja? Com os casamentos dos filhos na igreja católica e os batismos dos netos e bisnetos, a proximidade com a igreja católica se tornara maior que com a igreja evangélica. Foram falar com o padre, que não viu condições de acompanhar o sepultamento. Então bateram aqui na Comunidade.

O que fazer? Por dezenas de anos o falecido não fora mais membro de nenhuma comunidade da Igreja. A Igreja não fora importante para ele. Ele não ajudara à Igreja. Mas agora, na hora do aporto, aí eles vêm! Por outro lado, a família está numa situação difícil. Está realmente atrapalhada, sem jeito. Não caberia, justamente; a partir da teologia da graça, socorrer esta família, colocar-se ao lado dela? Ou isso seria graça barata? Ou seria abrir precedentes para outros? Dos inícios da igreja cristã se diz que uma das coisas que chamava a atenção do mundo na época era o carinho com que sepultavam os mortos e acompanhavam as famílias.

Decidimos caminhar com a família enlutada neste trajeto de caminho. Tentamos dizer à comunidade o porquê e tentamos, em conversa a sós com a família, colocar o serviço da comunidade numa perspectiva mais ampla. A família se mostrou profundamente agradecida e há fundadas esperanças de que tenha novamente descoberto a Igreja e sua missão.

Dizer o quê? A resposta é difícil neste tipo de situação. Mas não é impossível. Há caminhos para marcar presença de maneira significativa num momento desses. Também em situações normais cada sepultamento é um desafio. Na busca por um texto apareceu l Jo 4.9, que prega a vida e dá oportunidade para uma reflexão sobre vida na perspectiva do amor de Deus e que contém mensagem de consolo e desafio ao mesmo tempo.

II — Alocução

Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. l Jo 4.9

Estimada família X; prezada comunidade:

Tristeza, saudade, vazio, insegurança são alguns dos sentimentos muito presentes neste instante. Alguns de nós tentam reagir a este sofrimento e dizem que é a sorte de todas as pessoas, que todos temos que morrer, que a cada um de nós está reservado este destino.

Palavras deste tipo podem ser uma forma de luta contra a situação que pesa sobre nós e que tende a nos dominar. Talvez queiram dizer: a vida tem o seu curso, com dias bonitos, mas também dias difíceis, com altos e baixos, com guinadas para um e par outro lado, com derrotas e vitórias e depois vem a morte. A morte faz parte da vida. Não dá para separar vida e morte. Também esta morte tem que se ver junto com a vida de 93 anos.

Mas as mesmas palavras também poderiam ser uma fuga, se quisessem desviar a atenção da dor que sentimos pelo falecimento de um pessoa querida. Poderiam ser um truque psicológico inconsciente, se nos levassem a pensarmos no falecimento de muitas outras pessoas, no fim de nossa própria vida, para não nos determos no momento que estamos vivendo agora. Aqui faleceu uma pessoa querida. Aqui a morte leva um membro de uma família, um pai, irmão, avô, bisavô, amigo. E isso dói. Só que não deveríamos anestesiar a dor. Deveríamos tentar vencê-la, ou ao menos tentar torná-la suportável.

O texto da Bíblia que lemos no início, quer ajudar nisso. Ele nos diz que não estamos sozinhos neste mundo. Há um Deus que olha por nós. Nossa vida nem é nossa, no sentido absoluto da palavra. Nossa vida está embutida no amor de Deus. Ela é obra de Deus, desde o momento em que começa a existir dentro do útero materno. E ela é obra de Deus uma segunda vez quando em Jesus Cristo Deus quebra por nós o poder do pecado e do diabo, quando Deus em seu amor nos presenteia com sua comunhão. A partir daí nós podemos viver uma vida ampla, que não é só uma existência de um dia após o outro, mas é uma constante opção a favor do amor, amor a Deus, amor ao próximo, amor ao mundo, amor aos valores que constroem e amadurecem a vida, vida minha, vida da humanidade, vida do mundo. Ao mesmo tempo é uma constante opção contra o desamor, desamor a Deus, desamor ao próximo, desamor ao mundo, desamor a valores que constroem vida.

A vida dada por Deus e em comunhão com Deus é um presente, e é uma responsabilidade nossa, um presente renovado a vida inteira e uma responsabilidade renovada a vida inteira. Ambas as coisas o Jesus Cristo presente torna possíveis. E Cristo nos sustenta até na hora da morte. Ele nos estende os braços também na hora da morte, a não ser que alguém lhe tenha virado as costas. Para vocês, estimada família enlutada, eu gostaria de deixar este conforto: a vida, embasada no amor de Deus, não é vencida nem pela morte. Perante esta vida a morte não é realmente morte. A vida é mais forte. Jesus Cristo venceu a morte na ressurreição para a vida, agora vida plena, na comunhão plena de Deus. A nós outros que aqui estamos, eu quero conclamar para que vivamos a força da ressurreição aqui e agora, no dia-a-dia de nossa vida. Que sejamos instrumentos da ressurreição no mundo em que vivemos, e que é, em muitos lugares, e em parte por omissão nossa que nos dizemos cristãos, um mundo de morte em muitas formas.

Eu quero salientar mais um aspecto: 93 anos é uma idade abençoada. Poucas pessoas chegam a 93 anos. Ou será que em nossa época ainda falamos assim? Dizemos que 93 anos é uma idade abençoada? Ou dizemos, e se não dizemos, pensamos, que 93 anos é um peso? Outras gerações honravam suas pessoas idosas e aprendiam de sua experiência e sabedoria importantes lições de vida. Hoje, muitas vezes, nosso velhos são um estorvo. E os jovens acham que os velhos não sabem mais nada. Os jovens acham que sabem muito, ou até acham que sabem tudo.

A vida que vem de Deus não diminui com a idade. O valor da vida que vem de Deus é o mesmo numa criança de poucos dias, num jovem de 18 anos, numa pessoa de 40 anos e num avô de 93 anos. A vida que vem de Deus não se mede conforme a escala material e econômica. E certamente em muitos lugares a vida em nosso mundo é tão pobre porque não ouvimos mais os anciãos de oitenta e noventa anos. Nossa sociedade quer construir sua própria vida e que não é nem um pouco parecida com Jesus Cristo.

A partir de nossa fé cristã, queremos acompanhar o avô de vocês, o nosso irmão mais velho, um ancião de nossa época, com carinho, com amor, com tristeza, como acompanharíamos uma pessoa jovem. Mais facilmente conformados com sua morte, talvez, porque ele realmente chegou a um limite do que a vida humana é capaz, mas com a consciência de que ele é tão pessoa, que sua vida é tão valiosa como a de uma pessoa jovem.

Jesus Cristo dá condições para vermos e vivermos a vida por uma perspectiva diferente da costumeira. Em Jesus Cristo o amor de Deus permeia a nossa vida e a nossa morte. Amém!

III — Subsídios litúrgicos

1. Oração: Senhor, nós te agradecemos pela vida. Tu és a origem da vida e tu és a sustentação da vida e tu nos dás teu amor em Jesus Cristo para que possamos viver a substância e a qualidade da tua vida. Confessamos que muitas vezes queremos viver a nossa própria vida, queremos estruturá-la, queremos montá-la conforme nossa concepção e queremos dar-lhe nossa qualidade e então surge sofrimento. Nós mesmos sofremos ou fazemos outros sofrer ou fazemos o mundo sofrer e te fazemos sofrer a ti, nosso Deus. Por isso agradecemos por toda a vida que tu deste a este nosso irmão e pela vida que através dele sua família, seus amigos, sua sociedade pôde experimentar.

Agora o confiamos a Teu eterno amor. Seja também conforto e consolo para a família. Ajuda que nós possamos ser instrumentos de teu amor para com eles, vivendo para com eles o amor que em Jesus Cristo tu nós concedes. Por Jesus Cristo, Amém!

2. Textos: Salmo 90,1-12; l Pedro 1.3-9.
3. Hinos: Hinos do Povo de Deus, 62; 298.


Proclamar Libertação – Suplemento 2
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Wilfrid Buchweitz
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1988 / Volume: Suplemento 2
Natureza do Texto: Liturgia
Perfil do Texto: Alocução
ID: 7327
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Ele, Deus, é a minha rocha e a minha fortaleza, o meu abrigo e o meu libertador. Ele me defende como um escudo, e eu confio na sua proteção.
Salmo 144.2
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