Apocalipse 1.4-8

Auxílio Homilético

12/05/1988

Prédica: Apocalipse 1.4-8
Autor: Martin Weingaertner
Data Litúrgica: Ascensão
Data da Pregação: 12/05/1988
Proclamar Libertação - Volume: XIII


Há uns dez anos atrás, em Alfredo Wagner, reuníamo-nos num grupo de estudo bíblico. Numa quinta-feira à noite um senhor contou: Hoje fizemos uma coisa que nunca nos aconteceu! Fomos roçar capoeira e já trabalhávamos uma boa hora, quando me lembrei que hoje é o dia de ascensão do nosso Senhor Jesus. Aí eu disse para a mulher Nunca trabalhamos neste dia. Vamos para casa! E, todos do grupo de estudo bíblico perguntaram: Hoje é dia de ascensão?

Um dia que realmente caiu no esquecimento, este dia de ascensão. Isto não seria de lamentar, se com a data não esquecêssemos e ignorássemos também que Jesus Cristo subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso, donde virá para julgar os vivos e os mortos.

Por isto, não desperdicemos tempo e energia por causa de um dia, mas anunciemos alegremente a entronização eterna, irrevogável de nosso Jesus. Precisamos aprender a contar com a presença poderosa de Jesus no dia-a-dia. Sempre de novo, qual Pedro, naufragamos porque nos deixamos hipnotizar pelo poder dos vagalhões. Precisamos, por isto, nos deixar lembrar da glória e do poder que Jesus assumiu, para que, com Pedro, clamemos: Salva-me, Senhor! Nisto o texto indicado nos será útil.

l - Observações exegéticas

V. 4: João, apesar dos muitos questionamentos, é o discípulo dos evangelhos e autor da obra que leva o seu nome no Novo Testamento. Não temos motivo para duvidar que ele é, já avançado em idade, o banido na ilha de Patmos. Expatriado por causa do evangelho, isto é, pagando um preço pelo que crê e testemunha. Nem o Apocalipse lhe trouxe as vantagens de direitos autorais. João pagou para falar.

É importante lembrar que o testemunho do evangelho pode citar e cita testemunhas. Não é nenhum diz-que-diz-que. É localizável no tempo e no espaço e nunca foi anónimo. Também hoje o evangelho é transmitido por testemunhas cuja vida deve ser conferível para quem os ouve.

Às sete igrejas na Ásia: Todo testemunho de Jesus tem endereço. A palavra que provém do Senhor visa destinatários bem concretos, p. ex., os anjos em Belém falaram aos pastores, etc. João está incumbido pelo Senhor de dirigir-se às comunidades posteriores mencionadas. A visão que João recebeu e registrou no Apocalipse visa estas comunidades ameaçadas de dentro e de fora: a primeira perseguição generalizada sob Domiciano, imperador romano, estava iminente ou talvez já em andamento.

Este testemunho dirigido às sete comunidades na atual Turquia não deixa de ser válido para toda a cristandade, porque é fiel testemunho de fiel testemunha. Nesta pretensão a ouvimos hoje.

Graça e paz a vós: a mensagem que João anuncia, é algo que não temos. É-nos oferecido um presente, um dom gratuito. Jamais poderemos produzi-lo por nós mesmos, mas apenas ser receptores. Doador que manda anunciar graça e paz aos desgraçados e aos sem paz é o próprio Deus. João não usa nome próprio para designá-lo. Ele circunscreve a realidade de Deus que extrapola todo nome: aquele que é, que era e que há de vir. O Deus que oferece sua graça é, tem realidade no presente no passado e no futuro. Observe a mudança de verbo na formulação que há de vir. Porque este verbo descreve a realidade de Deus no futuro? Porque não diz, logicamente: há de ser. Simplesmente porque a realidade de Deus no porvir (ameaçador em nossa perspectiva) não é eternamente distante de nós, mas é voltada, dirigida para o presente que vivemos agora.

Da parte dos sete espíritos: uma expressão difícil de entender. As tentativas de explicação trinitárias não convencem. Jamais a Escritura se refere ao Espírito Santo no plural. O número sete parece corresponder ao número de comunidades. Nos dois capítulos seguintes são mencionados sete anjos das respectivas igrejas. Mas isto são conjeturas. Prefiro, até prova melhor, aplicar a esta parte o conselho de Dt 29.29.

Vv. 5-6: O presente gratuito de Deus vem também da parte de Jesus Cristo, pois é através dele que a oferta de graça e paz se concretiza! Por isto é dito de imediato quem ele é: 1) a fiel testemunha refere-se à vida terrena de Jesus que deu testemunho inconfundível do propósito gracioso de Deus; 2) o primogênito dos mortos lembra que Jesus morreu e foi ressuscitado; e 3) o soberano aponta para o poder que ele exerce a partir de sua ressurreição.

Mas não basta reconhecer quem ele é. Também os demónios o conhecem e tremem (Mc 1.23s.). Melanchton escreveu: Christum cognoscere est benificia eius cognoscere (Conhecer a Cristo é conhecer os benefícios que ele concede). Por isto o texto continua descrevendo o que Cristo faz por nós:

1) Ele nos ama inconfundivelmente. Disto sua cruz é sinal inegável. 2) Quem recebe este amor agora, experimenta que o seu sangue derramado na cruz liberta do pecado. (Não se confunda pela diferença do tempo dos dois verbos amar e libertar, pois no grego ambos estão no particípio, descrevendo uma ação que perdura.) 3) Com esta libertação quem aceitou o amor foi constituído reino, sacerdotes pára o seu Deus e Pai. Num só fôlego são mencionados os dois aspectos fundamentais do ser cristão: somos feitos reino, isto é, incorporados e com isto participantes de seu poder irrefutável sobre o mundo, e sacerdotes, isto é, partilhando do acesso direto a Deus. Como Martim Lutero o expressa magistralmente: Cristo, de posse da primogenitura e toda a glória e dignidade que à mesma pertencem, faz com que todos os cristãos também participem dela, a fim de que, pela fé, sejam reis e sacerdotes como Cristo (Da liberdade cristã, p. 23).

Todo este agir benfeitor de Jesus, no entanto, não nos quer separar de Deus, mas, pelo contrário, reunir a Deus, e por isto visa unicamente a sua glória (v. 6b.). Esta boa notícia somente pode ser recebida com amém, isto é, com aceitação total. Qualquer raiz de questionamento lhe é totalmente inadequada.

V. 7: Todo questionamento que contesta o evangelho se alimenta do fato de este Deus gracioso em Jesus Cristo ser invisível aos olhos naturais do ser humano. É necessário serem iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança (Ef 1.18). Este tempo de contestação ou de aceitação findará, quando todo olho o verá como o que vem com as nuvens. O evangelho gracioso de antes produzirá, então, lamento inconsolável para todos quantos não o receberam. Isto também é certo e será recebido com amém. O juízo final será justo em sua condenação como, agora, o evangelho é justo em sua salvação. Descobrimos assim que a in-visibilidade de Deus no presente é parte de sua misericórdia e paciência para conosco.

V. 8: Por fim João sublinha mais uma vez a majestade deste Deus gracioso de cuja mão nada nos pode arrancar. Não deixemos de explicar a expressão Alfa e Ômega que lamentavelmente não são traduzidas em nossas versões mais comuns, apesar de as letras A e Z o fazerem com perfeição. Nada precisamos temer, porque o Deus que se revelou em Jesus Cristo é o princípio e o fim, nada foge do seu poder. Assim estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus (Fp 1.6).

II – Meditação

Como pregar sobre este texto? Tive dificuldade de memorizá-lo. O ouvinte no culto também enfrentará esta dificuldade, especialmente onde não existe o bom hábito de acompanhar a pregação de Bíblia na mão.

Por isto procuramos uma ilustração que facilitasse a compreensão desta perícope. O jovem Wilhelm Nordmann, que estagiou na comunidade, fez uma boa sugestão:

Colocamos uma mesa diante do altar. No culto convidamos as crianças para virem à frente. O Wilhelm pôs uma bolsa sobre a mesa que continha um vidro de bala com água dentro na qual nadavam alguns peixes. Primeiro as crianças puderam adivinhar o que a bolsa continha. Seria liso e molhado.

Depois o jovem dialogou com as crianças sobre os peixes naquele vidro fazendo as seguintes perguntas: O que a água significa para estes peixinho? O que os peixinhos estão vendo agora? Eles estão vendo a água também? O que aconteceria com os peixes fora da água?

Na transição para a pregação cantamos do HPD n. 73, seguindo-se a leitura do texto, desdobrado nos seguintes passos:

1) Mais do que a água envolve o peixe, Deus envolve o mundo, a ti e a mim. v. 8. Mas como o peixe não vê a água, assim também nós não vemos nem sentimos a Deus. Nós sabemos que ele é o Todo-poderoso, mas na hora do aperto ficamos atormentados por dúvidas mil.

2) Um peixinho não salta fora da água porque não a vê, mas nós temos fugido de Deus e estamos na situação dum peixe que o pescador tirou da água e que está se debatendo até morrer.

3) A água jamais teve dó do peixe, mas Deus tem compaixão do homem que fugiu dele. Por isto lhe manda o recado: V. 4. Deus não fica no recado, na in-tensão, mas faz o impossível: nunca pescador algum viu a água ir atrás dum peixe que estava fora dela. Mas Deus, em seu Filho foi atrás do homem que lhe voltou as costas: v. 5-6.

4) Assim como a água é invisível ao peixe, assim este maravilhoso agir de Deus ainda é invisível. Por isto mesmo podemos rejeitar tão bondosa oferta, ficando, qual peixe, fora da água a nos debater com valentia. Enquanto Deus permanecer invisível ele possibilita tempo para abandonarmos a atitude de rejeição teimosa e aceitarmos em fé o que não vemos (Hb 11.1). Mas este tempo de misericórdia de Deus findará (v.7).

Ill - Subsídios litúrgicos

É perigoso escrever orações numa igreja em que a oração espontânea tem um espaço cada vez mais reduzido em sua vida publica, pois estaremos cimentando uma tendência que não é salutar; porque onde não há mais espaço para a oração livre na vida pública da igreja, a oração pessoal perderá também espaço na vida pessoal e familiar.

A oração é a conversa do filho com seu Pai celeste e por isto jamais poderá perder a individualidade, a espontaneidade e nem a concreticidade. Se, porém, por mim mesmo nada tenho a dizer-lhe, então será melhor calar-me e buscar pelas causas desta situação, clamando: Senhor, ensina-me a orar!
Por isto convido-o a nadar contra a corrente, sugerindo algo que faço há anos: convido membros da comunidade para orarem praticamente em todos os cultos, não para lerem orações pré-formuladas mas para orarem espontaneamente.

Não convide à toa. Convide a quem você sabe que ora em casa. Pois, quem não orar no silêncio de seu quarto, de público somente poderá orar para ser visto pelos homens (Mt 6.5) e isto não tem promessa.

Não prepare a oração, mas tire tempo para os que vão orar. Explique som simplicidade os propósitos diversos das orações no culto: oração inicial = louvor e reconhecimento de minha culpa; a oração antes da prédica = pedir a concentração e submissão à palavra, tanto para o pregador como para a comunidade; a oração final = louvor e pedidos (por si e pelos outros).

O começo é difícil. Vão procurar fazer palavras bonitas. Temem por ser muito breves ou não notam quando se repetem ou delongam. Não faz mal que haja tropeços. Deles podemos aprender e crescer. O pregador deve orar no final, podendo incluir o que foi esquecido. Você será enriquecido em seu ministério.

IV - Bibliografia

- DROSTE, R. Meditações sobre Apocalipse 1.4-8. In: KIRST, N., coord. Proclamar Libertação. São Leopoldo, 1981. v. 7.
- GRUENZWEIG, F. Johannes-Offenbarung. 2. ed. Stuttgart, 1983. 1a parte.
- LUTERO, M. Da liberdade cristã. 4. ed. São Leopoldo, 1983.
- SCHLATTER, A. Briefe und Offenbarung des Johannes. 5. ed. Stuttgart, 1928.


Autor(a): Martin Weingärtner
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Ascensão

Testamento: Novo / Livro: Apocalipse / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1997 / Volume: 13
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14460
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Devemos orar com tanto vigor como se tudo dependesse de Deus e trabalhar com tanta dedicação como se tudo dependesse de nosso esforço.
Martim Lutero
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