Atos 17.22-31

Auxílio Homilético

06/05/1990

Prédica: Atos 17.22-31
Autor: Gerd Uwe Kliewer
Data Litúrgica: Domingo Jubilate
Data da Pregação: 06/05/1990
Proclamar Libertação - Volume: XV

 

l - O texto

Acho que não dá para restringir a perícope aos vv. 22-28a, como sugerido. Significa cortar o escopo do discurso de Paulo, que está no v. 31.

O discurso no Areópago, que Lucas reproduz e atribui a Paulo, é um dos textos que mostra o confronto e o diálogo que o cristianismo primitivo manteve ao entrar no mundo helenístico (outro exemplo temos em Atos 14.15-17). Staehlin (G. Staehlin, Die Apostelgeschichte, NTD, Göttingen, 1962, p. 228) acha que: Lucas considera este acontecimento em Atenas a auge da atividade missionaria de Paulo, apesar de não se ter notícia, no NT, de que da atividade de Paulo nesta cidade tenha surgido uma comunidade cristã. Mas ele é levado a sério por parte dos intelectuais de Atenas —-os epicureus e os estóicos; parece que aí está a importância do evento para Lucas e a igreja primitiva. A situação é descrita com detalhes, e o discurso elaborado com zelo, contendo citações e termos filosóficos do helenismo. Mas só usa os termos, pois o Deus apresentado no discurso é sem dúvida o dos judeus e cristãos, Pai de Jesus Cristo.

Pode-se perguntar se o altar com a inscrição a um deus desconhecido realmente existiu. Pesquisadores comprovaram a existência de templos e altares dedicados aos deuses desconhecidos, no plural. Portanto, é bem possível que no ambiente politeísta de Atenas houvesse quem dedicasse um santuário a um deus desconhecido, para evitar a ira de uma divindade que se sentisse desconsiderada. O discurso dirige-se a este ambiente politeísta, respeita o modo de pensar e a religião dos ouvintes, não condena, mas deixa claro que estão errados e que chegou a hora de mudar.

Tentei entender o discurso neste contexto, e o resultado está na reprodução interpretativa que segue:

Gente de Atenas, encontrei vocês realmente muito preocupados com a religião. Estão respeitando todo tipo de crença e esforçando-se a agradar e a servir a todos os deuses. Andando por aí, olhei todos os santuários que vocês construíram, e vi até um com a inscrição 'a um deus desconhecido'. Entendo muito bem o significado deste altar para vocês: querem garantir que realmente todas as divindades sejam adoradas, mesmo que sejam desconhecidas! Pois vejam, deste deus que vocês adoram sem conhecê-lo, deste eu vos trago mensagem. Porque vocês estão adorando-o de maneira errada. Toda a vossa religiosidade está indo em direção errada. Porque o Deus é um só, o criador do mundo e de todas as coisas visíveis e invisíveis, e ele não mora em santuários feitos por homens. Ele também não precisa dos vossos sacrifícios, das vossas menções, das vossas orações, dos vossos cultos. Na verdade, ele não precisa de nada de vocês. Pois tudo vem dele, é ele quem dá o fôlego, a alegria de viver a toda criatura. Como ele necessitaria alguma coisa que nós, suas criaturas, podemos dar ou fazer? Foi ele quem fez surgir de um homem — o velho Adão — toda a população da terra, e deu aos homens a terra firme para habitar, e fez as estações do ano para que os frutos e os animais se desenvolvam. Ao homem só resta procurar Deus; não em especulações filosóficas, mas na prática da vida diária, com corpo e alma. Pois ele não está lá longe no céu. Nós podemos estar longe de Deus, mas ele não de nós. Está presente no nosso meio, no nosso trabalho, no nosso amor, nas nossas lutas. A nossa vida vem dele e está nele, aqui e agora. Como dizem alguns dos vossos eruditos: Somos descendentes, somos filhos dele.

Engana-se, porém, quem acha que, por ser descendência de Deus, pode fazer imagem de Deus de ouro, prata ou outro material qualquer. Fazer isso é burrice, é vaidade! Com a nossa arte, a nossa razão não podemos compreendê-lo. Deus é muito mais do que a nossa compreensão pode alcançar!

Mas Deus passou por cima da nossa incapacidade de compreendê-lo, de chegar a ele. Passou por cima da nossa ignorância. Faz proclamar hoje a sua mensagem a todos os homens, de que eles devem trilhar um novo caminho, dar uma nova direção às suas vidas. Mandou o novo homem — o novo Adão —, Jesus Cristo, que ele abonou e acreditou para mostrar-nos este caminho, ressuscitando-o dentre os mortos; a este deu a tarefa de julgar, no dia determinado, todo o mundo com justiça.

II — Atualização

Podemos comparar o contexto religioso brasileiro com o ambiente encontrado por Paulo em Atenas? Não só podemos, parece-me; a comparação se impõe:

a) Paulo, perambulando por uma das nossas grandes cidades, certamen¬te a veria ”cheia de ídolos (KATEIDOLON, v. 16). Não só encontraria as muitas imagens de santos em igrejas e capelas, as figuras de orixás e outras divindades nos terreiros. Veria também nos outdoors as fotos dos ídolos de comunicação de massa, dos políticos. Se chocaria com os muitos templos não só das religiões, mas também do poder e do capital — os suntuosos edifícios públicos, os bancos, os shoppings, as bolsas. Seria abordado pelos adeptos da seita Moon, do Hare Krishna, pelos Meninos de Deus, as Testemunhas de Jeová, os crentes.. . Não há quase movimento religioso que não apareça aqui no Brasil. O nosso céu está povoado de espíritos e divindades. O mercado religioso de fato é diversificado e não sei se alguém saberia dizer o número de entidades religiosas existentes hoje no Brasil. Há cultos cristãos, afro-brasileiros, orientais, islâmicos, sincretistas, novos movimentos religiosos. . . O brasileiro realmente é muito religioso (v. 22).

b) Grande parte dessas entidades dedica-se ao que poderíamos chamar de manipulação das forças divinas, isto é, procura influenciar e aproveitar as divindades, espíritos ou poderes transcendentais imaginados. Uma verdadeira exploração do religioso. Paulo certamente tropeçaria nos despachos c trabalhos feitos por pais e mães de santo. Estranharia os horóscopos, as cartomantes, os jogos de búzios. E que dizer dos passes nos terreiros de umbanda? Talvez até questionaria os cultos nas igrejas cristãs, onde belos hinos são cantados e bonitas orações apresentadas em louvor a Deus, como se Deus precisasse desse louvor para certificar-se da sua grandeza.

c) Se Paulo fizesse uma visita às comunidades da IECLB, encontraria os seus membros preocupados em cumprir a sua obrigação para com Deus, em agradar a Deus, esperando alguma recompensa material ou espiritual. Deus como parceiro de barganha..., será que estamos livres disso?

d) E qual seria a sua opinião sobre os que usam a religião de maneira eclética, seletiva, conforme as suas necessidades? São mais e mais pessoas que agem dessa maneira: para os sacramentos e ofícios procuram a igreja; para problemas sentimentais, o terreiro de umbanda para crises existenciais, centro espírita, a cartomante, etc. Não há mais comprometimento sério com fé nenhuma, nem com comunidade ou igreja, mas só procura de serviços, de alívios religiosos.

e) Não sei, também, se Paulo aceitaria a nossa maneira de ver a religião que diz: Deus é um só e todas as religiões são boas ou todas as religiões levam a Deus. Não é isto que ele defende em seu discurso no Areópago.

f) Parece-me que a mensagem central do discurso de Paulo é esta: ele quer mostrar que todos estes caminhos religiosos que os homens querem abrir para chegar a Deus — mais ainda, para controlar Deus — são em vão, são condenáveis, levam na direção errada. O único caminho é o novo Adão, Jesus Cristo, caminho que Deus mesmo abriu para chegar ao homem. E esta afirmação não é uma especulação, uma reflexão, mas é uma mensagem é a Palavra viva que quer irromper na vida dos ouvintes, transformá-los, dar-lhes juma nova orientação. Deus comunica á todos que devem mudar de vida (arrepender-se) (v. 30). Há uma diferença fundamental entre a religiosidade dos atenienses, pagã, e a f é que Paulo apresenta no discurso: de um lado a procura especulativa do divino, do medo e a ânsia de acalmar os poderes transcendentais; do outro, a autoridade de quem fala em nome de Deus que se revelou aos homens em Jesus Cristo.

g) É interessante, no discurso, o recurso à ideia da origem única de toda a humanidade (De um só. . ., v. 26). É uma referência a Adão, primeiro homem criado por Deus. Com isso está afirmada a igualdade básica de todos os homens como descendentes de Deus, desde a criação. Quando Paulo, na carta aos Gálatas, faz a mesma afirmação, ele a baseia em Cristo, isto é, na nova criação (Gl 3.28, 2 Co 5.17). Seria uma concessão ao pensamento pagão? Evidencia, em todo caso, que a comunidade cristã, desde os seus primórdios, entendeu a sua mensagem não como particular de um grupo, mas dirigida a toda a humanidade. Mais ainda, sentia-se solidária com e responsável por toda a humanidade. Aliás, este pensamento permeia todo o livro de Atos.

Ill — Sugestões para a prédica

Na prédica, sugiro abordar os seguintes pontos:

a) Partindo da religiosidade dos atenienses, atualizar apontando o ambiente religioso em que vive a comunidade. O pregador certamente poderá apresentar experiências e exemplos próprios da sua convivência com as outras religiões no lugar e do trabalho pastoral com os membros que são abordados por outros grupos religiosos, ou têm contato com práticas supersticiosas, como benzeduras, amuletos, Schutzbriefe, milagreiros.

b) Falar do respeito que o cristão e a igreja cristã têm pelas religiões de outros grupos e povos, e do fato que desde o início a fé cristã procurou aceitar outras culturas e adaptar-se a elas, onde esta adaptação não comprometia a sua essência.

c) Mostrar, então, em que aspectos as manifestações religiosas estão sob o juízo, partindo do conceito de Deus que Paulo desenvolve nos vv, 24-28.

d) Apontar com ênfase o que distingue a fé cristã de muitas outras religiões: que ela aponta não um caminho do homem para Deus, mas o caminho de Deus aos homens, que culmina e se concretiza em Jesus Cristo, o ressuscitado.

e) Deus manda proclamar a todos que devem mudar de vida (v. 30). Mudança de vida tem consequências bem práticas: na vida religiosa, na convivência comunitária, na relação com o próximo, na ação social. Concretizar dentro do contexto dos ouvintes! Deus não precisa nada de nós, a não ser os nossos pés e as nossas mãos para o seu serviço no mundo.

f) Haverá um dia em que o mundo será julgado (v. 31)! Sem querer infligir medo ou ânsia nos ouvintes, este anúncio é um questionamento sério.

IV — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Onipotente e misericordioso Deus, chegamos a Ti e confessamos: a nossa fé e confiança têm sido fracas. Deixamo-nos levar por forças que nos afastam de Ti, pelo desejo de poder, de riqueza, de felicidade. Não conseguimos resistir a crenças falsas e superstições. Sempre de novo tentamos usar-Te para os nossos objetivos. Da Tua igreja tentamos fazer um centro de auto justificação e autopromoção. Confessamos um Deus que está longe da vida diária dos homens. Dá clareza ao nosso testemunho, Senhor, e tem piedade de nós!

2. Coleta: Deus, nosso Senhor, estamos reunidos para ouvir a tua Palavra. Livra-nos das amarras a falsos deuses, para podermos conhecer e atender o caminho que tu ofereces em Jesus Cristo, o ressuscitado. Destrói as ideias erradas que fazemos de Ti e abre os nossos ouvidos para a mensagem verdadeira. Amém.


 


Autor(a): Gerd Uwe Kliewer
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 17 / Versículo Inicial: 22 / Versículo Final: 31
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1989 / Volume: 15
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13504
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O Espírito Santo permanece com a santa congregação, ou cristandade, até o dia derradeiro. Por ela, nos busca e dela se serve para ensinar e pregar a Palavra, mediante a qual realiza e aumenta a santificação, para que, diariamente, cresça e se fortaleça na fé e em seus frutos, que ele produz.
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