Bem aventuradas as mães que permitem aos filhos voar!

Meditação

12/05/2006

No Sermão do Monte Jesus Cristo fala das bem-aventuranças. E bem-aventurança, na minha compreensão, tem a ver com desprendimento. Jesus fala no Sermão do Monte em desprender-se do ódio, da vingança, das riquezas, da autopromoção, do julgar uns aos outros. Desprendendo-se destes sentimentos, estamos a caminho da bem-aventurança. Somos os sábios e as sábias que construíram a casa sobre a rocha. E quando digo “bem-aventuradas as mães que permitem aos filhos e filhas voar”, o faço no sentido de que para muitas mães, e também pais, é difícil deixar os filhos e as filhas alçarem seus próprios vôos. A gente os quer sempre debaixo de nossas asas e sob o nosso constante olhar. Precisamos, neste sentido, encontrar a sabedoria do amor que ensina a voar e não a engaiolar. Para deixar o meu pensamento mais claro, farei uso de um texto escrito por Rubem Alves intitulado “Vossos filhos são pássaros...”:

“Sei o seu sofrimento. É o sofrimento de ver os filhos voarem e, no seu vôo, se esquecerem de nós. Desejaríamos que eles, de vez em quando, voltassem – ou que pelo menos olhassem para trás, com um olhar de carinho e gratidão. Gostaríamos que, nos olhos deles, o nosso rosto aparecesse refletido... Mas não. A gente olha para os olhos deles e não nos encontramos. Encontramos mil coisas: os amigos, as festas, os passeios, o carro, as aventuras... Mas em tudo isso nós mesmos estamos ausentes. Dói. Dói muito. Você diz: ‘No domingo das mães eu fui para a casa da minha mãe como faço todos os anos. É claro, não? Todo filho ou filha vai passar o domingo, “Dia das mães”, com as mães. Não é natural que isso aconteça? Comigo aconteceu o contrário. Meus filhos não foram ver a mãe deles. Deram mil desculpas... E eu já tinha conversado com eles dizendo que “eu ligo”, sim, para esta data, eu quero, sim, ganhar um presente – não presente caro, um bombom, ou coisa assim – só pelo fato de eles saírem e comprarem alguma coisa para a mãe. Estou errada? O que eu sei é que eu não ganhei nada. Como é que eu posso suportar isto?’

A alma é uma galeria de quadros. Os quadros são cenas de felicidade. Gostaríamos que estas cenas acontecessem na realidade. Uma das cenas mais queridas é a cena da família, que aparecia sempre nos retratos antigos: o marido, forte e confiável, de pernas cruzadas; a esposa, ao seu lado, pousando sua mão ternamente no seu ombro. Ao redor, os filhos. De repente você descobre que sua cena está rasgada. Não há marido em que pousar a sua mão. Não há filhos ao seu redor – eles estão andando pelos seus próprios caminhos. E você se sente sozinha, miseravelmente sozinha. Dói mais porque você imagina que a cena que você ama se realiza com outras mães. Você pergunta: “Não é natural que isso aconteça?”

Não. Não é natural que isso aconteça. Faz uns meses acompanhei o que acontecia com um casal de corruíras e seus filhotes. Haviam feito um ninho no meu jardim. Os filhotes já sabiam voar. Menos um. Tentou o vôo. Fracassou. Caiu no chão. Pai e mãe, o pai num galho de árvore, a mãe no ninho, piavam. Acho que eles estavam dizendo: “Vamos! Tente de novo! Você pode!” O filhote tentou de novo. Bateu suas asas. Voou até o galho onde se encontrava o pai. Do galho, voou para o ninho, onde estava a mãe. No dia seguinte fui visitar a família. Olhei cuidadosamente dentro do ninho. Estava vazio. A família tinha partido. Acho que, para o casal de corruíras, a cena mais querida era precisamente aquela: o ninho vazio. Os filhotes não mais dependiam deles. Podiam voar, voar, por conta própria. Gibran Khalil Gibran, no seu livro, O Profeta, tem um lindo texto sobre os filhos que se tornou clássico. Nele ele diz algo mais ou menos assim: “Vossos filhos não são vossos. São flechas. Vós sois o arco que dispara as flechas”. Bonito mas errado. Nossos filhos não são flechas. Porque flechas, ainda que disparadas, vão na direção que o arco indicou. Mas os nossos filhos não vão na direção que escolhemos. O certo seria: “Vossos filhos são flechas que, uma vez disparadas, se transformam em pássaros. Voam para onde querem”.

Somos diferentes das corruíras. Ficamos no ninho e queremos que os filhos voltem. Você é ninho. Deseja que os filhos voltem, agradecidos. Mas os seus filhos estão descobrindo as delícias do vôo. O livro de Eclesiastes, sagrado, diz que “para tudo existe um tempo certo. Há tempo de abraçar, há tempo de deixar de abraçar”. Você está vivendo o tempo de abraçar. Seus filhos estão vivendo o tempo de deixar de abraçar. Essa é a razão por que o “Dia das Mães” me aterroriza: porque ele cria a obrigação de voltar. Não se engane: muitos que voltam fisicamente ao ninho – pois isso é que é natural! Isso é o que se espera de todo filho! Todo filho dá presentes para a mãe no “Dia das mães” – estão espiritualmente muito longe... A exigência de amor obrigatório são gaiolas. Pássaros fogem de gaiolas. Só amam as gaiolas pássaros que não sabem voar. Se formos apenas ninhos, sem gaiolas, eles voltarão. Não agora. Pois agora é o tempo da descoberta da liberdade. Pássaro que descobriu a liberdade não pensa nem no papai nem na mamãe. É preciso deixar ir para que eles queiram voltar. Voltarão, quando tiverem saudade. Acredite em mim. Não falo teoria. Falo experiência própria... Aprenda a ser você sem mendigar gratidão dos filhos. Aprenda a voar sozinha. São belas as aves que voam sozinhas.”

Bem-aventuradas são as mães que vivem e ensinam aos seus filhos e filhas o amor que serve como fundamento, força e segurança para alçar o vôo em direção à independência e auto-afirmação. Bem-aventuradas são as mães que vivem do amor que é graça, isto é, que não exige retribuição. Pois mães que vivem do amor que é graça, não vivem de presentes que se resumem a um dia especial. Mães que vivem do amor que é graça, sabem que o maior presente que podem receber de seus filhos e filhas é saber que estão caminhando na retidão e nas bem-aventuranças de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Ó Deus, faze-nos viver do amor que vem de tuas mãos. Amor que não espera dia especial nem ocasião específica, mas que alimenta e fortalece para que a vida seja uma bem-aventurança.

Pastor Ernani Roepke


Autor(a): Ernani Ropke
Âmbito: IECLB
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 7666
REDE DE RECURSOS
+
Quanto mais a gente de embrenha na Criação, maiores os milagres que se descobre.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br