Capelania hospitalar - Tem sentido?

01/12/1997

Capelania hospitalar

Tem sentido?

Bruno Gottwald

Estive enfermo e me visitastes (Mateus 25.36) — com esta palavra Jesus mostra claramente que enfermos não necessitam apenas de cuidados para sua feridas orgânicas, mas também cuidado para suas feridas da alma. Não é de se admirar, portanto, que originalmente o hospital tenha sido uma ideia da comunidade cristã, que começou a ocupar-se de uma maneira sistemática com a assistência a enfermos. Na Idade Média, os monges hospedavam, em seus mosteiros, doentes, deficientes, idosos, enfim, pessoas que não conseguiam mais cuidar de si mesmas, colocando em prática o amor ao próximo no sentido mais amplo, cuidando do ser humano, em corpo e alma.

Assim, desde o início da história do hospital, o atendimento espiritual era tido como indispensável, embora nem sempre como parte integrante do atendimento terapêutico. O atendimento espiritual era mais direcionado numa linha evangelística e sacramentalista, na administração de sacramentos e realização de celebrações religiosas.

Hospital - centro de tratamento cientifico-tecnológico

Com o passar do tempo, a medicina passou a ser menos uma arte, envolta até por uma certa magia e mística, e assumiu cada vez mais a identidade científica. Os hospitais passaram a ser primordialmente centros de tratamento científico-tecnológico, de pesquisa e treinamento. Com esta mudança, perdeu-se, infelizmente, algo desta preocupação pelo ser humano; a doença passou a ser diagnosticada e tratada como um fenômeno isolado. Leocir Pessini afirma acertadamente: Passamos da fase de uma medicina mais humana e menos científica para uma medicina mais científica e menos humana. Com este avanço científico-tecnológico também a Igreja perdeu, em parte, seu papel protagonista e seu espaço. A complexidade cada vez mais acentuada dos hospitais trouxe em seu bojo a indesejável, mas inevitável burocracia e o anonimato. E aquele que procura os serviços de um hospital sente logo na pele esta burocracia e anonimato.

Internação: entrada para o desconhecido

A própria internação já é um verdadeiro ritual, no qual a pessoa deixa de ser um indivíduo para tornar-se mais um paciente. Muitas vezes, ela não tem condições de escolher o médico no qual depositará a sua confiança e esperança; ela simplesmente é designada. Até suas roupas particulares, muitas vezes, são trocadas pelas do hospital. Ela passa de um profissional para outro, de um aparelho para outro. Perguntas esclarecedoras e mãos que apalpam são substituídas por instrumentos sonoros e luminosos, que falam — quando falam — uma linguagem que ela não entende. A pessoa é tratada com todo o respeito e eficiência, mas, muitas vezes, não é observada como pessoa com suas perguntas, seus medos, sua ansiedade e insegurança. E isto, num momento crítico de sua vida. Isolada de seu ambiente rotineiro, agora tem tempo para pensar, refletir e avaliar.

Estar internado num hospital é como tirar um barco da água. Fora da água, podemos ver e analisar o casco do barco e ver coisas que antes talvez não tínhamos visto. Por isso, o paciente necessita muito de alguém que tenha disponibilidade para simplesmente estar com ele, perceber sua situação, ouvi-lo e levá-lo a sério com suas perguntas e temores. Alguém, que assuma o papel do cura d' alma, que cuide da ferida da alma, enquanto que os outros profissionais se ocupam com a ferida orgânica do paciente.

Clínica Pastoral — uma nova atitude

Tradicionalmente a comunidade cristã tem visto nesta assistência a enfermos uma oportunidade missionária para confrontar o enfermo com o Evangelho e levá-lo à conversão. Um atendimento espiritual, portanto, centrado na pregação evangelística. Esta concepção encontra ainda hoje larga ressonância no pietismo, nas Igrejas Pentecostais e seitas, onde a assistência espiritual, muitas vezes, acontece mais em função de um programa missionário e de uma confessionalidade religiosa, do que em função do bem estar do paciente.

Nos Estados Unidos, porém, surgiu uma proposta diferente de assistência espiritual a enfermos, a CLÍNICA PASTORAL. Esta proposta não está concentrada em primeiro plano na pregação verbal do Evangelho, mas sim na atenção voltada para o enfermo como expressão do amor incondicional de Deus, fazendo uso do instrumental fornecido pela psicologia, principalmente da técnica da empatia, desenvolvida pelo psicoterapeuta Carl Rogers. Esta assistência espiritual não acontece, evidentemente, em função de uma determinada confessionalidade religiosa ou Igreja, mas exclusivamente em função do paciente. Percebendo sua situação psico-emocional, ouvindo ativamente, levando a sério seus sentimentos e emoções, ajudamos o paciente a organizar seu mundo interior e lidar construtivamente com seu momento de crise. Palavras bíblicas, orações, bênção e Santa Ceia acontecem sempre a partir da situação que o diálogo fornece. A Clínica Pastoral leva muito em consideração que o ser humano é, por excelência, um ser relacional e que sua doença, cura, saúde e crescimento como pessoa têm muito a ver com seu relacionamento consigo mesmo, com seu corpo, com os outros, com a biosfera, com instituições significativas e, não por último, com Deus.

Nosso final de milênio caracteriza-se por uma massificação brutal, onde a pessoa perde sua individualidade. Paradoxalmente, porém, caracteriza-se também por um isolamento cada vez mais acentuado e consequente solidão e superficialidade nos relacionamentos. Esta situação contribui seriamente para o adoecimento do homem pós-moderno em alma e corpo. Por isso, um dos papéis fundamentais da Clínica Pastoral e do cura d' alma é ajudar na cura de relacionamentos quebrados, no desenvolvimento de relacionamentos inexistentes, no revigoranto de relacionamentos inexpressivos, na personalização de relacionamentos impessoais e na reflexão sobre novos relacionamentos possíveis. O período de uma internação num hospital é, muitas vezes, uma ótima oportunidade também para este exercício altamente terapêutico.

O autor é pastor da IECLB e capelão hospitalar no Hospital Santa Catarina, em Blumenau, SC

Ver ìndice do Anuário Evangélico - 1998


Autor(a): Bruno Gottwald
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Acompanhamento e consolação
Título da publicação: Anuário Evangélico - 1998 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1997
Natureza do Texto: Artigo
ID: 25849
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