Colossenses 3.12-17

Auxílio Homilético

30/12/2018

 

Prédica: Colossenses 3.12-17
Leituras: 1 Samuel 2.18-20, 26 e Lucas 2.21-52
Autoria: Ana Isa dos Reis
Data Litúrgica: 1º. Domingo após Natal
Data da Pregação: 30 de dezembro de 2018
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Batismo diário: dispa-se e revista-se!

1. Introdução

Os textos previstos para este domingo estão dentro do tempo do Natal. As pessoas e as comunidades ainda estão no clima das festas de fim de ano. Há esperanças no ar, afinal, o ano de 2018 está findando e em dois dias estaremos em 2019. Sonhos são renovados, esperanças alimentadas, planos e projetos feitos e refeitos, promessas de uma nova vida. Nessa época do ano, a vida ainda está iluminada com as luzes de Natal, os ouvidos cheios do canto das cigarras, a história do Natal continua viva nos presépios, os presentes ainda são novidade e já se iniciam os preparativos para a virada do ano, foguetes e sonhos para um ano novo.

Samuel e Jesus cresciam saudáveis, cumprindo sua tarefa, depois do nascimento “nada comum”. Samuel é o filho da estéril Ana, que o prometeu a Deus caso ela engravidasse. Depois de desmamado, Ana levou o pequeno Samuel até Eli, para que ele servisse a Javé. E Samuel o fazia com esmero, dedicação e crescia bem, cuidado por Javé.

Jesus é filho da jovem e ainda não casada Maria, que se coloca como serva e assume os riscos ao dar à luz o Filho de Deus. Depois de cumprir a lei aos 12 anos, passando pelo bar mitzvah, Jesus inicia sua pregação, falando no templo, e crescia bem, cuidado por Deus.

Também o evangelho continuava sendo testemunhado. Pessoas confessavam a fé em Jesus Cristo, revestiam-se das virtudes da pessoa cristã. A comunidade crescia, cuidada por Deus. Em meio aos festejos de fim de ano, a vida segue e Deus continua cuidando de seu povo. E esse povo tem assumido sua tarefa, revestindo-se de Cristo?

2. Exegese

2.1 – Autor, datação e contextualização

Colossenses é uma das quatro cartas do cativeiro, junto com Efésios, Filipenses e Filemon. A própria carta menciona que Paulo está preso (Cl 4.3,10,18), certamente ainda não em Roma, mas em Éfeso (conforme At 19). Se, de fato, foi escrita por Paulo enquanto ele estava preso em Éfeso, então a carta deve ter sido redigida entre os anos 55 e 57. Há pesquisas mais recentes, no entanto, que apontam que a carta teria sido escrita por um discípulo de Paulo, quem sabe Timóteo, sendo apenas atribuída a Paulo. Se assim o foi, a carta estaria situada em torno do ano 95, escrita em Éfeso, o que a colocaria como uma carta de comunidades da chamada “segunda geração cristã”.

As comunidades de Colossos e Laodiceia não foram fundadas por Paulo; elas não o conheciam pessoalmente. Supõe-se que tenham sido fundadas por discípulos de Paulo, entre eles, Epafras (Cl 1.7ss, 4.12ss; Fm 23). Filemom era membro dessa comunidade, que inclusive se reunia em sua casa, assim como se reúne na casa de uma mulher chamada Ninfas (Cl 4.15) e de Arquipo (Cl 4.17).

Colossos ou Colossas era uma colônia romana da Ásia Menor, distante cerca de 200 km de Éfeso, que vivia da indústria têxtil.

A carta menciona a presença de cristãos gentios, oriundos do paganismo. Havia várias filosofias e práticas pagãs que foram misturadas ao cristianismo, o que levou Epafras a pedir ajuda do próprio Paulo. Multiplicavam-se práticas que tentavam garantir a salvação, buscando intermediários entre Deus e a humanidade, o que levou pessoas a apelar para a observância de festas anuais, mensais e sábados, leis alimentares (Cl 2.16,21), culto aos anjos (Cl 2.23), confiança nas forças cósmicas (Cl 2.8). Segundo essas práticas, Jesus não passava de uma entre outras manifestações de Deus, além de questionar como um crucificado poderia dar sentido à vida e ao mundo. A carta reage com vigor, afirmando que em Jesus habita a plenitude da divindade (Cl 2.9). Através de Cristo, o universo foi reconciliado com Deus. A partir do batismo, a pessoa cristã é chamada a despir-se de sua velha natureza (de pessoa pecadora, cheia de vícios) e revestir-se como nova criatura (vivendo a fé através de virtudes que promovem uma nova sociedade). Nos versículos anteriores (v. 5-11) há uma lista de vícios que devem ser abandonados e, em contrapartida, a pessoa cristã deve revestir-se das virtudes da vida cristã.

2.2 – Olhando cada versículo

V. 12 – “Revesti-vos” – o verbo está no imperativo, portanto é mais do que um convite; é um chamamento, uma responsabilidade, um compromisso que a pessoa batizada deve atender. Dentre alguns significados de revestir destaco: vestir de novo, cobrir, resguardar. Devem revestir-se os eleitos de Deus, santos e amados, ou seja, as pessoas cristãs (pessoas batizadas), sendo assim, devido à declaração forense, primeira, de Deus, dentro da santidade de Cristo. Santidade e eleição são ação de Deus em primeiro lugar. Ao ser humano fica a oportunidade da ação segunda, da resposta. Cada uma das virtudes apresentadas é antes também e, em primeiro lugar, em relação ao agir de Deus e de Jesus. Também vale lembrar que as virtudes não são obras do ser humano, mas são dádivas de Deus. As virtudes não estão ligadas simplesmente a um crescimento pessoal, antes apontam para a vida social, para a vivência da pessoa cristã dentro do mundo, na família, na igreja, na sociedade.

V. 13 – Suportar-se e perdoar: chamado para uma atitude. É preciso reconhecer que as pessoas têm defeitos, assim como eu; que elas têm limitações, assim como eu. Suportar é carregar a outra pessoa, levar a outra pessoa adiante com amor e ternura e não como se fosse um fardo pesado, ou revidar como se valesse o “olho por olho e dente por dente”. O perdão é a força que nos permite seguir adiante, que entrega a maldade e não a fica carregando como se fosse um saco preso nos tornozelos e arrastado por todo lugar onde estamos. O perdão que Jesus nos trouxe, nos reconciliando com Deus, rompe o saco pesado e cria um novo tempo. Em uma época de perseguição, de confusão, também com a fé cristã, atitudes de suportar e perdoar fazem a diferença.

V. 14 – “Acima de tudo” denota importância, grandeza, força. O amor é a ação máxima. É incondicional. Deus é amor. Ele é a fonte de todo amor. Por isso podemos amar. E, sim, o amor é vínculo da perfeição porque é obra de Deus em nós.

V. 15-17 – Os versículos lembram que, a partir do batismo, todas as pessoas fazem parte do corpo de Cristo. A comunidade de Jesus Cristo é chamada a viver em comunhão e paz. Em tempos de perseguição, deixar que a paz de Cristo (e não a pax romana) seja o árbitro, é um chamamento forte para compactuar com Cristo e romper com o poder estabelecido, gerador de morte e perseguição. Essa comunidade é chamada a celebrar o culto, onde pode se alimentar da palavra de Cristo, recebendo e compartilhando instruções e conselhos, partilhando a ação de graças, quando pode louvar a Deus com liberdade e profunda gratidão e servir com alegria. Essa força que é experimentada no culto, na celebração do ágape (Eucaristia) é força para a vivência do dia a dia. Aliás, no dia a dia, essa mesma experiência de liturgia deve ser vivida. Ser agradecido em tempos de perseguição e medo é um desafio, mas também uma oportunidade de testemunhar que, venha o que vier, aconteça o que for, Jesus não abandona seu povo.

3. Meditação

Colossos experimentava tempos de confusão teológica dentro da igreja. Ainda que a fé dos colossenses seja elogiada, a mesma está sendo ameaçada por falsos mestres que colocavam Jesus apenas como uma manifestação de Deus, e não o Salvador, o Verbo encarnado.

Hoje não é muito diferente. Constantemente ouvimos vozes que apontam para mil coisas e caminhos, e Jesus fica guardado, esquecido, colocado ao lado de uma pilha de questões.

E as propagandas, alimentadas pelo sistema capitalista neoliberal, fazem toda uma apoteose do ser humano como ser individual, apostando no próprio ego, em detrimento da vivência comunitária e social. Também na igreja se experimenta, por parte de algumas pessoas, um self service, onde se flutua de um lado para o outro, procurando ouvir aquilo que massageia os ouvidos (e o ego), dispondo-se a vir ou ajudar quando tiver tempo e for conveniente.

Também parece que o batismo ficou ofuscado, encoberto por uma porçãode outras coisas, ritos e conversões. É preciso despir-se! O batismo é um acontecimento radical. Por meio dele as pessoas passam por uma transformação: afogam sua velha natureza e surgem como novas criaturas. Essa transformação radical é algo prático, e não abstrato. O Cristo que morreu e ressuscitou por nós, que nos traz a salvação, faz um chamado, um imperativo. Viver como pessoa cristã é despir-se de tudo o que nos separa, nos isola, nos afasta do evangelho; é revestir-se do próprio Cristo, ou seja, entrar em uma dinâmica de novas criaturas.

Esse exercício de despir-se e revestir-se não acontece de forma individualista. Ele se dá em comunidade, na coletividade. Afinal, as virtudes que a carta apresenta só podem ser cultivadas no coletivo. Exercitar a misericórdia, a bondade, a humilda e, a mansidão/delicadeza, a longanimidade/paciência, o suportar, o perdoar seria irrisório se vivenciado para si mesmo, no individual; o chamado é para viver tudo isso no relacionamento com as outras pessoas, na família, na igreja, no trabalho, com as pessoas que são parecidas comigo e com aquelas que pensam bem diferente – se não o contrário – de mim.

O batismo lança-nos para dentro do corpo de Cristo, onde as pessoas são diferentes, ainda que de igual importância. A comunidade de pessoas batizadas não é uma comunidade perfeita, onde não há falhas ou divergências e conflitos, mas é um lugar onde a capacidade de amar ultrapassa os limites, as falhas de cada pessoa. Todo dia é dia de recordar, reafirmar e reatualizar: sou uma pessoa batizada. Ou seja, todos os dias a pessoa cristã é chamada a renovar seu batismo afogando sua velha natureza e ressurgindo como nova criatura, ou, nas palavras da carta, despir-se dos vícios que afastam as pessoas umas das outras e do Senhor e revestir-se de virtudes que promovem a unidade, a transparência, a justiça, a vida boa e digna, revestindo-se do próprio Cristo.

Escuto muitas pessoas dizendo que vivemos uma fase de desesperança. Também se vaga ora para cá ora para lá. Às vezes também me sinto assim. Parece que não há mais nada para fazer que possa provocar mudanças. Talvez a palavra seria “revestir-se”. Depois de todo um despir-se, é hora de revestir-se. Significa vestir mais uma vez. Coloque por cima mais algo. Não desista. Tente de novo. Revista-se agora disso. Se ainda não deu certo, revista-se desse outro. Revestir-se é não desistir. É deixar-se transformar. Não uma mudança em apenas um pedaço de mim mesma. Revestir-se é transformação radical. Rememoração batismal diária poderia ser entendida assim: dispa-se de tudo que o afasta do projeto do reino de Deus e revista-se de misericórdia, justiça, bondade, delicadeza, respeito, paciência, humildade, perdão, paz, celebração e, acima de tudo, de amor. Não sou eu mesma capaz de revestir-me sozinha. É ação de amor de Deus para comigo e que se dá na convivência comunitária e familiar, em auxílio mútuo.

4. Imagens para a prédica

Usando a imagem do despir-se e revestir-se, uma pessoa ou mesmo um boneco/manequim poderia ter suas roupas retiradas (pode ser a camisa/camiseta); em cada roupa (que pode até ser feita de jornal ou papel) pode ter uma palavra escrita referente ao que hoje é necessário despir. E, depois, revestir-se: colocar uma camisa ou roupa com o que é necessário vestir. No final, por cima de todas as roupas (eu pensei em camisas) colocar a camisa do amor. Lembrar que esse despir-se e revestir-se aponta para a ação da pessoa batizada, rememorando o próprio batismo, em que se experimenta o morrer e ressuscitar com Cristo e que se dá na comunitariedade. Precisamos morrer, afogar, despir-se do quê para sermos/vivermos como verdadeiro corpo de Cristo? E do que precisamos nos revestir, o que precisa ser colocado sempre de novo a fim de construirmos uma nova sociedade?

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados

Confessamos, Deus de amor e graça, que somos pessoas pecadoras. Reconhecemos que nem sempre nos despimos daquilo que nos afasta de ti e dos irmãos e das irmãs, seja por comodismo ou porque nos convém. Confessamos que nem sempre estamos dispostos a nos revestir de misericórdia, paciência, paz, delicadeza e amor. Tantas vezes temos dificuldade de perdoar as outras pessoas, ou mesmo de pedir perdão. Confessamos, Senhor, que esquecemos que somos pessoas batizadas, relegando ao batismo uma mera formalidade, e não reconhecendo que a partir do batismo somos mergulhados em uma transformação radical. Pedimos perdão, Senhor, pelas vezes que nos isolamos e não vivemos como parte do corpo de Cristo, esquecendo nosso compromisso comunitário. Perdoa-nos, Senhor, quando nosso modo de ser e agir não está alicerçado no amor, desse amor que vem de ti. Tu nos conheces, Deus de amor. Às tuas mãos de misericórdia confiamos tudo o que pesa em nós, e pedimos: tem compaixão de nós, despe-nos de toda maldade e reveste-nos de Cristo Jesus.

Absolvição

Antes de tudo e de todos está o amor de Deus, que ouve nossa confissão sincera e nos perdoa os pecados, chamando-nos a viver vida radicalmente transformada. A partir de Jesus somos reconciliados com Deus. Anuncio o perdão dos pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (+). Amém!

Oração do dia

Deus da graça, que vieste a nós em Jesus Cristo, nós te agradecemos porque nos envolves com misericórdia, bondade e amor. Encoraja-nos, Senhor, a nos despir de tudo o que é contrário ao teu evangelho. Anima-nos a nos revestir, mutuamente, de Cristo. Capacita-nos a viver a radicalidade do batismo a cada dia. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, nascido humilde na manjedoura. Amém.

Bibliografia

CHAMPLIN. O Novo Testamento interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Millennium, 1982. v. 5.
COMBLIN, José. Epístola aos Colossenses e Epístola a Filemon. Petrópolis: Vozes, 1986.


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Autor(a): Ana Isa dos Reis
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50265
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A Deus, aos pais e aos mestres, nunca se poderá agradecer e recompensar de modo suficiente.
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