Contribuição - fundamentos bíblicos e teológicos

01/06/2005

Lutero já afirmou que: Três conversões são necessárias: a conversão do coração, a da mente e a da bolsa. Ou seja, do nosso bolso. E este é um lugar sensível para nós. Mexer no bolso “dói”. E no que “dói” a gente não mexe.

Paulo, por sua vez, pede perdão aos Coríntios por privá-los da contribuição. Em que vocês foram inferiores às outras igrejas, exceto no fato de eu nunca ter sido um peso para vocês? Perdoem-me esta ofensa! (2Co 12.13). Ou seja, depois de apresentar extensivamente a liberdade e os direitos de apóstolo (1Co 9), ele abdica do direito de ser sustentado financeiramente em seu ministério junto aos coríntios para não se tornar um peso para eles. Afinal, ele queria anunciar o evangelho com liberdade e não por constrangimento. Mas, com isso, privou os coríntios de participarem da preciosa graça da contribuição.

Contudo, ainda que doa, é preciso sim falar do dinheiro, pois ele faz parte da nossa vida e especialmente da nossa vida de fé. Afinal, todo culto levantamos uma oferta; e, além do mais, nosso relacionamento com Deus (o que inclui o culto)
tem uma relação profunda com o dinheiro.

Agora, a motivação para se tratar do assunto de forma alguma deve ser o nosso déficit orçamentário; mas a seriedade e a importância BÍBLICA do assunto. Afinal, Deus pode usar o “nosso” dinheiro de diversas formas:

 Fortalecer n/ confiança nele
 Desenvolver a n/ confiabilidade
 Nos mostrar o Seu amor
 Unir cristãos por meio do repartir
 Ajudar a solucionar a necessidade dos outros
 Apontar para o Seu amor por meio da n/ generosidade
 Proporcionar os meios com os quais o Seu Reino possa crescer
 Estimular e fazer crescer a nossa dedicação.

Como vemos, não é verdade o que muitos dizem: O dinheiro é a raiz de todos os males. A Bíblia afirma que O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1Tm 6.10). Não é o dinheiro em si que é mau, mas o que fazemos com ele; é a forma como o manuseamos. O dinheiro em si é neutro. Não tem poder algum. Só que o problema é que não existe “dinheiro em si”. No momento em que o dinheiro cai em nossas mãos ele perde a sua “neutralidade”. Afinal, nós vamos manuseá-lo. Vamos nos utilizar dele ou até nos submeter a ele. O manuseio do dinheiro irá nos conduzir à adoração a Deus ou à adoração aos ídolos.

Por essa razão, a Bíblia não se omite diante do tema. Mais de 700 passagens falam diretamente do uso do dinheiro. Também Jesus não se omitiu nem teve uma visão idealista a respeito. Ele não abriu mão do manuseio do dinheiro; pelo contrário, Jesus se utilizou do dinheiro. No grupo dos apóstolos tinha até um “tesoureiro”. Jesus, por exemplo, apoiou o pagamento de impostos. Seu ministério era apoiado financeiramente por um grupo de mulheres (Lc 8.1-3). Das 29 parábolas que Jesus contou, 19 delas falam da administração correta das posses terrenas. E tudo isso tem uma razão especial: porque o USO que fazemos do “dinheiro”(bens, riqueza) e o nosso crescimento espiritual andam de mãos dadas.

Agora, mesmo que a Bíblia fale tanto em dinheiro/riquezas, o que está no centro/ âmago, mesmo quando o texto fala em “repartir” e em “dar”,
não é o dinheiro em si; mas, no centro, está nossa entrega, nossa confiança, nossa liberdade e o nosso amor. Repartir, dar, contribuir não são atos isolados da fé. Não são aspectos meramente financeiros. São atitudes que procedem de um coração grato e comprometido com o Senhor da vida. É na forma com que lidamos com o “nosso” dinheiro e “nossos” bens que vai se evidenciar se isso tudo é mais do que um linguajar piedoso e não passa de um palavreado vazio.

É no manuseio de “nossas” riquezas que as “entranhas do nosso coração” são expostas. E a Bíblia diz que enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? (Jeremias 17.9). Deus certamente o conhece; pois Ele sonda as profundezas do nosso coração (Sl 139.1).

Nós mesmos, no entanto, também podemos conhecer melhor o nosso coração através da forma como ofertamos; por exemplo. Você já observou alguma vez o seu coração na hora de ofertar? Ele tem sido sincero, puro, autêntico quando se trata de dar o dízimo, contribuir, fazer sua oferta?

Vejam no caso da oferta de Abel e Caim:

Gênesis 4.1-7: 1 Adão teve relações com Eva, sua mulher, e ela engravidou e deu à luz Caim. Disse ela: Com o auxílio do SENHOR tive um filho homem. 2 Voltou a dar à luz, desta vez a Abel, irmão dele. Abel tornou-se pastor de ovelhas, e Caim, agricultor. 3 Passado algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. 4 Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho. O SENHOR aceitou com agrado Abel e sua oferta, 5 mas não aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou. 6 O SENHOR disse a Caim: Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? 7 Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo.

Numa leitura rápida costumamos perder detalhes importantes para a compreensão de um texto. Este é especialmente o caso quando se trata de histórias conhecidas, já bem sedimentadas na nossa mente. Corremos por cima das palavras sem prestar atenção nas minúcias.

Vejamos, pois, nossa história: Neste tempo Deus ainda não havia dado qualquer Lei que “regulamentasse” o ato de ofertar ao Senhor. Não havia nenhuma exigência de se trazer uma oferta e muito menos de como trazê-la.

Mas como então eles poderiam saber o que dar e como dar ao Senhor? Diz o texto que cada qual deu do fruto do seu trabalho. Somos informados de que Abel, era pastor de ovelhas e Caim, agricultor. Portanto, Abel, ofereceu uma ovelha e Caim, ofereceu do fruto da terra.

Mas qual foi o critério de Deus para aceitar uma oferta e rejeitar a outra? Ambas foram feitas, entregues, depositadas sobre o altar e completamente queimadas ao Senhor. Não tinha mais volta; o fogo consumiu a ambas.

Será que Deus preferiu o “cheiro do churrasco” de Abel ao invés da “rama de mandioca” (ou seja lá o que for) de Caim? Será que foi – como muitas gravuras o retratam – que a fumaça da oferta de Abel “subiu” ao céu e a de Caim espraiava-se pelo chão? Afinal, qual foi o critério? Teria Abel cumprido o ritual corretamente e Caim negligenciara as prescrições litúrgica para o ato de ofertar?
Não é nada disso. O critério para a aceitação ou rejeição da oferta é, na verdade, completamente invisível aos nossos olhos e ao nosso juízo. Ofertar a Deus ultrapassa em muito um mero ritual no culto – ou onde quer que seja. Ofertar a Deus, dar o dízimo, contribuir, também não é uma mera questão financeira. Não se trata apenas de preencher um cheque, de lançar o dinheiro na salva. Não é uma questão de ser exato, preciso no cálculo do dízimo – calculo sobre o bruto ou sobre o líquido. Os fariseus agiam assim, e foram alvos da crítica de Jesus. A questão toda está no nosso coração, na disposição da nossa alma. A questão toda é avaliada lá no fundo do nosso coração onde só Deus enxerga.

Portanto, os critérios com os quais Deus avalia o nosso ofertar estão intimamente ligados à nossa fé.Tem a ver com aquilo que cremos. Tem a ver com nossas intenções e motivações. Tem a ver com o amor de Deus - o Seu amor por nós e nosso amor por Ele. Tem a ver com a soberania e majestade de Deus. Tem a ver com o reconhecimento de que SÓ ELE É DEUS e que nós somos obra da Sua mão. Tem a ver com o reconhecimento de que TODA A NOSSA VIDA depende dEle. Que TUDO é dEle e para Ele. Portanto, trata-se de uma atitude de gratidão, louvor e adoração.

Mas ONDE nesse texto percebemos essa questão da INTENCIONALIDADE DA ALMA? Onde e como podemos perceber a MOTIVAÇÃO CERTA? Aqui diz simplesmente:trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao Senhor (v.3)
Teria ele ofertado os PRODUTOS ERRADOS? Este fruto da terra, teria sido PRODUTO DO SEU TRABALHO ou ele apenas os colheu, apanhou na natureza? Mas, se este fora o caso, então a oferta de Abel também não seria aceita. Seu trabalho era cuidar das ovelhas. Ele não as PRODUZIA. Assim como Caim não PRODUZIA os frutos da terra. (“Nós é que PRODUZIMOS COISAS, não é?”). Sejam os frutos da terra ou mesmo as ovelhas ambos eram dádivas do Senhor, expressão do Seu zelo e cuidado para com as Suas criaturas.

Lembremo-nos de que o “NOSSO DINHEIRO” é o equivalente aos frutos da terra de Caim e às ovelhas de Abel. São sim, com toda certeza, não um mero produto do nosso esforço e capacidade produtiva; mas, muito pelo contrário, são igualmente expressão do amor, do zelo, do cuidado do Senhor por nossas vidas. Você ainda percebe essa realidade?

Portanto, a questão não é O QUE estou ofertando – ovelhas, rama de aipim ou dinheiro. A questão é COMO estou ofertando? Vejam que também a pergunta pelo QUANTO é dependente da pergunta pelo COMO. O quantia/quantidade é diretamente afetada e influenciada pelo COMO. Se a minha motivação e intencionalidade em ofertar ao Senhor está correta, é justa, é movida pelo amor e temor ao Senhor, então também a quantidade/ quantia será corretamente determinada. Então já não é mais uma questão de percentual - 10, 20 ou 30%... Pois o ofertar com liberalidade e alegria normalmente é um ato SACRIFICIAL, pois o amor é sacrificial. Conforme Paulo escreve aos coríntios: ...pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos (2 Coríntios 8:9).

No texto em Gênesis 4 diz tão somente o seguinte: ... Agradou-se o Senhor DE Abel E de sua oferta (v.4b.); ao passo que DE Caim E DE sua oferta não se agradou (v.5a.).

Chamo a nossa atenção para este detalhe, pois é nele que está o segredo. Deus não olhou apenas para a oferta em si. Ele não estava preocupado com o que foi colocado sobre o altar. Esta parece ser uma questão secundária aqui. No texto não diz que Deus se agradou DA oferta de Abel.Também não diz que Ele não se agradou DA oferta de Caim. Aqui diz que o Senhor SE AGRADOU, SIM, DE ABEL e, conseqüentemente de sua oferta. Diz também que, por outro lado, o Senhor NÃO SE AGRADOU DE CAIM e, conseqüentemente de sua oferta.

Mas, o que havia de CERTO ou de ERRADO com os dois ofertantes? Se não é pelas ofertas que Deus avalia; como Ele pode se agradar de um e se desagradar de outro?

Primeiramente, pelo que vemos aqui na história, o próprio Caim teve consciência do fato de que a sua oferta não agradou o Senhor. Irou-se, pois, sobremaneira Caim, e descaiu-lhe o semblante (v.5b.).

Você nunca teve este “sentimento”, esta “impressão” de que sua oferta não agradou o Senhor? Pela forma como você a ofertou. Pelos muitos cálculos que você fez antes de trazer a oferta. Pelas motivações que não lhe eram ocultas.

Esta ira/raiva que Caim sente contra Deus já é um indicativo de como andava o seu coração. Ele procura, quem sabe, culpar o próprio Deus pela má oferta que fizera. Ah se Deus olhasse mais por mim Ah se Ele me quebrasse alguns galhos. Ah se o Senhor respondesse mais objetiva e efetivamente minhas orações. Ah se eu tivesse melhor financeiramente ou de saúde... Quem sabe, diante de um quadro mais favorável, minhas ofertas também não seriam proporcionalmente melhores.

Em todo caso, Deus questiona este “posicionamento de vítima” que Caim adotou nesse processo: Então lhe disse o Senhor: Por que andas irado? e por que descaiu o teu semblante? (v.6). E daí vem o diagnóstico de Deus: Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo (v.7). Como vemos, o problema da oferta de Caim não era O PRODUTO que ele estava ofertando, nem a QUANTIDADE, nem a forma do ALTAR. O problema era o seu procedimento; ou seja, era a forma como ele estava trazendo sua oferta, a motivação no seu coração.

Vejam como o novo testamento interpreta essas ofertas: Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala (Hebreus 11:4). Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros; não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas (1 João 3:11). Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá (Judas 1:11).


Como vemos, a própria Palavra de Deus “interpreta” o que lá aconteceu. O coração de Caim estava repleto de maldade, por isso suas obras era injustas, marcadas pela ganância;
portanto, não podia c/ sua oferta agradar a Deus. Nós não conseguimos desvincular o nosso coração de nossos atos. Não há oferta, por maior que seja, que consiga colocar o nosso coração em ordem. Não é colocando as contribuições em dia que vamos ficar em dia com Deus. Primeiro o Senhor quer o nosso coração, para depois ter os nossos dízimos e ofertas. Esta também foi a motivação das generosas ofertas levantadas entre os macedônios que ofertar em meio a muita pobreza e até mesmo acima de suas posses. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus; (2 Coríntios 8:5).

Não há alegria no teu ofertar? É com pesar e dor no coração que você entrega o seu dízimo? Custa muito a você contribuir, ofertar com liberalidade, voluntariedade e generosidade? Então, quem sabe, seja hora de perguntar: Como anda o meu coração?

Se há incoerência na nossa vida, se pregamos sem autoridade, sem uma consciência limpa e pura, todo o nosso “discurso” fica vazio. Por isso, muitas vezes, falar em DINHEIRO na igreja é tabu. Mas Jesus falou a respeito com muita freqüência. O tema “dinheiro” só perde em quantidade de referências para o tema Reino de Deus.

Ficamos meio inquietos quando alguém nos confronta e questiona nessa área. Como eu disse no início, trata-se de uma área especialmente sensível da nossa vida. Imaginem, então, a cena de Jesus parado diante do gasofilácio observando as pessoas no seu ato de ofertar. Parece que não mais contamos com a possibilidade de que Jesus efetivamente continua observando nossa forma de contribuir e ofertar. O gasofilácio, na verdade, aceita qualquer quantia que ali depositarmos. Não questiona a origem deste dinheiro muito menos a motivação com que ele foi dado. Mas o nosso ofertar não passa desapercebido aos olhos do Senhor. A nossa oferta/ contribuição, portanto, deverá ser um reflexo da nossa fé, gratidão e compromisso com o Senhor e Salvador de nossas vidas. Encaremos, pois, a possibilidade de contribuir como expressão da graça de Deus, através da qual o “poder” do dinheiro é subjugado e assim o colocamos novamente a serviço da causa do Reino de Deus.

E quando se fala em graça não se fala em lei. O Novo Testamento não olha para a contribuição e a oferta com os olhos da lei. Não há no Novo Testamento uma única afirmação que apresente o dízimo como uma obrigatoriedade. Mas, ainda assim, o dízimo é um parâmetro bíblico e nos desafia ao compromisso. Nossa contribuição, no entanto, deve ser voluntária, generosa, livre, sacrificial, expressão da graça de Deus. No Antigo Testamento vemos que as ofertas voluntárias, na verdade, começam somente depois que as institucionais – como o dízimo - já foram cumpridas.
Uma coisa é certa: Quando um coração transborda em graça, um volume substancial da renda pessoal vai para Deus.

Contribuição voluntária nada tem a ver com riquezas, regras, percentuais, sobras. Contribuição voluntária tem a ver com vontade de contribuir, com a alegria que há no nosso coração fruto da gratidão.

E não somente fizeram como nós esperávamos, mas deram-se a si mesmos, primeiro ao Senhor, depois a nós pela vontade de Deus (2Co 8.4). A notável dádiva dos Macedônios foi resultado de terem primeiro entregue sua vida à Cristo. É simples assim: quando tudo o que temos é dado a Deus, dar aos outros torna-se um reflexo natural de nossas almas. É nesse ponto que a graça de contribuir deve começar: Dar-se a si mesmo completa e integralmente ao Senhor. Por isso, a graça de contribuir vai muito além do dízimo; ela afeta todo o nosso estilo de vida.


P. Jacson Eberhard
Palestra proferida no Fórum Fé, Gratidão e Compromisso, 01-04 de junho de 2005, Rodeio 12/SC

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