Deuteronômio 10.12-22

Auxílio Homilético

11/11/2001

Prédica: Deuteronômio 10.12-22
Leituras: 2 Tessalonicenses 2.16-3.5 e Lucas 20.27-38
Autor: Günter Wolff
Data Litúrgica: Antepenúltimo Domingo do ano Eclesiástico
Data da Pregação: 11/11/2001
Proclamar Libertação - Volume: XXVI


1. Que é que o Senhor requer de ti em meio ao mundo neoliberal globalizado?

Se olharmos de perto o nosso mundo, vemos que ele está agora organizado no chamado modelo capitalista neoliberal globalizado. Vamos ver suas características, que são as seguintes:

1. Livre mobilidade de capitais, mercadorias e serviços (para os países centrais)

Estes países centrais (ricos) praticam políticas protecionistas (a União Europeia aplica anualmente, e de forma direta, 0,52% do seu PIB em subsídios à agricultura e os EUA aplicam 1% do PIB [ US$ 55 bilhões] em subsídios na agricultura. Mas para nós a receita é outra; os países subdesenvolvidos transferem em renda da agricultura para outros setores em torno de 46% do PIB agrícola). Mas a receita para nós é liberdade total aos capitais e mercadorias, sem protecionismo.

2. Abertura comercial, sem restrições

Retirada de taxas e tarifas para importar livremente qualquer produto; só que os países ricos têm taxas de proteção para suas mercadorias. A prioridade e objetivo é reproduzir o capital e não reproduzir e proteger a vida das pessoas. Não há mais fronteiras para as mercadorias e capitais; só para as pessoas, para evitar que migrem para os países ricos e se beneficiem dos direitos que a classe trabalhadora conquistou lá em mais de um século de lutas. Também no 1° Mundo, os benefícios sociais foram duramente conquistados pelos pobres com muitas prisões, exílios e mortes.

3. Formação de megacorporações

Poderosas transnacionais se formam, que detêm mais poderes que alguns Estados Nacionais, para as quais não há fronteiras territoriais, nem políticas, nem tarifárias. O Estado tem que se sujeitar às vontades e necessidades destes grupos econômicos. É justo permitir que as 200 maiores corporações do planeta concentrem 28% do PIB do mundo e empreguem apenas 1% da força de trabalho? Merece ser preservada uma ordem mundial que entrega a 447 bilionários renda equivalente à da metade da população da Terra? Até quando os 60% mais pobres dos habitantes da Terra aceitarão viver com menos de 2 dólares por dia?

4. Globalização dos mercados financeiros

Os mercados financeiros unificam os negócios mundiais. Crescem a importância e o volume dos capitais financeiros (voláteis, desvinculados da produção de bens) e especulativos (que se nutrem e se reproduzem às custas dos altos juros). No jornal Zero Hora de 24/09/1998, o secretário do Tesouro norte-americano Robert Rubin diz: A prosperidade e a estabilidade financeira do Brasil são criticamente importantes para os Estados Unidos. Em outras palavras ele diz: o empregado é fundamental para o seu patrão.

5. Mudança do papel do Estado

O Estado só interfere na economia quando for para facilitar o capital e o lucro dos grandes grupos econômicos. Ele não é mais responsável por prover o bem-estar do povo e o desenvolvimento da nação; isto agora está a cargo do mercado. Se este modelo persistir, haverá desemprego e miséria maciça. O Estado privatiza suas empresas, que nos anos 50-80 foram fundamentais para formar a infra-estrutura econômica do país e foram financiadas com o dinheiro do povo, e agora as repassa para a classe capitalista a preços baixos. O Estado se tornou privado, de uma classe social: a capitalista.

O orçamento da União de 1998 destinou 53,97% dos recursos para juros e encargos da dívida e amortização da dívida, enquanto que para a educação e a cultura só destinou 3,4% e para a saúde e o saneamento só 4,3%. A metade do orçamento do pais c repassado aos banqueiros capitalistas.

6. Crença na auto-regulamentação dos mercados

O mercado cresce e o Estado diminui. Se acontece uma crise, o Estado corta verbas da área social: saúde, educação, etc. e com isso protege os investimentos dos capitalistas. Isto na prática desmente a tese da auto-regulamentação do mercado, e o Estado continua inter-vindo na economia quase sempre em favor do capital.

7. Alterações no processo de produção

* Novas e avançadas tecnologias: biotecnologia, novos materiais, biogenética, microeletrônica, computadores, concentração do conhe¬cimento.

* Redução da matéria-prima: menos quantidade e diferentes matérias-primas na fabricação de bens.

* Mão-de-obra: redução - menos mão-de-obra (desemprego). O jornal Zero Hora de 24/09/1998 diz que existiam, naquela data,1 bilhão de trabalhadores desempregados e subempregados no mundo; isto é, 1/3 da população economicamente ativa do mundo.

* Anos atrás, os trabalhadores falavam que eram explorados e lutavam contra esta exploração. Hoje a maioria luta pelo direito de poder ser explorada, e nem mais para isso as pessoas servem, pois nem emprego mais conseguem. As pessoas não têm nem mais o direito de serem exploradas. Antes se falava da opressão, hoje se fala da exclusão, que é a pior das opressões.

Quem inventou a globalização e com que interesses?

Os países do 1° Mundo inventaram a globalização. Primeiro foi na Europa - Inglaterra, depois nos EUA e aí ela tomou força. Autor principal: FMI (organismo que representa os países ricos do planeta). Este modelo foi imposto aos países periféricos, endividados e de economias dependentes. Imposição para resolver a crise de produtividade do trabalho e de crescimento dos países ricos. A globalização é boa para eles; é, na verdade, uma nova palavra para explicar o que antes se chamava de imperialismo.

2. Que é que o Senhor requer de ti, conforme Dt 10.12-22?

A ordem neoliberal globalizada:

Vejamos o que o sistema capitalista em sua fase neoliberal diz e quer:

Competitividade. Concorrência. Esperteza para aproveitar as oportunidades. Competência. Eficiência. Criatividade. Conhecimento. Alta produtividade e baixos custos. Os mais fortes, ágeis e capazes vencem. Fusão das megacorporações, para que os fortes sejam mais fortes. Desmonte do aparato estatal que protege os direitos sociais e trabalhistas para enfraquecer os empobrecidos e gerar mais lucro. Liberdade para capitais e mercadorias e restrição à liberdade de mobilização das pessoas para irem a outros países, especialmente ao 1° Mundo. Derrubada dos muros (das fronteiras) para capitais e mercadorias e construção de muros (leis que impedem o ingresso de empobrecidos nos países ricos) para as pessoas empobrecidas do 3° Mundo.

A ordem de Deus:

Vejamos a ordem de Deus conforme o nosso texto:

12 - Que andes em todos os caminhos de Deus; temas, ames e sirvas ao Senhor de todo o teu coração e de toda a tua alma.
13 - Guarda os mandamentos e os estatutos do Senhor. 16 - Circuncidai o coração e não endureçais a vossa cerviz.
19 - Amai o estrangeiro.
20 - Temerás e servirás ao Senhor, a ele te chegarás e pelo seu nome jurarás.

A confissão de fé do povo:

Vejamos como o povo confessa a sua fé neste Deus e ali desco¬briremos também a sua proposta:

14 - Os céus e a terra e tudo o que neles há são do Senhor.
15 - Deus escolheu, para amar, o povo de Israel.
17 - O Senhor é o Deus dos deuses, o Senhor dos senhores; Deus grande poderoso, que não faz acepção de pessoas nem aceita suborno.
18 - O Senhor faz justiça ao órfão, à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes.
2 l Ele é o teu louvor e o teu Deus.
22 - Deus abençoou a Israel com muita gente.

3. Que é que o Senhor requer de ti para pregar?

Na pregação, podemos facilmente comparar a ordem do sistema capitalista neoliberal globalizado com a ordem de Deus e a confissão de fé do povo, contidos no texto bíblico; explorar os conteúdos da ordem de Deus e a confissão de fé do povo, relacionados com a ordem neoliberal. Nesta comparação, descobriremos propostas opostas.

O v. 13 pede para que guardemos os mandamentos e estatutos de Deus e não as leis do mercado. Na verdade, o texto contém o grande mandamento de Jesus Cristo: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo (Lc 10.27).

O amor ao próximo está contido no amor ao estrangeiro (v. 19) e no fato de Deus fazer justiça ao órfão, à viúva e amar o estrangeiro (v. 18), o que por tabela quer dizer que as pessoas também devem fazer isso. O próximo é o fraco, o marginalizado, o excluído e o desprotegido pelas leis. O texto deixa claro a ordem de amar o enfraquecido e o que não tem a proteção das leis (viúva, órfão e estrangeiro).

O texto mostra que, acima de tudo e em primeiro lugar, vêm o amor a Deus e a obediência a ele. Deus é o Senhor dos senhores, e não as leis do mercado - não esquecendo que as leis do mercado são feitas por pessoas. As leis do mercado fazem acepção de pessoas e aceitam suborno; Deus não! As leis do mercado estão aí para favorecer os fortes, e Deus está aí para favorecer, amar e proteger o estran-geiro, a viúva e o órfão, que são os enfraquecidos e desprotegidos do sistema.

Há aqui uma oposição clara entre a ordem do mercado e a ordem de Deus. Quando se fala em economia de livre mercado, se quer dizer exatamente isto. O mercado é livre; o que não pressupõe automaticamente que as pessoas também o sejam. Livre mercado significa liberdade de circulação de mercadorias e capitais. A exigência de liberdade para o mercado não quer dizer: liberdade para as pes-soas. Não confunda!

Numa entrevista na rádio, alguém comentou que não daria para reivindicar o aumento do preço do leite para os agricultores, pois o preço era determinado pelo mercado. Assim as leis do mercado parecem imutáveis e fora de nosso alcance. Só que ele esqueceu de dizer que quem manda no mercado do leite são três grandes empresas. Quem é o mercado? Três empresas, dirigidas por pessoas. Portanto, é possível aumentar o preço do leite para os produtores, pois conseguimos identificar quem é o mercado e as pessoas que mandam nesse mercado. Fala-se do mercado como se fosse algo abstrato, inatingível, imutável, santo e divino. É a idolatra do mercado. O mercado virou deus.

O texto diz que as pessoas devem temer, amar e servir a Deus, o Senhor dos senhores e, conseqüentemente, não ao mercado. O mercado é composto e dirigido por pessoas; e as pessoas devem obediência a Deus, o Senhor dos senhores. No fundo está em discussão aqui o primeiro mandamento.

Que Deus nós pregamos? Este que se fez carne em Jesus Cristo. É bom lembrar isto, pois estamos nos aproximando do período do Advento. Culto se rende a Deus Pai, Filho e Espírito Santo e não ao mercado. Divino e santo é Deus Pai, Filho e Espírito Santo e não o mercado. Nós obedecemos às leis de Deus e não às leis do mercado. Por quê? Porque as leis de Deus protegem as pessoas, especialmente os mais fracos, e as leis do mercado protegem apenas o capital e os que o controlam e o possuem. O Senhor faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes, o mercado faz justiça ao capital, possibilitando a sua multiplicação pela simples multiplicação e não dá pão e vestes aos empobrecidos pelo sistema. Gostaria aqui de citar uma palavra de Maurício Botelho, presidente da Embraer: Não temos nenhum interesse especial pela aviação, nosso objetivo é o lucro (revista Reportagem, n° 6, janeiro de 2000, pág. 10). Assim as empresas capitalistas não estão muito preocupa¬das com os seus produtos, apenas com o seu lucro. Deus tem um relacionamento íntimo com as pessoas e não com o mercado. Deus se interessa pelas pessoas e não pelo lucro que elas geram e se geram ou não lucro. Para ele valem as pessoas e não o valor que elas têm no mercado. Deus se fez carne em Jesus Cristo por causa das pessoas e não por causa do capital.

4. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados: Confessamos, Senhor, que pedimos muito e agradecemos pouco por tudo que diariamente recebemos de ti. Confessamos, Senhor, que ficamos indiferentes diante dos problemas e dificuldades de nossos semelhantes. Confessamos, Senhor, que nos faltam sempre de novo a humildade e paciência, principalmente em relação a pessoas idosas, fracas e enfermas. Confessamos que sempre de novo caímos na tentação de seguir o projeto do deus capital, que procura se viabilizar na economia de mercado.

Versículo de entrada: Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto (Jo 12.24).

Kyrie: Pela grande angústia e desespero que o desemprego está causando em nosso país. Pelo sucateamento do sistema de saúde que deixa o povo sem assistência e desamparado em sua doença e sofrimento.

Glória: Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos pela saúde que temos, não apenas a nossa, mas de toda a nossa família. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos pelo pão de cada dia de que podemos desfrutar em nossa família. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos pelos amigos e amigas que nos amparam e apoiam em todos os momentos. Deus, Todo-Poderoso, te exaltamos por poder estar juntos e desfrutar de tua palavra.

Oração de coleta: Estejas entre nós, Senhor, para que a nossa mente esteja aberta para a Palavra que iremos ouvir agora. Que teu Santo Espírito esteja entre nós e nos fortaleça para que possamos viver esta palavra no dia-a-dia de nossa vida. Que esta palavra nos anime a proclamar o teu reino. Amém.

Intercessões gerais da Igreja: Senhor, intercedemos pelos dirigentes tanto do município como do Estado e do país para que tenham a tua sabedoria em suas decisões e para que trabalhem pelo bem de todo o povo e não somente para um pequeno grupo. Oramos, Senhor, pelos jovens para que não caiam nas tentações e ilusões que as drogas oferecem. Dá a nós, pais e mães, a sabedoria para que não sejamos nós que tragamos as drogas mais pesadas para os nossos filhos através do nosso consumo de bebidas alcoólicas e fumo. Oramos, Senhor, pelos casais para que possam fortalecer o seu amor e fidelidade constantemente. Oramos, Senhor, para que nós possamos trazer alento para as pessoas que estão enlutadas, doentes, desempregadas, sem esperança. Amém.

Bibliografia

Boletim Quinzena n° 273. CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. São Paulo, 1999.
COLUNGA, Alberto. Pentateuco. 3. ed. Madrid : Católica, 1968. (Bíblia comentada, 1).


Autor(a): Günter Adolf Wolff
Âmbito: IECLB
Testamento: Antigo / Livro: Deuteronômio / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 22
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000 / Volume: 26
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17616
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