Deuteronômio 6.4-9

Prédica

24/06/1984

Lançamento da Pedra Fundamental

Templo na Ilha do Governador – Rio de Janeiro

24 de junho de 1984

Texto: Dt 6.4-9

Prezada Comunidade, caros irmãos e caras irmãs em Cristo aqui presentes!

Quem aqui dos presentes nasceu no Rio de Janeiro?

Como podem ver, a maioria provém de outros Estados do país ou, quem sabe, do estrangeiro. Se nós fizermos este teste em outros lugares, nós vamos evidentemente obter um resultado semelhante a este que tivemos aqui.

Sem sombra de dúvidas, o que movimenta mais este país enorme, o que mobiliza mesmo em termos de fluxo de pessoas são as migrações. Milhares e milhares de pessoas saiem anualmente da sua terra natal e seguem rumos dos mais diversos. Ou do norte para o sul na direção do RJ ou de SP ou outras grandes metrópoles. Ou do sul para o norte para novas áreas de colonização. Ou simplesmente da área rural para a cidade mais próxima.

As razões que levam as pessoas a migrarem são diversas. Desde fatores climáticos até problemas sociais e econômicos. No fundo no fundo: a sobrevivência, melhores condições para viver a vida pessoal e familiar.

O texto que acabamos de ouvir fala também de um povo de migrantes: o povo de Israel. Organizado por Moisés, foi libertado da escravidão do Egito. A situação sócio-político-econômico-cultural em que vivia no Egito - a escravidão - era motivo mais do que justo de sair e procurar um outro lugar e recomeçar tudo.

Em função deste reinício que Moisés se dirige a seu povo, dizendo: “Ouve, ó Israel “Agora, qual o recado? Ouvir o que?

Um recado breve. Aliás, todo recado precisa ser curto e certeiro. Mesmo sendo breve precisava surtir efeito. Um recado que tivesse força porque um reinício na nova terra exigia uma mudança radical em termos de comportamento e organização do povo. Tudo porque o povo de Israel não poderia reproduzir o sistema de vida do Egito. A escravidão e tudo o que ela representou em termos de sofrimento precisava ser algo do passado.

Um novo pacto social se fazia necessário. Um novo arranjo na organização do povo precisava ser regulamentado. Assim, o que vemos no texto de hoje e nos capítulos que o antecedem e nos capítulos que o sucedem representa nada mais, nada menos, do que a legislação que precisava nortear o povo. A legislação que não mais repetisse o passado de escravidão. “Estes pois... “ v.1-3

“Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.” Essa profissão de fé é o cabeçalho da legislação. Mesmo sendo uma profissão de fé, ela soa tão diferente de nossas constituições e regulamentações. Não coloca no começo que todos são iguais perante a lei. Antes coloca em primeiro lugar a Deus. Por que? Porque para este povo este Deus não é um Deus qualquer. Ele é o Deus libertador. E isso Moisés não se cansa de dizer ao povo.

Ao longo do Deuteronômio e outras passagens do AT seguidamente temos o lembrete: Este Deus é o Deus que te tirou da terra da escravidão. Deus libertador, Deus dos hebreus, o que quer dizer, Deus dos escravos. Esse nome e a sua ação que é lembrada, que se impõe. Sem Ele o povo não estaria liberto. Somente Ele pode dar e garantir a unidade deste povo. Todos sabemos que todo começo é difícil sem unidade.
Cara comunidade, caros irmãos e caras irmãs em Cristo!
Hoje estamos lançando a Pedra Fundamental do templo do núcleo comunitário da Ilha do Governador. Como grupo de famílias vindas de diferentes lugares ou então dispersas na metrópole, estamos concretizando hoje um anseio muito ardente. Estamos deixando um marco de uma caminhada que não foi muito fácil.
Uma resposta de anos de pregação. Pregação que conseguiu despertar o interesse pela criação e desenvolvimento de comunidade; intenção de vivenciar vida comunitária.

Agora, comum-unidade, que é isso?

Comum-unidade expressa que um grupo possui alguma coisa em comum, algo que o unifique. O que possibilita a unidade? Os costumes? A tradição? A identidade étnico-cultural?

Se ainda forem estes os elementos, estes os fatores de unidade, então estaremos longe daquilo que fala o nosso texto. Estaremos longe deste Deus que acabamos de falar, pois este Deus – o Deus libertador – não se conforma com o passado e olha para frente, para o novo. Estes fatores (costumes, tradição, identidade étnica) não que sejam prescindíveis, mas não são decisivos. Antes representam o passado porque discriminam, limitam, levantam barreiras e impedem que as relações de fraternidade se efetivem.

Por isso, como comunidade em processo de organização, o recado do texto é claro: O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Ele está acima de tudo e acima de todos. Sendo Ele o único Senhor tem a conseqüência de que perante Ele somos todos iguais. Ninguém pode assenhorear-se de nós. Ninguém poderá fazer de nós propriedade a não ser Ele.

Esta profissão de fé causa uma reviravolta completa em nós, em nossa maneira de pensar e agir. Liberta-nos e questiona-nos ao mesmo tempo. Nosso agir diário e todas as relações entre os homens são atingidos. Professar: ”O Senhor nosso Deus é o único Senhor”, liberta-nos – quando descobrimos que ninguém pode ou tem o direito de nos usar e possuir; questiona-nos quando nos desafia a não fazer dos outros objetos de uso.

Estas duas dimensões são decisivas para a constituição de comunidade. Uma comunidade não se iguala a qualquer grupo de amizade, um clube ou associação. Membros duma comunidade não deixam de ser amigos, mas tem uma característica que transcende os interesses do próprio grupo. Sabem-se unidos por Deus, por sua Palavra como resposta a seu amor.

Essa resposta que o texto conclama:

“Amarás, pois, .... “ Amamos não por causa de qualidades especiais, mas sim pelo fato de Ele nos amar primeiro. E o que é mais importante: O amor a Deus a partir disso não se esgota no cumprimento das exigências exteriores do culto. Não se trata somente de preencher os requisitos mínimos de uma participação comunitária, o preenchimento das formalidades. No caso, ser membro inscrito, contribuir, vir aos cultos, estar em dia com sacramentos. O amor a Deus passa por essas formalidades, mas é mais amplo, mais profundo.

“Amarás, pois, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua força.” O amor a Deus implica na parte mais íntima – o coração, ou seja, os anseios, as vontades,, os desejos mais pessoais, mais profundos; alma, (vida), como o mais importante da vida, fora d’Ele não há nada igual; forças, com todas as energias possíveis, com todo o desprendimento imaginável.

Tudo isso é tão categórico que necessariamente perpassa todos os âmbitos da vida ao ponto de o texto continuar dizendo: v. 6.7.8.9

A ênfase é tão grande que parece até uma chateação. Mas a intenção nesta série de recomendações é indicar aos filhos e às gerações seguintes a necessidade de não desapegar do Deus libertador. A educação dos filhos procura repetir com insistência justamente o essencial: “Amarás o Senhor teu Deus.” Por que essa insistência?

Para Moisés e para a Palavra de Deus a questão é clara: a libertação estará ameaçada quando for esquecido o principal. Se Deus não for o único Senhor, as pessoas vão novamente reproduzir as relações de dominação e de opressão. Não tratarão os demais com fraternidade.

Por isso Jesus Cristo, quando perguntado acerca do maior mandamento, cita justamente este texto do AT. “Amarás,....” e acrescenta: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo.” Podemos amar ao próximo com intensidade, reconhecendo a necessidade de receber o amor de Deus. Essa resposta na fé constitui o amor. De outro lado, não podemos amar a Seus sem passar pelo amor ao próximo. Isso acabamos de ouvir da leitura de João.

Assim, como comunidade cristã, estamos aqui reunidos para corresponder a este amor a Deus e ao próximo. Construímos um templo para nós e para os nossos filhos na intenção de sempre colocar este Deus libertador como único Senhor. É meu desejo ardente que essa comunidade, formada por errantes, migrantes, pelos isolados e perdidos, pelos sem grupo, torne-se efetivamente um sinal nesta Ilha do Governador. Que consiga transformar a comunidade num espaço de liberdade e fraternidade, escrevendo bem grande “O SENHOR NOSSO DEUS É O ÚNICO SENHOR.”Amém.


 


Autor(a): Rolf Schünemann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Norte (RJ)
Testamento: Antigo / Livro: Deuteronômio / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 9
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 32372
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