Ecumenismo e diálogo inter-religioso - 2005

10/10/2005

“Não intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu próximo.” (Zacarias 7.10)

Nas últimas semanas temos recebido grande número de manifestações de protesto, que também têm circulado abundantemente pela internet, em torno de dois assuntos:

1 – uma pretensa celebração inter-religiosa, através de pastores da IECLB e de babalorixás, no II Encontro Regional de Quilombolas, em São Lourenço do Sul / RS, em 17/09/2005;

2 – a participação do Pastor Dr. Milton Schwantes, no dia 5/10/2005, em Aparecida / SP, em evento da novena católica antecedente ao Dia Nacional de Nossa Senhora Aparecida.

As manifestações estavam apoiadas, em ambos os casos, em notícia de jornal. Antes de emitir juízos em assuntos tão delicados, a Presidência, como deve ser, buscou junto às pessoas implicadas e/ou participantes, e principalmente junto aos respectivos sínodos, informações mais detalhadas acerca das circunstâncias e dos objetivos desses eventos ou participações. Posso informar o seguinte:

1 – O CAPA, com recursos da Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA), através da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), desenvolve em âmbito do Sínodo Sul-Rio-Grandense um projeto de apoio a quilombolas (remanescentes de comunidades de escravos fugidos da escravidão), incluindo o resgate cultural de suas comunidades. Em 19 de setembro o CAPA promoveu o II Encontro Regional de Quilombolas, que reuniu 1300 quilombolas, com a participação de significativo número de organismos que trabalham com comunidades afrodescendentes. Estiveram presentes também diversas autoridades públicas. Transmitiram sua mensagem, na ocasião, o Pastor Sílvio Schneider, pela FLD, o Pastor Sinodal Jorge Signorini e o Pastor Itto Ströher, em forma de pregação bíblica. Também fez uso da palavra um babalorixá, que discorreu acerca do resgate cultural e religioso da comunidade afro. Presente ao Encontro também estavam os integrantes da delegação oficial da Igreja Evangélica Luterana na Baviera, parceira da IECLB, delegação que nos dias subsequentes esteve reunida com a Direção da IECLB na consulta bianual entre as duas igrejas. Naquele momento a Presidência da IECLB não recebeu nenhuma manifestação de desconforto ou desaprovação quanto à participação de obreiros da IECLB no evento. Ao contrário, recolheu apenas reconhecimento pelo bom testemunho e pela importância do trabalho desenvolvido. Os questionamentos vieram apenas a partir da nota de quatro linhas publicada pelo Correio do Povo, em sua edição de 20/09/2005, mencionando ter havido, além de palestra sobre políticas públicas e apresentações de arte afro-brasileira, um “painel místico com pastores luteranos e babalorixás”. O uso da expressão “painel místico”, pelo correspondente, é neste caso, inapropriado para o que efetivamente ocorreu.

2 – Como é sabido, o Santuário de Aparecida recebe grande número de devotos da Virgem Maria no dia 12 de outubro, feriado nacional a ela dedicado. Neste ano, a novena (nove dias de celebrações) que antecede àquela data incluiu, no terceiro dia, uma celebração dedicada ao ecumenismo. Pastores de várias denominações foram convidados e participaram. O Pastor Dr. Milton Schwantes, da IECLB, foi convidado para fazer a reflexão bíblica. O forte compromisso ecumênico do Pastor Milton Schwantes é notório, como também o é o reconhecimento de que goza entre igrejas-irmãs. Em decisão pessoal, ele aceitou o convite e pregou sobre Romanos 12. Naturalmente, o contexto de Aparecida e da devoção Mariana pode suscitar agudas controvérsias e, mesmo, acarretar situações imprevistas e constrangedoras. Mas o Pastor Milton Schwantes de forma alguma “comandou as orações”, como anunciou a Folha da Região, de Araçatuba / SP, em sua edição on-line, de 28/07/2005, edição muito anterior ao evento.

Gostaria ainda de acrescentar três observações:

1 – As informações acima não pretendem dar por concluído o diálogo em torno dos assuntos mencionados. Ao contrário, eles revelam uma vez mais o que sentimos e constatamos: com o crescente pluralismo religioso em nosso país, a cooperação ecumênica e o diálogo inter-religioso, embora indispensáveis, têm se tornado cada vez mais complexos e controvertidos. De um lado, como IECLB, temos um claro compromisso ecumênico que deriva de nossa própria confessionalidade luterana. De forma alguma podemos abdicar desse compromisso pelas dificuldades que lhe são inerentes. Naturalmente, ele deve ser regido pelo Evangelho como contido na Escritura e interpretado em nossas confissões, e ser desenvolvido a partir de nossa identidade luterana e sempre em abertura e respeito para com o diferente. De outro lado, quem se engaja nesse diálogo (e todos/as deveriam fazê-lo), em particular quando obreiro ou obreira da IECLB, deverá esmerar-se, ademais, na necessária sensibilidade pastoral, consciente de que suas palavras, seus gestos e suas ações serão vistos como representativos de sua Igreja. Essas questões deverão ser tidas em conta quando aceitamos convites ou deles declinamos. Analogamente, isso também deve ser levado em conta quando convidamos representantes de outras igrejas, denominações, organismos ecumênicos e interdenominacionais para eventos no interior da IECLB, o que ocorre com não pouca frequência. Também aí podemos ser enriquecidos pela experiência ecumênica, mas igualmente confundidos por influências conflitantes com nossa confessionalidade.

2 – A IECLB carece de orientações e diretrizes mais detalhadas para a cooperação ecumênica e o diálogo inter-religioso. Isso abrange desde sua fundamentação bíblico-teológica e confessional até questões práticas de como proceder em situações específicas. Polêmicas internas desgastantes e desorientação entre os membros podem resultar quando cada qual acaba estabelecendo seus próprios parâmetros para a atuação no âmbito ecumênico. Naturalmente, essas orientações e diretrizes da Igreja não poderão ser determinações rígidas nem ser estabelecidas por uma espécie de “decreto”, mas deverão ser fruto de um processo de reflexão, diálogo e deliberação no interior da Igreja. O Grupo Assessor de Ecumenismo tem trabalhado já há algum tempo nessa direção, em particular no que tange ao diálogo inter-religioso, área para a qual somos especialmente carentes de orientações. Espero que num futuro não muito distante possamos ter um documento para partilhar. Mas já agora quem quiser dar sua contribuição nesse sentido, poderá encaminhá-la à Presidência. Vale lembrar que também os sínodos têm responsabilidade e competência para orientar e coordenar as relações ecumênicas e inter-religiosas em seu âmbito.

3 – Por último, não posso deixar de externar minha preocupação acerca da forma como seguidamente têm sido abordados ou levados adiante assuntos controvertidos no interior da Igreja. A Igreja é edificada quando diferentes opiniões se expressam em assuntos importantes. O debate teológico é salutar. Do diálogo poderá surgir o amadurecimento. Também desacordos devem poder ser expressos com franqueza. Mesmo protestos têm seu devido lugar. Mas não podemos aceitar como saudável ou responsável quando, fazendo uso da agilidade característica da internet, se estabelecem amplas redes de protesto, acusações e insinuações, simplesmente a partir de uma breve notícia de jornal, sem que tenha havido qualquer intento de se informar previamente com as pessoas porventura envolvidas e com as devidas instâncias da Igreja quanto ao que de fato tenha ocorrido, em que circunstâncias e por quê. Das numerosas manifestações que recebi, muitas eram simplesmente repassadas e repetidas, por vezes incluindo uma única frase introdutória, altamente crítica ou exigindo medidas disciplinares extremas, sem que tenha havido qualquer preocupação prévia em obter informações complementares ou confirmação dos fatos. Uma única mensagem (honrosa exceção!), em um dos casos, externou sua legítima preocupação, mas teve o cuidado de auscultar a Presidência quanto ao ocorrido. Nossas diferenças, por mais profundas que sejam, devem ser abordadas sobre o chão da verdade, com respeito mútuo e à base do amor. Entre tantos outros assuntos, necessitamos refletir com seriedade também sobre a ética no uso da internet. Também quando estamos na internet têm validade o evangelho e os mandamentos de Deus.

Ao compartilhar as informações e observações contidas nesta carta, não me excluo, mas me sinto incluído entre aquelas pessoas que têm necessidade de aprender constantemente de como lidar com esses assuntos tão importantes para a vida da Igreja.

Despeço-me com a senha do Novo Testamento para o domingo de ontem:

“Acima de tudo esteja o amor, que é o vínculo da perfeição.” (Colossenses 3.14)

Na paz de Cristo,

Fraternalmente,

Walter Altmann
Pastor Presidente
 

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