Efésios 3.14-21

Auxílio Homilético

21/09/1980

Prédica: Efésios 3.14-21
Autor: Ricardo Nör
Data Litúrgica: 16º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 21/09/1980
Proclamar Libertação - Volume: V


I — Texto e contexto

V.14: Por isso dobro os meus joelhos perante o Pai,

V. 15: de quem recebe o nome cada família nos céus e sobre a terra,

V.16: para que vos conceda, segundo a riqueza de sua glória, que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito, no homem interior,

V.17: (e) habite Cristo, pela fé, nos vossos corações, em amor firmados e consolidados,

V.18: para que possais compreender, com todos os santos, qual a largura, comprimento, altura e profundidade,

V.19: e chegar a conhecer o amor de Cristo que excede (todo) o entendimento, a fim de que sejais preenchidos em toda a plenitude de Deus.

V.20: Ao que tem poder para fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, segundo o poder que é atuante em nós,

V.21: a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações e para te rio o sempre. Amém.

No v. 14 o autor retoma a expressão por isso (por esta causa, conforme a tradução de Almeida) do v.1, para dar continuidade aos pensamentos lá iniciados e que foram interrompidos pelos vv.2-

13. Assim, esta expressão inicial relaciona-se com a perícope imediatamente anterior (2.11-22), cujo tema é a unidade dos gentios e judeus num só corpo, a igreja, por meio da cruz de Cristo (v. 16). O por isso engloba também a perícope 3.2-13, que fala do mistério (v.3), ou seja, da unidade dos gentios e judeus (v.6).

Esta é a linha de pensamento na qual se origina a nossa oração*de intercessão. Ef, como um todo, pode ser considerado um escrito ecumênico: refere-se aos judeus e gentios, isto é, a todos os que compõem a igreja. O autor tem por objetivo a unidade dos cristãos.

II - Observações em torno do texto

Os vv. 14 a 19 formam uma só sentença! Para uma melhor compreensão do conjunto, vamos dividi-lo em partes:

a) Por isso dobro os meus joelhos perante o Pai, de quem recebe o nome cada família nos céus e sobre a terra

b) para que vos conceda, segundo a riqueza de sua glória

c) 1. que sejais fortalecidos com poder - e habite Cristo

2. mediante o seu Espírito - pela fé

3. no homem interior - nos vossos corações

d) em amor firmados e consolidados

e) para que possais compreender, com todos os santos

f) qual a largura, comprimento, altura e profundidade

g) e chegar a conhecer

h) o amor de Cristo

i) que excede todo o entendimento

j) a fim de que sejais preenchidos em toda a plenitude de Deus.

k) versículos 20 e seguinte.

No início encontra-se a introdução da intercessão. O destinatário é o Pai de todos, sendo que o pedido se fundamenta em suas possibilidades, naquilo que Ele pode dar segundo a riqueza de sua glória.

Na primeira parte da oração vv.16b e 17, localizam-se inicialmente três expressões paralelas complementares, arranjadas conforme a parte c). Em c) 1., o pedido para que Cristo habitenos cristãos, expressa o desejo de que eles sejam fortalecidos com poder. Na sequência normal do texto, v.17, o habitar de Cristo está diretamente vinculado com a fé. Mas o recurso da fé é, sempre, doação do Espírito. O relacionamento com Deus e o consequente fortalecimento acontece através deste que é o poder atuante de Deus. Fé não é obra humana. Ela vem de fora, vem de Deus. Ela é obra divina em nós (Lutero). Na correspondência entre fé e Espírito em c) 2., procura-se evidenciar este aspecto fundamental. Já o início da oração, ao fazer referência ao gesto de ajoelhar-se, reflete a atitude de sujeição e dependência motivada pelo reconhecimento da soberania de Deus.

Em c) 3., o coração designa o centro do homem interior É no coração que se originam as decisões e a vontade (veja 2Co 9.7), também os pensamentos (Lc 1.51) e mesmo os sentimentos (Jo 16.22). Em uma palavra, o coração é o eu do homem (Bultmann); e o homem interior é este eu voltado para Deus (Rm 7.22). Trata-se, portanto, do homem em sua totalidade, com todo o seu ser.

A concretização dos aspectos descritos em c) se dá no amor, d), que se volta em favor do próximo necessitado.

Um segundo bloco temático acha-se nos vv.18 e 19a: o fortalecimento dos cristãos tem por alvo que todos venham a conhecer a largura, comprimento, altura e profundidade, ou ainda, o amor de Cristo. Qual é o tema em questão? Tudo indica que esta fórmula, ao descrever as quatro direções, faz referência à cruz de Cristo. A cruz, com as suas quatro extremidades, aponta para todas as direções cardeais expressando, assim, o seu alcance universal. Sim, é na cruz que se revela, em toda a sua extensão, o amor de Cristo! Assim como a cruz, manifestação do amor de Deus, está fincada na terra, também aos cristãos é pedido que estejam firmados e consolidados concretamente neste amor.

Neste contexto é acentuado o conhecimento do amor de Cristo na cruz. Por ser conhecimento da cruz, não se trata de uma assimilação teórica em bases meramente intelectuais. O simples conhecimento racional é relativizado com a afirmação de que o amor de Cristo excede todo o entendimento. Aqui transparece um pensamento tipicamente paulino, apresentado em 1Co 1.18ss: a sabedoria de Deus na cruz é loucura para os sábios.

A oração de intercessão desemboca em 19b: quando se chega a conhecer o amor de Cristo crucificado, se é preenchido em toda a plenitude de Deus. O máximo concedido por Deus ao homem interior é que Cristo habite nele, pela fé, mediante o seu Espírito. A expressão final retoma as afirmações anteriores e as resume.

A parte final da oração, vv.20s, contém uma doxologia de caráter litúrgico, dedicada ao louvor e à adoração a Deus (Rm 16.26ss)

III - Meditação

O pedido da oração é que cheguemos a conhecer o amor de Cristo na cruz. O que importa saber é a mensagem da cruz.

1. Na cruz vemos alguém que termina os seus dias em meio a miséria e fraqueza. Não apenas os seus seguidores mais íntimos c deixam; ele também se sente desamparado pelo próprio Deus: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?.

Uma análise lógica, dentro de critérios humanos, conclui tratar-se necessariamente de um escândalo, de um absurdo insustentável. Mas, contra todas as evidências, o crucificado entrega-se a Deus. Mesmo desconhecendo o seu fim, Jesus morre na confiança de que o seu Deus não é idêntico a um destino cego e impessoal. Para ele, o que vai acontecer depois da cruz fica por conta de Deus.

2. E o surpreendente acontece! A mensagem da Páscoa atesta que Deus estava junto com este homem que morre de uma forma trágica. É na cruz, na situação humana mais escura, que chegamos a reconhecer Deus. É aqui que Deus quer mostrar como ele age conosco. Lutero afirma que ele se esconde na forma contrária à nossa razão: o seu poder e majestade estão encobertos no sofrimento e na humildade. Deus entra na nossa existência, marcada por fracassos e injustiças, e revela aí o seu amor.

O que acontece na cruz mostra que não somos nós que alcançamos a Deus com o nosso esforço racional e moral. É Deus que vem a nós. É ele quem assume a nossa situação em sua profundidade e com as suas consequências. Na cruz acontece tudo o que precisa acontecer para que se estabeleça o relacionamento entre Deus e nós.

3. Diante de Deus, que se apresenta desta maneira, em nosso favor, o que resta fazer? Aqui só é possível ainda a atitude daquele que desiste de reivindicar, ou mesmo de oferecer qualquer coisa. Diante da cruz, o único posicionamento adequado é o de estar de joelhos e reconhecer nossa fragilidade, nossa nulidade. Não passamos mesmo de mendigos (Lutero).

A cruz é o ponto crítico da vida. Cruz é crise. Ë o lugar de ruptura de toda e qualquer auto-afirmação. A experiência da cruz e uma experiência existencial: a de sentir-se na estaca-zero, onde não se conta mais com nada de nosso para garantir a vida.

Mas chegar ao fim das possibilidades humanas significa, ao mesmo tempo, estar colocado num ponto de partida novo' Cruz como crise significa, também, passar a contar com aquilo que Deus dá. Só quem se sente amassado, quem se sente vazio, pode ser fortalecido, pode ser preenchido da plenitude de Deus.

4. A oração intercede em favor dos cristãos: que encontre¬mos, mesmo sendo diferentes uns dos outros (judeus e gentios), a nossa unidade na cruz de Cristo.

A Mensagem às Comunidades Eclesiais, divulgada por ocasião de Pentecostes (1979), pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, em uma de suas partes afirma: Cristo será sempre o nosso ponto de convergência. O apóstolo Paulo, ao escrever para os cristãos divididos de Corinto, relembra o conteúdo da sua pregação entre eles: Decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este crucificado (1Co 2.2).

Na cruz chegamos a conhecer a Cristo, o que ele significa para nós e qual a atitude possível diante dele. Em torno da cruz, apesar das nossas diferentes características e peculiaridades, so-mos todos iguais: judeus e gentios, luteranos e católicos, presbiterianos e episcopais. Somos iguais, porque é no confronto com a cruz que conhecemos a nossa verdadeira situação em relação a Deus e aos outros. Aqui é preciso deixar de lado os nossos trunfos. A ortodoxia de cada um, a sua identidade, a sua história, a sua religiosidade, as suas realizações, diante da cruz passam a valer o mesmo que nada.

É na cruz, e em nenhuma outra coisa, que precisamos nos agarrar. E quanto mais agarrados estivermos nela, mais perto estaremos uns dos outros. Na cruz vai tornar-se realidade o pedido de Cristo para que todos sejam um.

Na cruz reconhecemos também que não somos nós que vamos conseguir a unidade dos cristãos separados. A nossa comunhão será ação de Deus mesmo. Sem a intervenção do Espírito Criador não vai acontecer nada entre nós. É preciso deixar que o sopro da vida penetre em nós e nos encha de toda a sua plenitude. É preciso dar espaço para que Deus realize o que para nós é impossível: a comunhão dos cristãos, a unidade do corpo de Cristo.

A unidade cristã não é um fim em si mesma. Ela apenas ganha sentido no testemunho e no serviço em favor do próximo. A manifestação da unidade da Igreja vai se mostrar, de fato, não em solenidades ecuménicas públicas, e sim em gestos simples e concretos de amor no meio das injustiças e distorções existentes. Na cruz, os cristãos vão encontrar as forças para isso.

IV - Indicações para a prédica

Como motivação inicial, pode-se discorrer sobre os diferentes significados que a cruz recebe entre as pessoas: símbolo que desperta um sentimento de piedade, objeto de moda usado como adorno, amuleto protetor que dá segurança. Procurar descobrir o que representa a cruz para os ouvintes (se possível, estabelecer um diálogo).

A seguir, introduzir os ouvintes à leitura do texto, apontando para o conteúdo da oração: pedido para que os cristãos sejam fortalecidos por Deus e venham a conhecer o seu amor na cruz de Cristo.

Após a leitura, uma possibilidade para o desenvolvimento da prédica está em seguir os passos percorridos na meditação: o evento da cruz, o nosso posicionamento diante dela, as consequên-cias deste posicionamento para a unidade dos cristãos, as concretizações da unidade no testemunho e serviço. Aqui cada pregador precisa articular a mensagem dentro da realidade em que se encontra.

Seja como for, a pregação do amor de Deus vai atingir o seu objetivo quando for estabelecido o confronto da comunidade com aquilo que a cruz significa: crise, rompimento das nossas condições (e também das igrejas) em ficar de pé diante do Senhor crucificado. Cada um de nós procura salvar a vida com as armas de que dispõe, e a pregação precisa apontar claramente para o fato de que na cruz terminam as nossas possibilidades e começam as de Deus: é num homem fraco e indefeso que Deus manifesta a sua força.

A pregação poderá concluir com o levantamento de desafios e estímulos para a unidade cristã em âmbito local: quais as dificuldades existentes, quais as possibilidades para um testemunho e serviço em comum.

V - Bibliografia

- CONZELMANN, H. Der Brief an die Epheser. 16a ed., Göttingen, 1971.
- SCHLIER, H. Der Brief an die Epheser. Düsseldorf, 1957.

Sugestões para leitura complementar:

- THIELICKE, H. Informações sobre a fé. São Leopoldo, 1975. (a carta no 8)
- BRANDT, H O Risco do Espírito. São Leopoldo, 1977. (Cap. Ill , especialmente os parágrafos 5 e 6)


 


Autor(a): Ricardo Nör
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 14 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 5
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18290
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