Efésios 3.2-12

Auxílio Homilético

06/01/1997

Prédica: Efésios 3.2-12
Leituras: Isaías 60.1-6 e Mateus 2.1-12
Autor: Martin Volkmann
Data Litúrgica: Epifania de Nosso Senhor
Data da Pregação: 06/01/1997
Proclamar Libertação - Volume: XXII


1. Introdução

A Epifania é a complementação da festa de Natal. Não que o que lembramos no Natal — a encarnação de Deus — estivesse incompleto. Mas no sentido de que esse fato se torne manifesto e conhecido em sua real amplitude. O Natal lembra o fato. A Epifania destaca o seu significado. Isso já é indicado pelo próprio nome da data. Epifania é uma simples transcrição do termo grego que significa manifestação, revelação. Já em seu emprego extrabíblico, no ambiente helenístico, o termo é usado para descrever a intervenção salvadora de uma divindade. Por isso esse termo pôde ser assumido na linguagem bíblica. Na Septuaginta, é empregado para designar a manifestação de Deus (Gn 35.7). No NT, principalmente nas cartas deuteropaulinas, é usado mais com relação à parúsia futura de Cristo (2 Ts 2.8; l Tm 6.14). Mas também a manifestação terrena de Jesus já é epifania, visto que ela trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho (2 Tm 1.10).

Na tradição da Igreja, a Epifania foi associada com a narrativa da visita dos reis magos, conforme o relato de Mt 2.1-12, um dos textos previstos também nesta oportunidade. Assim, essa data passou a ter um enfoque específico em relação ao agir salvífíco de Deus: ele não se limita ao povo da antiga aliança; abarca toda a humanidade. Com isso se cumpre o que, na realidade, já era o propósito de Deus, conforme anunciado pelos profetas, como p. ex. em Is 60.1-6, a leitura do Antigo Testamento. Este também é um dos destaques em Ef 3.2-12.

Assim, a Epifania, como data específica fechando o ciclo do Natal, lembra em especial o que todo o ano da Igreja em seu conjunto significa: a revelação do mistério de Cristo de que nele todos os povos são abarcados na ação salvífíca de Deus.

Quanto às informações sobre o contexto da carta, remeto ao estudo profundo de Günter Wolff contido em Proclamar Libertação, vol. XVI. São igualmente ainda muito válidas as colocações sobre a realidade sócio-político-econômica no início daquele estudo.


2. O Texto

A compreensão deste texto, no original, é dificultada pelo estilo redacional do autor. Os vv. 1-12 são na realidade duas orações enormes, em que um assunto puxa o outro, de sorte que acabam sendo um aglomerado de conceitos. Para facilitar a compreensão, apresento uma tradução própria do texto:

2 Vocês ouviram a respeito da tarefa com relação à graça de Deus que a mim foi confiada com vistas a vocês.

3 Pois, através de uma revelação, foi-me dado a conhecer o mistério, conforme escrevi em resumo acima.

4 Assim, ao lerem, vocês podem tomar conhecimento junto comigo do mistério de Cristo.

5 Este mistério não era conhecido às pessoas das gerações passadas assim como foi revelado agora aos seus santos apóstolos e profetas, em Espírito.

6 O mistério de que os gentios foram incorporados na promessa e se tornaram co-herdeiros e co-participantes da promessa em Cristo Jesus, por intermédio do evangelho.

7 Deste evangelho eu me tornei servo conforme o presente da graça de Deus que me foi dada, segundo a força de seu poder.

8 A mim, ao menor de todos os santos, foi concedida essa graça de anunciar aos gentios a riqueza insondável de Cristo

9 e trazer à luz para todos a economia desse mistério que estava escondido desde a eternidade junto a Deus, o Criador de tudo.

10 Ou seja, que se tornasse conhecida agora aos poderes e domínios em todo o universo, por intermédio da Igreja, essa multiforme sabedoria de Deus.

11 Este propósito Deus estabeleceu desde a eternidade em Cristo Jesus, nosso Senhor.

12 Nele temos a liberdade de acesso na confiança que nos é dada por intermédio da fé nele.

3. Alguns Destaques do Texto

Formalmente o texto está subdividido em duas partes (o que já foi indicado acima na referência às duas orações extensas): a) vv. 2-7 — revelação do mistério de Cristo outorgada a Paulo; b) vv. 8-12 — revelação desse mistério por Paulo. Esta observação é reforçada pela repetição de certos termos, ou melhor, pela contraposição de assuntos ao longo do texto. Por exemplo: mistério (vv. 3-4 e 9); agora (vv. 5 e 10) não conhecido/conhecido (vv. 5 e 9-10); nas gerações passadas aos homens (v. 5) — aos poderes e domínios em todo o universo (v. 10); não conhecido aos homens (v. 5) — escondido desde a eternidade junto a Deus (v. 9); aos seus santos apóstolos e profetas (v. 5) — a mim, o menor de todos os santos (v. 8).

Um dos termos-chave é a expressão mistério, que aparece três vezes nesses versículos (vv. 3, 4, 9), neste último, em conexão com outro termo importante: oikonomia, que também aparece no v. 2 (cf. Ef 1.10; Cl 1.25). No entanto, nestes dois versículos oikonomia não tem o mesmo significado, apesar de os dois significados estarem interligados. Enquanto que no v. 9 oikonomia designa o plano divino da salvação, no v. 2 a expressão destaca mais a realização ou execução desse plano divino, execução esta da qual Paulo foi incumbido, como é destacado por diversas vezes nesses versículos (vv. 2, 7, 8). Mas justamente a combinação desses dois termos no v. 9 — oikonomia tou mysteriou — deixa claro do que se trata em todo o conjunto: a revelação do plano salvífico de Deus. Esse plano é descrito como sendo um mistério, justamente para destacar o seu caráter sui generis: ele é de exclusividade divina, fora do alcance da iniciativa humana. E novamente o texto destaca isso de diversas maneiras: Paulo só teve conhecimento desse mistério por revelação divina (v. 3), assim como também o fora revelado aos apóstolos e profetas, em Espírito (v. 5b); os leitores podem participar desse conhecimento justamente pela leitura deste testemunho (v. 4); às gerações passadas, no entanto, tal mistério era desconhecido (v. 5a).

Em que consiste mais precisamente esse mistério? No fato de que os pagãos, ou seja, todos os demais povos, além do povo escolhido, se tornam co-participantes das promessas de Deus (v. 6). Este fato é destacado, no original, com três palavras compostas com o prefixo syn, que reproduzimos com o prefixo co- (co-herdeiros e co-participantes), ou com o prefixo in (incorporados; no original diz co-corporados). Ou seja, todos os povos se tornaram herdeiros, conjuntamente com o povo da antiga aliança, da salvação oferecida por Deus. A partir de agora, só há mais um povo de Deus: formado por todas as pessoas que se deixam incorporar nessa nova economia do mistério de Deus, independentemente de raça, sexo, origem, nível, etc.

Onde está o ponto de embarque nesse mistério? Qual a chave para abrir esse mistério? Em Cristo Jesus. Isto é destacado novamente em diversos momentos. No v. 4 é dito expressamente que esse mistério é o mistério de Cristo, ou seja, o mistério que está intimamente vinculado à pessoa de Cristo. No v. 6, em conexão com os três termos compostos, é destacado que essa participação se dá em Cristo Jesus, ou seja, por intermédio dele. No mesmo versículo, logo a seguir, essa participação é atualizada para os leitores pelo acréscimo de por intermédio do evangelho, ou seja, pelo anúncio desse evangelho (veja também, no v. 4, ao lerem). No v. 8 esse mistério é caracterizado como a riqueza insondável de Cristo; no v. 10, como multiforme sabedoria de Deus e, no v. 12, e dito que nele nós temos a liberdade de acesso a Deus, por causa da fé nele, i. é, cm Jesus Cristo. Portanto, Jesus Cristo é o evento fundante dessa nova realidade. Nele se tornou manifesto, visível (Epifania!) esse plano salvífico de Deus oculto desde a eternidade junto a Deus (v. 9).

Um mistério, depois de manifesto, não pode ficar oculto. Se ficar escondido, perde a graça; deixa de ser mistério. Por isso a ênfase do apóstolo, na segunda parte, em destacar a sua tarefa de tornar conhecido esse mistério. Essa tarefa novamente é descrita sob diversas formas: no v. 7 é dito que ele se tornou servo desse evangelho; no v. 8 aparece o termo técnico da função apostólica euangelizesthai, ou seja, anunciar o evangelho; no v. 9 é usada a expressão iluminar/trazer à luz (lembrando novamente a data de Epifania). E no v. 10 e mencionado expressamente o efeito desse agir do apóstolo: o mistério se torna conhecido, agora (cf. Cl 1.26). Neste versículo, chama a atenção o acréscimo de através da Igreja. O enfoque não está mais na atuação do próprio apóstolo (assim como sempre é destacado nas demais cartas de Paulo — Rm 1.1; l Co 3.10; 2 Co 5.18-20 — e como também ainda aparece anteriormente em nosso texto — vv. 2, 7). Agora já é a Igreja, como instituição consolidada e depositária da Boa Nova, que detém o monopólio desse mistério. É, sem dúvida, um momento posterior à primeira geração. No entanto, uma geração profundamente preocupada em permanecer fiel ao testemunho primeiro desse mistério. Disto justamente esta carta é um exemplo.

A isso, de certa forma, está ligado também outro aspecto que aparece com certo destaque em outros momentos desta carta e em outras cartas da época: a referência aos poderes e domínios em todo o universo (cf. 1.21; 2.2; 6.12; Cl 1.16; 2.10,15; l Pe 3.22). A Igreja, como instituição à qual cabe levar adiante a Boa Nova e que, por isso, é detentora de um poder — diferente, sem dúvida nenhuma —, se vê confrontada com outros poderes. Quais? São los poderes que se hallan detrás de la historia realizada, los soberanos del mundo que desde siempre se habían decidido en favor de su próprio poder y egoísmo'' (Schlier, p. 204). O mistério de Cristo implica justamente o seu senhorio absoluto (cf. Fp 2.9-11; observe, no entanto, a linguagem e as imagens distintas!). A Epifania significa justamente isso: a revelação do senhorio absoluto desse Jesus. É por isso que o evangelho deste dia é o relato da visita e da adoração dos magos do Oriente, que, na tradição, foram transformados em reis. A salvação universal — eles são oriundos de outros povos — e a manifestação do senhorio exclusivo de Cristo — são representantes de poderes constituídos — é em torno disso que gira a mensagem da Epifania. E é essa mensagem que a Igreja não pode deixar de anunciar aos quatro ventos.

4. Encaminhando a Pregação

A Epifania é a complementação do Natal no sentido de que a mensagem do Natal seja conhecida em sua real amplitude. A análise do texto evidenciou que o mesmo fornece elementos diversos para destacar isso:

a) por iniciativa de Deus (revelação), o apóstolo/a Igreja têm acesso ao mistério de Cristo;

b) esse mistério de Cristo, já estabelecido desde a criação do mundo, esteve oculto às gerações passadas, mas se tornou manifesto e conhecido agora;

c) a manifestação do mistério de Cristo é universal, assim como é universal a economia desse mistério;
d) a economia do mistério de Cristo significa: todos os povos estão incluídos na ação salvífica de Deus;

d) por causa disso, com base na fé, todos temos a liberdade de acesso a Deus;

f) é tarefa da Igreja tornar conhecido, iluminar, revelar a todo o universo esse mistério de Cristo.

Em torno desses tópicos poderá girar a pregação sobre esta perícope, não deixando de fazer a relação com os dois outros textos.

5. Bibliografia

COMBLIN, J. Epístola aos Efésios. Petrópolis, Vozes; São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista; São Leopoldo, Sinodal, 1987.
CONZELMANN, H. & FRIEDRICH, G. Epístolas de la Cautividad; Texto y Comentário. Madrid, Fax, 1972.
MONTEIRO, M. A. L. Efésios. In: Em Diálogo com a Bíblia. Curitiba, Encontrão; Belo Horizonte, Missão, 1994.
SCHLIER, H. La Carta a los Efésios. Salamanca, Sígueme, 1991.
WOLFF, G. Meditação sobre Efésios 3.2-12. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1990. vol. XVI, p. 83-91.


Autor(a): Martin Volkmann
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania

Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 2 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1996 / Volume: 22
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17460
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