Esperança e solidariedade: a educação em tempos de globalização

“Minha mãe achava o estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.” (Adélia Prado)

Vivemos num mundo globalizado marcado por uma proposta neoliberal, onde a valoração do mercado e do lucro desenfreado tem se sobreposto ao valor do ser humano. Nesse contexto, a educação corre sérios riscos, pois os conhecimentos e as habilidades construídos através de um longo processo de aprendizagem caminham, hoje, em direção às exigências do mercado, estimulando a competitividade e o individualismo. Essa ideologia, sutilmente, perpassa a nossa vida, influenciando o nosso modo de compreender o mundo. Sabemos que situações de exclusão sempre estiveram arraigadas à história da humanidade, mas atualmente ela vem com um tempero perigoso, pois tende a ignorar a sensibilidade para com o sofrimento do outro. O resgate da sensibilidade pode ser uma das vias que nos ajuda a perceber os mecanismos de uma ética excludente do atual sistema social para, então, construirmos uma ética com base na solidariedade. Mas, a ética que se pauta na ação solidária precisa vir acompanhada da esperança. A esperança, de braços dados com a solidariedade, ganha aqui um caráter subversivo, de protesto. Fortalece os sonhos, anuncia o possível dentro de um mundo que se mostra contraditório e desesperançado. FREIRE. (1998, p.80), quando afirma que o ser humano possui a matriz da esperança, diz:

Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança.

 Nesse sentido, gostaríamos de pensar a esperança e solidariedade no contexto da educação, entendendo ser o espaço educativo, um dos lugares para a construção de uma proposta que mobiliza para mudanças; uma proposta que ofereça resistência contra a era do descartável, do imediato, que visa produzir na educação pessoas mais produtivas e menos construtivas. É preciso buscar construir possibilidades solidárias, intrinsecamente ligadas à esperança, se ainda sonhamos com um mundo não determinado e sujeito a mudanças. CARCANHOLO (1997, p. 259) afirma:

O mundo mudou muito, mas não pode mudar nossas consciências, nossos princípios, nossos valores éticos. Não podemos acreditar que o futuro pertença ao cinismo ou à hipocrisia. Não podemos saber exatamente como será esse futuro. Talvez muito pouco possa dizer-se sobre ele, mas uma coisa é certa: o amanhã pertence à história. E ela é construída por nós.

A construção de possibilidades solidárias que se concretizam no dia-a-dia vem acompanhada do resgate esperançoso de dias melhores, com experiências concretas, que, mesmo pequenas, sinalizem a possibilidade de transformação da vida cotidiana. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, romper com o sentimento de impotência e com uma visão fatalista da história.
A percepção da realização do futuro como algo possível é um passo decisivo que impulsiona para o encontro do novo e de novos caminhos. Isso vai exigir dos educadores e das educadoras uma prática pedagógica dialógica, considerando o conhecimento como um processo em construção que considere a pessoa em sua totalidade. É lição fundamental da educação, seja ela na escola, na família, na igreja, ou em outros espaços, estimular o exercício do olhar em direção à outra pessoa, reconhecendo nela um ser humano dotado de vontades, sonhos e desejos. A carência do amor ao próximo e da solidariedade, comum nos dias de hoje, torna as pessoas descompromissadas e alheias à prática da justiça, fazendo crescer a cultura da indiferença e da omissão. Diante desse fato, os educadores e as educadoras são chamados a se posicionar frente a crescente exclusão que fecha espaço à dignidade humana. RIBEIRO (1998, p.204), sensibiliza-nos quando afirma:

A des-humanização da pessoa ocorre quando ela, sabendo que pode salvar sua espécie, não o faz . Antes, omite-se ou a explora, levando-a à morte antes do tempo. Isto significa que a des-humanização cria a in-humanidade, onde a dimensão letal da pobreza e da violência institucionalizada contra os despossuídos geram a decadência moral da humanidade.

A educação em tempos de globalização necessita ter como princípio metodológico a transversalidade da esperança e da solidariedade nos espaços educativos. Essa proposta requer muito trabalho, pois exige reflexão, coerência e compromisso, considerando a dinamicidade da vida e entendendo a educação como espaço de criação e vivência. Nesse espaço, é fundamental um caminhar em conjunto, compartilhado. Esse compartilhar cria vínculos e parcerias.
Também é pertinente frisar que, apesar das dificuldades e da crescente exclusão social, as pessoas continuam buscando novos jeitos de viver. Isso serve de parâmetro para que continuem fomentando o sonho de uma sociedade mais comprometida. Nessa caminhada solidária e na troca de saberes, é preciso que todas as pessoas se sintam valorizadas e aceitas. Numa proposta solidária, movida pela esperança, não pode haver espaço para exclusões. D’AMBROSIO (1998, p. 52) argumenta:

Escapar da dor, da injustiça e da estupidez, que de maneira flagrante prevalecem na nossa sociedade, depende em grande parte da nossa determinação para levar adiante um programa de justiça, de valorização da dignidade do indivíduo enquanto procuramos uma interdependência igualitária.

Educar, nessa concepção, é oportunizar a descoberta de que a vida pode ser diferente e transformada. Encontramos nas palavras de BALESTRERI (1999, p. 64) a urgência de um posicionamento radical por parte de quem educa quando afirma:

Educar é agora, no agora, para o agora, ouso dizer. O amanhã será conseqüência. Basta dessa bela protelação de estarmos ‘educando a geração do futuro’. Ou é para já, para intervenção imediata, com competência e qualidade humana, ou não será nunca!

Uma educação mais solidária começa a partir da abertura e da aceitação do outro, numa relação de respeito mútuo, de estímulo à autoconfiança e à dignidade humana. Por isso, queremos construir espaços educativos verdadeiramente privilegiados para fazer emergir sujeitos sociais comprometidos com o resgate da sensibilidade humana. Ao nos tornarmos mais sensíveis, teremos olhos mais atentos e braços estendidos, em sinal de acolhimento e valorização do outro.
As pessoas um pouco mais desacreditadas e desesperançadas dizem que chegamos ao fim das utopias. Dizem também que não há mais espaço para grandes projetos alternativos, que não há mais sentido em buscar a igualdade dentro de um mundo cada vez mais individualista. Porém, os tecedores e as tecedoras de sonhos e esperanças, os que ainda acreditam e teimam em vislumbrar um mundo melhor, andam de braços dados com a esperança e são capazes de se encantar com gestos tímidos, quase desapercebidos, mas que sinalizam horizontes de novas possibilidades. Só a capacidade de se deixar encantar com as possibilidades de tornar melhor o espaço onde vivemos e convivemos com as outras pessoas garante a capacidade de se indignar com as situações de ameaça da vida. Quando alguém menos acreditado se deixa tocar pelos que acreditam um pouco mais, acontece um grande milagre e, em comunhão, vislumbram no horizonte um novo amanhecer. Adélia Prado (1991, p.36), com a sua poesia intitulada Impressionista, convida a desejar esse horizonte de esperança:

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Parece-nos muito importante “pintarmos a casa toda de alaranjado brilhante”, como diz Adélia, quando hoje constatamos que a esperança e a solidariedade vêm sendo fortemente abafadas nesta sociedade marcada pela injustiça, pela exclusão, pelo fundamentalismo e a intolerância religiosa, pela falta de afeto e de solidariedade. Será preciso, se optarmos pela mudança e pelo resgate esperançoso de dias melhores, buscar transformações práticas do mundo real, com experiências concretas que estimulem e sinalizem a possibilidade de, já agora, no presente, iniciar a construção e a transformação da vida cotidiana.
Nos sonhos e na esperança das pessoas, manifesta-se o que pode se tornar real. E esta é a razão maior da esperança: vislumbrar um horizonte de possibilidades, onde podemos nos descobrir como sujeitos históricos, capazes de buscar novos caminhos e transformar a realidade. FREIRE (2000, p. 133) enfatiza que aceitar o sonho do mundo melhor e a ele aderir é aceitar entrar no processo de criá-lo.
A adesão ao sonho de um mundo melhor passa pelo caminho de uma educação que priorize a dimensão humana, que aponte para a valorização e o respeito a todas as formas de vida, sem esquecer que, para a construção de um clima esperançoso que fortalece laços solidários, é necessário uma mudança de mentalidade e postura diante dos desafios lançados na vida. Não mudaremos o mundo se não mudarmos também nossa maneira de compreendê-lo. Nesse sentido, para que as ações solidárias se concretizem na vida, é essencial que a educação não toque apenas a mente da pessoa humana, mas toque o seu corpo por completo, pousando, sem pressa, no seu coração.

BIBLIOGRAFIA
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Cidadania e Direitos Humanos: um sentido para a educação. Passo Fundo : Pater Editora, CAPEC (Centro de Assessoramento a Programas de Educação para a Cidadania), 1999. 84p.
BARCELLOS, Carlos Alberto. Educando para a cidadania: os Direitos Humanos no currículo escolar. São Paulo : SBAI (Seção Brasileira da Anistia Internacional); Passo Fundo: CAPEC (Centro de Assessoramento a Programas de Educação para a cidadania), 1992. 108p.
CARCANHOLO, Reinaldo A. A quem pertence o amanhã? Ensaios sobre o neoliberalismo. São Paulo : Loyola, 1997. 259p.
D’AMBROSIO, Ubiritan. Etnomatemática. São Paulo : Ática, 1998. 88p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 165p. (Coleção Leitura)
__________ . Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo : Editora UNESP, 2000.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991. 407p.
     


Autor(a): Maria Dirlane Witt
Âmbito: IECLB
Natureza do Texto: Artigo
ID: 22451
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