Evitar desperdício é fundamental para nossa sobrevivência

01/12/2000

Evitar desperdício é fundamental para nossa sobrevivência

• Renar João Bender •

Comereis o velho da colheita anterior e, para dar lugar ao novo, tirareis fora o velho. - Levítico 26.10

A estocagem de alimentos faz parte da história da humanidade. O impacto da mudança de hábitos do homem pré-histórico para a sobrevivência é monumental. Os motivos não são conhecidos que fizeram com que este ser pré-histórico, que dependia para se alimentar somente da coleta de comida que a natureza oferecia em caça, frutas, grãos, raízes e folhas, partisse para algo que pode ser chamado de agricultura.

Com uma incipiente agricultura, iniciada há pelo menos 8 mil anos, o ser humano não precisava mais se adaptar ao meio, mas começou a moldá-lo. Foi o passo inicial para o desenvolvimento das complexas civilizações que se sucederam.

Esta agricultura primitiva, por mais rudimentar que possamos imaginá-la, necessitou de avanços tecnológicos, que foram críticos para a subsequente evolução da espécie humana. A confecção de potes, com o fim de coletar ou guardar mantimentos, e de ferramentas simples para trabalhar a terra pode ser visto hoje como algo extremamente banal. Mas, naqueles idos tempos, precisou se apoiar no desenvolvimento de habilidades e na conjugação de conhecimentos novos, que simplesmente não existiam. Isto representou um avanço fantástico.

Desde aqueles primórdios da agricultura são observados problemas de perdas após a colheita. No Império Romano, já era reconhecida a importância da temperatura e do ambiente de estocagem, da umidade do produto estocado, dos cuidados com insetos, roedores e fungos, que causavam perdas desses produtos estocados. Há alguns relatos, em escritos da época, sobre como armazenar grãos por longos períodos em trincheiras ou silos subterrâneos, para manter a qualidade e evitar o desperdício.

Perdas na pós-colheita

As causas de perdas após a colheita continuam praticamente as mesmas. A explosão populacional, as mudanças nos hábitos alimentares para um maior consumo de produtos frescos e o incremento no comércio internacional acentuaram ainda mais as deficiências no manuseio de produtos agrícolas após a colheita.

Estimativas indicam que em torno de 20% dos produtos hortícolas (frutas, hortaliças e verduras e flores) são desperdiçados em algum ponto na cadeia pós-colheita. São estimativas de perdas em países desenvolvidos. Em países menos desenvolvidos, este percentual deve ser muito maior e, evidentemente, depende muito da espécie. Na área de grãos, estima-se que nos países não-desenvolvidos em torno de um quarto do que é colhido seja perdido no caminho até o consumo.

Estes valores referem-se ao produto que não chega à mesa do consumidor. No entanto, muitos produtos abaixo do padrão ainda são comercializados. Estas perdas qualitativas são difíceis de dimensionar. Sem dúvida, essas perdas são maiores nas espécies hortícolas. Por isso, é necessária atenção no sentido de diminuir também esse desperdício.

No caminho entre a propriedade e o consumidor final, há vários pontos em que podem ocorrer danos ao produto, que irão resultar na sua depreciação ou descarte. Ao abordarmos a questão de evitar desperdício de alimentos, é importante frisar que cada segmento da cadeia pós-colheita deve fazer a sua parte para que o produto alcance o consumidor final com a melhor qualidade possível. Não raramente, vemos que vários segmentos não cuidam do produto e tentam passar o compromisso do cuidado ao próximo elo na cadeia pós-colheita: o produtor, a partir do momento em que o produto deixou a sua propriedade, não está preocupado como este produto chegará ao atacadista ou varejista; estes, por sua vez, não se preocupam com quanto desse produto o consumidor conseguirá colocar na sua mesa.

A colheita é uma operação de crucial importância e, muitas vezes, não é tratada com o devido cuidado. Podemos começar pela tomada de decisão de quando colher. As vezes, não é possível adiar a colheita, mas é importante saber dos riscos a que o produto estará sujeito. Um exemplo muito comum e que resulta em baixa qualidade é a antecipação da colheita. Preços mais vantajosos são um convite para colher antes que o produto tenha atingido seu pleno desenvolvimento, mas o prejuízo ao sabor é enorme. Todos já comemos frutos comprados pelo seu aspecto visual. A cor e o formato estavam impecáveis, mas o gosto deixou muito a desejar.

Embalagens adequadas

Para a colheita, o uso de ferramentas e embalagens adequadas é fundamental. Várias são as razões para tal. Colheita malfeita deixa um bom percentual da safra na lavoura e é uma das causas de danos ao produto. Estes danos, na maioria das vezes pouco visíveis, facilitam a entrada de fungos, que resultam em podridões e, por consequência, no descarte. Fungos são uma das principais causas de descarte. Há inúmeras espécies de fungos que atacam após a colheita. Algumas dessas espécies já se estabeleceram no produto muito antes da colheita e estão aguardando apenas o melhor momento para atacar.

As embalagens devem acondicionar e proteger o produto. Muitas vezes, estas embalagens providenciam exatamente o contrário, principalmente aquelas de múltiplo uso. Caixas mal lavadas, com restos de frutos ou folhas, sujas de terra, constituem-se em fontes de dano e de contaminação. Embalagens de paredes ásperas lixam e removem as ceras da superfície do produto. Estas camadas de cera são importantes tanto para evitar a penetração de fungos como também para evitar perda de água por desidratação.

O murchamente é outra causa de perdas significativas. Após a colheita, o produto vai continuar a perder água. É importante que esta perda seja mínima. Sinais visíveis de murchamente depreciam muito o produto. Espécies folhosas são as mais suscetíveis, porque têm uma grande superfície em comparação ao volume.
Remover, o quanto antes possível, o material colhido da lavoura para local sombreado ou onde as temperaturas estejam mais baixas e com pouca movimentação de ar reduz a desidratação. Outras medidas para prevenir a desidratação incluem práticas como reduzir a movimentação excessiva de ar, envolver o produto em filmes plásticos e borrifar água para aumentar a umidade relativa próxima ao produto.

Armazenamento refrigerado

A prática de maior eficiência para a manutenção da qualidade é o armazenamento refrigerado. Inclui-se aí o transporte refrigerado. A colheita das culturas assim como o seu transporte durante os horários mais quentes do dia devem ser evitados, principalmente nos meses mais quentes do ano.

O refrigerador foi inventado em 1803. O desenvolvimento da máquina de fazer gelo, para não mais depender dos meses de inverno para a produção de gelo, ocorreu por volta de 1850. Mesmo assim, conhecendo-se já há tanto tempo os benefícios do uso do frio, não ocorreu uma ampla utilização dessa tecnologia.

Em regiões menos desenvolvidas, o pouco uso da refrigeração, aliado a práticas inadequadas de colheita e manuseio após a colheita, resultam em perdas significativas. A simples recomendação de uma ampliação do uso de frio para evitar o desperdício qualitativo e quantitativo não é de fácil implementação, considerando o custo de uma unidade frigorífica e o grau de descapitalização do setor primário.

A alternativa que os produtores têm para ter acesso a essa tecnologia passa pela associação. Esta associação produz o volume de produto necessário para justificar os investimentos, aumenta a taxa de ocupação da estrutura e facilita a captação de recursos. Na associação também pode estar parte da solução para atender mais adequadamente alguns pontos críticos no manuseio pós-colheita, como a automação de algumas operações, a logística de distribuição, a busca de novos mercados e a melhor capacitação técnica.

Para concluir, o maior desperdício de alimentos não deve ser um estigma de regiões menos desenvolvidas. O desperdício é resultante de um amadorismo no manejo de produtos perecíveis. Mudar esse quadro poderá ser, muito em breve, fundamental para a sobrevivência, pois algumas regiões produtoras já se aperceberam da demanda crescente por produtos de qualidade visual e interna e partiram para ampliar os seus mercados.


 

O autor é professor na Faculdade de Agronomia da UFRGS, e reside em S. S. do Caí, RS


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Autor(a): Renar João Bender
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2001 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000
Natureza do Texto: Artigo
ID: 32985
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