Ezequiel 18.1-4,25-37

29/09/2002

Prédica: Ezequiel 18.1-4,25-37
Leituras: Mateus 21.28-32 e Filipenses 2.1-5(6-11)
Autor: Norberto Garin
Data Litúrgica: 19º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 29/09/2002
Proclamar Libertação - Volume: XXVII
Tema:

MEU PECADO, MEU CASTIGO!
Pontas de individualismo

1. Pontas para começar

A gente tem que começar por alguma ponta. A ponta do pecado, quem sabe, não é a melhor, mas necessária.

Do ponto de vista humano, uma ponta pela qual se pode começar é pelo fato de que nada incomoda mais do que ter que enfrentar o próprio pecado. Como se fosse uma ferida, a gente procura encobri-la com alguma coisa. Na ferida, coloca-se um curativo, assopra-se, tapa-se. De alguma forma tenta-se esconder. A própria aparência mexe com os nossos sentimentos.

No pecado, a pessoa sente-se agredida. É a sua “imagem divina” que se acha distorcida. Como se o espelho no qual se mira estivesse quebrado, a imagem aparece partida. Violenta quem olha. Israel está diante do seu próprio pecado. Não consegue se olhar no espelho da história. Busca uma desculpa, algo para encobrir. Tenta.

2. Pontas da memória

Nunca é demais a gente puxar a ponta da memória e lembrar que Ezequiel foi profeta durante o exílio babilônico (587-538 a.C). Mas ele não foi apenas profeta. Antes disso, foi sacerdote em Jerusalém.

Outras pontas também devem ser consideradas:

Profeta e sacerdote no exílio

Foi Ezequiel que, por primeiro e de forma aberta, falou sobre a amargura do exílio, uma experiência indesejável para qualquer humano. Revelou como foi emocionalmente desarticulador o afastamento da Palestina. Também foi ele quem pregou a ruína merecida de Judá. Entretanto, junto com os exilados, esforçou-se para construir uma base teórica e pastoral para resgatar as esperanças de seus irmãos e suas irmãs. Agindo assim, o ministério de Ezequiel foi decisivo para que Israel compreendesse o significado prático da catástrofe que se abateu sobre Judá. Dessa forma, Israel começou a se preparar para a reconstrução do povo, fundamentada na experiência da conversão a Yahweh. Pode-se dizer que nunca deixou de ser também sacerdote. Ezequiel procura retirar do povo toda a esperança de um fim próximo, do exílio. Por outro lado, como já disse, empenha todos os esforços possíveis para resgatar as forças dos exilados, no sentido de reconstruir um caminho, ainda que a longo prazo, para o retorno que efetivamente irá acontecer a partir de 539 a.C.

Ezequiel nega o seu apoio às tentativas de sacudir o jugo de Nabucodonosor (Ez 14.1-3; 20.1-4). Na mesma medida em que atuava como profeta, também instruía e guiava o povo na direção das tradições do velho Israel, como se fosse o verdadeiro sacerdote. O exílio foi um período no qual Israel fez uma volta às suas origens, quando retomou a sua feição peregrina em terra estranha (Asurmendi, p. 251). Israel compartilhava da concepção de que os deuses estavam presos a uma terra, e cada território tinha o seu deus. Dessa forma, aquela porção do povo que permaneceu na terra após a deportação imaginava que os exilados estavam longe do seu Deus.

Nesse cenário, Ezequiel representou uma nova visão – ele era um profeta de Yahweh em terra estranha. Com a sua mensagem os israelitas adquiriram uma nova concepção teológica: Yahweh não é um Deus de territórios, mas é o Deus de um povo.

Uma ponta do povo em Jerusalém

Ainda que o tempo tenha passado, e mergulhados numa experiência amarga, os exilados viviam para o templo e para o lar – Jerusalém. Qualquer notícia que chegasse à Babilônia era considerada como um grão de ouro. Ezequiel procurava incutir nos ouvintes uma certeza: Jerusalém será destruída, e toda a população de Judá será exterminada e exilada (5–24).

Nada conseguia conformar os exilados numa terra estranha. O Sl 126, que já aponta para o retorno, fala claramente desse sentimento: “Quando o Senhor reconduziu os cativos de Sião, parecíamos sonhar; nossa boca se enchia de riso, e nossa língua, de gritos de júbilo”.

3. Pontas do texto

Este texto, juntamente com os de Ez 14.12-20; 18 e 33.10-20, representa um progresso no desenvolvimento da doutrina moral do Antigo Testamento. Anteriormente, a pessoa estava envolta no ambiente da família e da tribo e, por isso, salva ou condenada conforme a bênção ou a maldição que estava posta sobre as mesmas. Tanto a responsabilidade quanto a retribuição estavam atreladas a essa concepção moral. “Parecia normal que uma cidade ou nação fosse castigada em bloco, os justos com os pecadores, e que a sorte dos filhos correspondesse à conduta de seus pais”.

Uvas e dentes

V. 2 – os episódios do exílio foram decisivos para Israel; as palavras de Yahweh proferidas por Ezequiel em 18.2 marcaram uma conversão de princípios; Israel sempre acreditou na responsabilidade coletiva, especialmente no que se referia ao pecado, tanto no que se referia à culpabilidade dos pais sobre os/as filhos/as quanto no que se referia à nação; este versículo remete à questão de todos os tempos: é justo o bom sofrer com o mau por causa do mau? Para o Antigo Testamento, o sentimento da responsabilidade coletiva é muito forte. Gottwald (p. 453) acredita que a mensagem do profeta é no sentido de reedificar a identidade e responsabilidade coletiva de Israel, “convertendo e disciplinando exilados, um a um, enquanto membros fidedignos da nova comunidade”. Com relação ao conteúdo do provérbio, é muito provável que tenha sido de uso costumeiro em Israel. Jeremias também utiliza esse mesmo provérbio, só que com sentido escatológico, visto que a cessação do uso desse provérbio é associada por Jeremias ao tempo vindouro, calcado numa nova aliança que seria celebrada por Yahweh e o povo de Israel (Jr 31.29). Outro texto que trabalha a questão da responsabilidade individual, ainda que de forma incipiente, é Dt 24.16, quando fala que a culpa dos filhos não pode recair sobre os pais, nem a dos pais sobre os filhos. Esse provérbio está inserido na mentalidade dos israelitas desde a celebração da aliança mosaica (Êx 20.5). De outra sorte, a pregação do próprio Ezequiel fazia menção disso (11.8).

Com certeza, os desterrados atribuíam os horrores que estavam sofrendo aos pecados que os pais cometeram. O desespero e o fatalismo tomaram conta dos exilados num primeiro momento. Eles/as estavam certos de que Yahweh não castigaria Judá por nada, pois se consideravam nação protegida.

As almas são minhas

V. 4 – Ezequiel parece estar reforçando a afirmação de que a responsabilidade dos exilados pelos pecados cometidos é maior do que a responsabilidade dos seus pais; eles mesmos são os merecedores do castigo que estão sofrendo.

O termo alma não se refere a entidades desincorporadas. Para o hebraico, alma tem o significado de totalidade do ser humano, da força vital que habita em seu interior.

Retribuição pessoal

V. 25-30 – constitui um bloco onde, em forma de diálogo com uma assembléia, o tema da retribuição pessoal é retomado. Faz parte do plano de reconstrução. Deus vai julgar e punir cada um pelos próprios pecados e não pelos pecados dos pais. O acesso à salvação se dará pela conversão individual.

Apelo à conversão

V. 30b-32 – é um convite permanente à conversão, considerando a misericórdia de Yahweh. Esse princípio de conversão individual encontrará muita oposição diante da posição clássica em Israel, de responsabilidade coletiva, corroborada com uma série de textos de diferentes épocas. Asurmendi (p. 265) afirma que em Judá as “boas ou más ações tinham repercussões diretas na vida do grupo”.

4. Amarrando as pontas
Uma ponta de amargura

Ezequiel foi um dos primeiros profetas de Israel a manifestar a amargura de quem tem que viver numa terra distante, especialmente longe do templo de Jerusalém. Para quem vivia alicerçado sobre a certeza de que Yahweh protegia Judá, ser arrancado da pátria tinha um sabor emocional desarticulador, comparado à própria morte.

Uma ponta incomodando

Judá tinha pecado. O pecado estava escancarado diante de Yahweh. Como uma imagem refletida num espelho quebrado, a aparência do “povo escolhido” estava partida. Era uma imagem que agredia o Senhor, e o povo sabia disso. Como Adão, o povo não conseguia esconder-se dessa humilhação.

A maneira cômoda de tentar encobrir esse pecado foi tentar achar um “culpado”. Como era comum, a “responsabilidade coletiva” estava à mão. Pensaram: com certeza foi o pecado dos nossos pais que nos conduziu ao castigo do exílio.

Uma ponta pessoal

Ezequiel foi o sacerdote-profeta que incentivou homens e mulheres de Israel a converterem suas vidas a Yahweh, pontuando a importância da responsabilidade pessoal de cada um; a partir de sua pregação, teve início uma nova concepção ética e religiosa em Israel. Entretanto, não se pode tomar isso como uma afirmação isolada. A unidade da família e do grupo tribal como tal constituía a essência da antropologia hebraica. A intenção de Ezequiel não é desmontar essa visão do ser humano, que subjazia em Israel. Se esta fosse a intenção, seria uma tarefa bem mais complexa do que apenas uma asseveração. Toda a atitude para com a vida teria que ser reescrita. A intenção do profeta era demonstrar que não são os únicos fatos. Solidariedade comunitária e responsabilidade coletiva eram fatos sobre os quais a experiência de Israel testemunhava favoravelmente.

Uma ponta para reconstruir

O profeta sentiu o mesmo abalo que abateu os seus irmãos de exílio; porém, não se contentou em ajudar na transformação das vítimas em sobreviventes físicos. Num contexto onde o tema central é julgamento e salvação, ele conseguiu transformar eventos cruéis em modos de pensar e de agir na direção de uma saída (Gottwald, p. 450). Jamais se deve esquecer que, embora o povo tenha sido deportado, o coração de cada pessoa permanecia apegado à Cidade Santa. O sonho dos judeus era, um dia, retornar à terra de Judá e ver novamente o templo reconstruído. O profeta aceitou, como missão entre os exilados, construir uma base teórica e pastoral para resgatar as esperanças do seu povo. Sua pregação centrou-se na direção da conversão pessoal de cada irmão/ã.

Uma ponta de cuidado

Ezequiel nunca deixou de também ser sacerdote entre os exilados. Mesmo no exílio, procurava instruir o povo no cumprimento das tradições e leis de Israel. Como o povo tinha feito um caminho semelhante ao que havia percorrido antes do assentamento em Canaã – peregrino pelo deserto –, o profeta fortalece a fé dos/as irmãos/ãs com base nos preceitos de Yahweh. A consolação do profeta se fez sentir no fato de que Yahweh não era Deus apenas em Judá, mas também entre os exilados da Babilônia este mesmo Deus se manifestava com a mesma força. É claro que isso não afastou nunca do coração do povo o sonho e o desejo concreto de retorno.

5. Auxílios para a prédica

Espelho quebrado

Consiga um pedaço de espelho partido, que distorça a imagem das pessoas, e coloque-o na entrada do templo (tome cuidado para não provocar acidentes), de tal sorte que todas as pessoas que entrarem tenham a sua imagem refletida (distorcida) no espelho.

6. Outras pontas

Uma ponta representada pelo sim

As questões teológicas e éticas estão sempre diante de cada um/a. Por mais que empurremos a culpa sobre as situações, a estrutura, a conjuntura, a tentação (a serpente), finalmente resta aquele espaço representado pela decisão individual (exclusivamente pessoal) de cada ser humano. Por mais dolorida que seja a realidade da falta, do pecado, ela estará diante do indivíduo todos os dias. Não há como se livrar da falta. Depois que o delito foi cometido, nenhuma explicação reverte o fato. Um pedido de desculpas não resolve a vida de alguém que foi atingido prejudicialmente por outra pessoa. As desculpas ajudam apenas a consciência de quem cometeu o pecado. Não há como se livrar da culpa, a despeito das múltiplas explicações éticas e teológicas. “Os pais comeram uvas verdes...”

Outra ponta representada nas futuras gerações

As gerações que sucedem não devem pagar pela geração que cometeu o pecado. Elas sofrem as conseqüências dos erros do passado. Isso é diferente de pagar pelo erro. O significado de “pagamento” pelo pecado tem o sentido de expiação da falta. As conseqüências significam o inevitável diante dos pecados cometidos. A “expiação” não tem como ser trabalhada – resta apenas cumprir. As conseqüências podem e devem ser administradas de tal sorte que do caos apareça a luz. Ezequiel faz exatamente isso. Não preconiza sobre as gerações vindouras a expiação do pecado cometido em Judá. Tenta construir elementos de esperança, que ajudem Israel a sair do cativeiro de volta à Palestina. “... os dentes dos filhos (não) ficaram embotados.”

7. Pontas para a celebração

Acolhimento

Sugiro utilizar um texto bíblico para o acolhimento que fale da imagem do Deus invisível como Cl 1.15-16.

Confissão

Convite –- Nossa sugestão é que se escolha um texto que fale sobre a modéstia, a humildade, como Rm 12.16-17.

Exame de consciência:
D: Ó Deus, tu és meu Deus; a ti procuro, de ti tem sede minha alma; minha carne por ti anseia como a terra ressequida, sequiosa, sem água.
T: Assim te contemplo no santuário, vendo teu poder e glória.
D: Porque teu amor vale mais que a vida, meus lábios te louvarão.
T: Sim, eu te bendirei durante a vida, ao teu nome erguerei as mãos.
D: Como se deleita minha alma na grande fartura, assim, com o júbilo nos lábios, minha boca te louva.
T: Se penso em ti, no leito, se, nas vigílias, medito em ti,
D: é porque tu foste meu auxílio, e à sombra de tuas asas posso cantar de júbilo.
T: Tenho a alma apegada a ti, e tua destra me ampara.
Declaração de perdão:
D: “E o rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, abençoados por meu Pai! Tomai posse do Reino preparado para vós desde a criação do mundo” (Mt 25.34).
Oração após a Eucaristia:

Bondoso Deus, acabamos de participar deste ato solene e precioso quando recordamos e revivemos o sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, em quem e por quem somos novas criaturas. Suplicamos-te, ó Santo Pai, que recebas agora a nossa vida para ser usada no teu serviço, entre as pessoas, na Igreja e no mundo, por meio de Cristo que viveu, morreu e ressuscitou por todos nós. Amém.

Pontas bibliográficas

ASURMENDI, J. Os profetas e os livros proféticos. São Paulo : Paulinas, 1992.
GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo : Paulinas, 1988.
NOTH, Martin. Historia de Israel. Barcelona : Garriga, 1966.

Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Norberto Garin
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 19º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 4
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 6984
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Martim Lutero
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